segunda-feira, 3 de agosto de 2009

20 anos sem Gonzagão // De Exu a Nova York


Byrne: de Psycho Killer ao baião de Gonzaga e Teixeira

A conexão Exu-Nova York pode ser longa, mas foi percorrida com rapidez por Luiz Gonzaga. Ainda nos anos 1940, suas músicas, escritas em parceria com Humberto Teixeira, deram o tom não só da música brasileira. De Peggy Lee a Carmen Miranda, de Dizzy Gillespie a Amália Rodrigues, não foram poucos os artistas a cantar o baião. O apelo era tanto que, nos anos 50 a música Paraíba foi parar no Japão, na voz de Keiko Ikuta.

Os "anos de ouro" do baião há muito se foram, mas não a força da obra gonzagueana. No fim dos anos 60, Frank Zappa promoveu um improvável encontro entre o rock experimental e Gonzagão, que foi sampleado no disco We're only in it for the money.

Atualmente pelo menos duas bandas de forró sediadas em Nova York comprovam o alcance do legado do mais famoso filho de Exu. Uma delas é a Forró For All, mantida desde 1998 pelo sanfoneiro norte-americano Rob Curto, que se apresentou no Recife, durante o São João, e semana passada no Festival de Garanhuns. A outra é Forró In The Dark, que em 2006 lançou o álbum Bonfires of São João com participação especial de Bebel Gilberto e David Byrne.

Byrne escolheu tocar e cantar White wing, ou melhor Asa branca, performance devidamente registrada no último filme de Lírio Ferreira, O homem que engarrafava nuvens. Mais do que músico de longa data (parte dela na liderança do grupo Talking Heads), ele é fundador do selo Luaka Bop, que tem no catálogo artistas brasileiros (entre eles Tom Zé e Os Mutantes) e coletâneas de ritmos tradicionais e contemporâneos, como Brazil Classics, que abre com a faixa O fole roncou, de Gonzaga, e o recente What's happening in Pernambuco?.

Em turnê pela Europa com Brian Eno (hoje se apresentam no Barbican Theatre, em Londres), Byrne respondeu a entrevista a seguir, por e-mail, com mediação da atriz Denise Dummont, produtora do longa de Ferreira e filha de Humberto Teixeira.



Entrevista // David Byrne: "É como brincar de texano com chapéu de cowboy"

Você surpreendeu o público brasileiro tocando baião com o chapéu de cangaceiro. Qual foi a sensação?
É como brincar de texano com chapéu de cowboy. Todo mundo sabe que eu não sou, mas o chapéu, em ambos os casos, é sinal de carinho pelos músicos e compositores regionais. Acredito que no caso de Luiz Gonzaga e Hank Williams é também sinal de empatia com a classe operária do Nordeste brasileiro ou com o Oeste norte-americano.

O que te levou a gravar com o grupo Forró In The dark?
Mauro Refosco e eu tocamos juntos por cerca de 10 anos e me perguntou se poderia colaborar com ele. Foi fácil, porque tínhamos feito um show com Gilberto Gil há alguns anos, onde juntamos minha versão para o inglês de Asa branca com a versão dele. Então Mauro sabia que eu poderia tocar a música. No estúdio, Mauro sugeriu que nós mudássemos juntos alguns acordes. Depois eu coloquei letras nessa parte do arranjo.

Quando surgiu seu interesse por Luiz Gonzaga? Pois além da Tropicália, Mutantes e Bossa Nova, outras músicas daquinão são tão conhecidas na parte de cima do mundo...
Estive na Bahia em meados dos anos 80, na rota para o Festival do Rio, onde apresentei meu filme True stories. Quando estava lá ouvi axé e forró no rádio e gravei alguns programas. Depois, toquei alguns trechos e perguntei às pessoas que tipo de música era aquela e quem estava cantando. Naquela época quase não havia informação em inglês sobre essas músicas (e certamente não tinha internet!). Então o único jeito de descobrir músicas era perguntar. Eu lembro que, alguns anos antes, fui apresentado a Bruno Barreto em uma festa em NY e perguntei a ele sobre os discos de Gil, Caetano e Milton, que tinha adquirido recentemente. Eu também queria saber que espaço esses artistas ocupavam na cultura brasileira. Me apaixonei por suas músicas, mas elas me pareciam boas demais para ser populares, se você me entende...

Há ligação entre sua música e a de Luiz Gonzaga?
Culturalmente estamos bem distantes, embora músicos consigam com frequência encontrar meios de se conectar, superando barreiras sociais.

Você vê conexão entre a cultura do forró e o folclore norte-americano?
Claro. Eu expliquei a Denise que quando eu comecei a entender o que significa Asa branca, imediatamente vi uma ligação entre o Dust bowl ballads que Woody Guthrie cantava nos Estados Unidos. São músicas sobre fazendeiros que precisam sair de suas casas após anos de seca - poderia haver algo mais similar? Aquelas músicas de Guthrie, claro, foram super influentes para Bob Dylan e muitos outros, na medida em que eram planas, melódicas e políticas ao mesmo tempo - da mesma forma, músicas de forró são folclóricas, catchy (ficam na cabeça) e políticas também - ao contar histórias sobre os desvalidos. Veja a letra de uma canção chamada Do re mi - Dó é a primeira nota musical, é claro, mas na gíria americana dough (que tem a mesma pronúncia) também significa pão/dinheiro. Guthrie dá um aviso para os refugiados de Oklahoma ou Arkansas, que deixaram suas terras e foram para a Califórnia começar uma nova vida.

O que você vê de especial, diferente ou peculiar na estrutura musical do forró?
A instrumentação africana, indígena, alemã e portuguesa, tudo isso misturado. Não deveria funcionar, mas funciona!

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