segunda-feira, 3 de agosto de 2009

20 anos sem Gonzagão // O Rei e o Doutor do Baião

Fortaleza (CE) - Compositor que reinventou o baião, primeiro grande parceiro de Luiz Gonzaga, Humberto Teixeira (1915-1979) se tornou a atração principal do 19º Cine Ceará. O documentário sobre sua história, O homem que engarrafava nuvens, foi exibido no evento no último domingo, data em que Gonzaga completou 20 anos de morte. Para receber o público, um trio de forró tocava as músicas da dupla. Teve até quem dançasse enquanto esperava a abertura das portas do Cine São Luiz.



"Aqui tem mais de cem Teixeiras", garante Evangelina Margarida, prima do advogado que prefere classificar como poeta-compositor. Responsável pela convocação da família, dividida entre Fortaleza e a pequena Iguatu, a cidade natal do criador de clássicos como Asa Branca, Baião, Assum preto, Paraíba e Juazeiro, Margarida recebia o primo, Gonzagão e a cantora Carmélia Alves na própria casa durante os shows no interior cearense. "Ele poderia ter sido um mito, mas era muito recatado". A prima descreve Teixeira como simples, afetuoso e um flautista de mão cheia - com 13 anos, ele tocava nas sessões do Cine Majestic em Fortaleza. "Nosso avô Lafayette ensinou as primeiras notas".

Após a parceria, Teixeira continuou a compor, mas nem tanto. O parente Eurico Teixeira Júnior lembra que, enquanto advogado, ele se dedicou à luta pelos direitos autorais dos músicos, à época vitimizados por contratos leoninos com as gravadoras. Mais tarde, como deputado federal, criou a Lei Humberto Teixeira, que financiou a circulação de artistas em caravanas pelo Brasil e outros países. Como suplente da Câmara dos Vereadores de Iguatu, Eurico pretende promover um festival de música e um memorial em homenagem ao filho mais famoso da cidade.

Denise Dummont, filha de Teixeira e produtora do longa dirigido por Lírio Ferreira, subiu ao palco para apresentar o filme visivelmente emocionada, por "trazer esse homem de volta para casa". "Luiz Gonzaga foi a cara do baião, mas meu pai foi o doutor do baião, apelido dado pelo próprio Gonzaga como reconhecimento. É normal que o intérprete ofusque o homem que compôs as canções. Por isso, ele nem sempre teve o reconhecimento que merece", diz Dummont, antes da projeção começar.



Longa-metragem resgata figura do compositor

Ao longo da estreia cearense de O homem que engarrafava nuvens, as palmas incontidas e gente cantando junto deixaram claro de que o doutor do baião pode não ser tão conhecido assim, mas não há fronteiras para sua obra. Esse é justamente um dos objetivos do longa: contar a história do baião através de seus idealizadores e intérpretes, de Luiz Gonzaga à David Byrne e a japonesa Miho Hatori.

Com lançamento comercial previsto para outubro - mês dos 30 anos de morte de Humberto Teixeira - o novo longa Lírio Ferreira reconstitui a década de ouro do baião (1946-56) com imagens de arquivo costuradas a depoimentos. Método já utilizado no documentário anterior, Cartola - música para os olhos. "São trabalhos irmãos, com o mesmo DNA, apesar do Cartola ser mais lúgubre e noturno, e este ser mais solar, colorido", diz Ferreira, ao Diario. "No Cartola, optamos por colocar uma 'ponta preta' no filme, para representar o sumiço dele enquanto viveu com uma terceira mulher, entre Deolinda e Dona Zica. Essa 'ponta preta' começaem 1944 e termina em 1954, exatamente a década de ouro no baião. Não foi só a história com a mulher que colocou Cartola na obscuridade. Aquela ponta preta é O homem que engarrafava nuvens. É aí que os filmes se completam".



Mais do que um documentário sobre uma fase obscurecida da MPB, O homem que engarrafava nuvens é um acerto de contas pessoal em que a filha parte em busca do pai que a criou, mas foi negado por tanto tempo. Em momento "divã", de emoções carregadas, Dummont pergunta quem era o pai à própria mãe, que deixou tudo por outro homem e foi morar em Nova York. "Eu tinha muito ressentimento. Amava minha mãe, mas por 50 anos fiquei pensando como ela foi capaz de me abandonar", disse a atriz, na coletiva de imprensa ontem pela manhã.

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