quinta-feira, 21 de maio de 2009

Che sobrevive ao tempo



Deve ser mera coincidência, mas não deixa de ser curioso o fato de que Che, o argentino (Che: part one), de Steven Soderbergh, e W., cinebiografia de Oliver Stone sobre George W. Bush estreiem no Recife neste mesmo fim de semana.

Colocadas em perspectiva, as produções se completam por narrar os (des)caminhos políticos tomados por líderes de nações que nos últimos 50 anos se negam com inabalável convicção. Entre elas, o ponto em comum está no tom liberal-hollywoodiano, e na narrativa um tanto burocrática, o que leva ao sentimento de que dois grandes temas desfilam perante olhos que esperavam algo mais.

Rodado entre o México e Estados Unidos, e corajosamente falado em espanhol, Che trata da ascenção e queda do líder revolucionário Ernesto Guevara de la Serna (1928-1967), o Che, vivido com talento pelo ator Benício Del Toro. Nesta primeira sequência, acompanhamos Che em sua transformação de médico e intelectual argentino ao posto de homem da máxima confiança de Fidel (Demián Bichir).

A narrativa intercalada apresenta Che em dois momentos: durante a luta armada de 1956-59, que culminou na derrocada da ditadura de Fulgencio Batista e na supremacia de Fidel Castro; e em 1964, quando defende suas convicções políticas na imprensa norte-americana e na Assembleia Geral das ONU, em Nova York, onde defendeu o fechamento da base militar de Guantánamo e o fim do embargo comercial imposto pelos EUA.

Prelúdio para Che - o guerrilheiro (com estreia brasileira prevista para julho), O argentino entra em cartaz no Recife (em apenas uma sala do UCI Recife) um ano após a première de sua versão integral (de 4h28 de duração) em Cannes. Desde aquele momento, o filme de Soderbergh (Oscar de melhor diretor por Traffic) gerou críticas. Enquanto militantes de esquerda esperavam um filme mais radical sobre o grande ícone revolucionário, a direita o acusou de ter romantizado um terrorista que defendia abertamente o fuzilamento de dissidentes.

Nada poderia ser mais equivocado. Se por um lado Soderbergh radicalizasse no discurso, entraria em conflito com as convicções norte-americanas; e por outro, "terrorista" definitivamente não é a palavra que melhor define Guevara, que fez conexões com líderes políticos - no Brasil encontrou Leonel Brizola e recebeu medalha do presidente João Goulart - e intelectuais para defender seu ideário de revolução.

No Che defendido por Soderbergh, prevalece o humanista, que ensina soldados a ler e escrever, e pune aqueles que abusam dos camponeses durante os combates. Um personagem de convicção tão inabalável que brinca com o constrangimento do senador McCarthy, a quem conhece durante uma festa, num dos melhores momentos do filme. Mais: em entrevista à TV americana, ele garante que a maior virtude de um revolucionário é o amor.

Esta não é a primeira vez que Guevara é representado no cinema. Dois anos após sua morte, ele foi vivido por Omar Shariff no filme Che!, de Richard Fleischer (Soylent Green), com Jack Palance no papel de Fidel. E Diarios de motocicleta (2004), de Walter Salles, apresenta o personagem aos 20 anos, em sua viagem por países da América do Sul.

De origem porto-riquenha, Benício del Toro pesquisou anos a fio para compor seu Che, o que contribuiu para fazer o todo mais convincente. Não é o caso do brasileiro Rodrigo Santoro, cuja participação como Raúl Castro se restringe a apresentar Che ao irmão Fidel e ser coadjuvante de meia dúzia de situações menores.

Apesar da visível dedicação de Del Toro e a precisão histórica e visual garantida pelo consultor Jon Lee Anderson, o melhor biógrafo de Che, Soderbergh fez um filme um tanto engessado, talvez pela consciência de estar tratando de um personagem que, ainda em vida, se tornou um mito do século 20.



Diferentes interpretações de um mito

Batizada como Guerrillero heroico, a célebre imagem que fixou Che Guevara para sempre no imaginário popular foi realizada de maneira quase acidental. Seu autor, o fotógrafo cubano Alberto Korda (1928-2001), cobria um evento para o jornal La Revolución quando capturou a expressão do líder, quem sabe a olhar o infinito, como poderia se supor, quem sabe, para algum dos oficiais presentes.

Após o assassinato de Guevara na selva boliviana, foi preciso que o italiano Giacomo Feltrinelli recortasse a foto original e produzisse centenas de pôsteres, e que o o artista plástico irlandês Jim Fitzpatrik a vertesse em monotipo estampado em milhares de camisetas, para então se tornar a imagem fotográfica mais reproduzida do mundo. Enquanto vivo, Korda abriu mão dos direitos de reprodução da obra, um ato de copyleft permitido somente para situações de alinhamento ideológico. O fotógrafo repudiava seu uso comercial e chegou a censurá-la em uma propaganda de vodka.

Só que Korda viveu o suficiente para perceber que, de símbolo da luta pela liberdade, a imagem por ele eternizada passou pelo total esvaziamento. Se no Brasil dos anos 70, o jovem que a ostentasse corria o risco de virar alvo da repressão, hoje quem a utiliza muitas vezes nem sabe quem foi o revolucionário argentino. O documentário carioca Personal Che (2007) percebeu bem esse fenômeno, ao registrar as mais diferentes interpretações para a figura de Guevara.

Tudo isto, aliado à recente utilização da iconografia da revolução em campanhas publicitárias, como a da rede de restaurantes Habib's, leva a refletir se, no 50º aniversário da revolução reverenciada por líderes como Hugo Chavez, Evo Morales e Rafael Corrêa, ainda há algo para comemorar.

3 comentários:

gil-marie disse...

amoree, fikou legal a matéria!!
meu tel n estah pegando d novo, n fui pra aula hj. vamos nos ver amanhã, grande beijuuuu

Anizio Silva disse...

Oi André,
na verdade, quem condecorou Che foi Jânio Quadros... Vide http://pt.wikipedia.org/wiki/J%C3%A2nio_Quadros

Um abraço.

Andre Dib disse...

Falha nossa, Anísio. Maldita ditadura da velocidade...