sábado, 16 de maio de 2009

Entrevista // Affonso Romano de Sant'Anna: "A arte se transformou em commodity"



O escritor e crítico literário Affonso Romano de Sant'Anna é um contestador feroz do conceito de arte contemporânea. Tanto que em seu último livro, O enigma oculto (Rocco), até a crítica especializada é colocada em questão. Ele esteve no Recife na última quinta-feira para prestigiar a abertura da exposição O homem e sua sombra, série de pinturas em cartaz no Museu do Estado, do artista plástico Pragana. O pintor criou a partir de um poema do escritor. Na entrevista que concedeu ao Diario, Sant'Anna justifica suas ideias a partir de uma experiência acumulada em 72 anos de vida e viagens mundo afora.

Como surgiu o livro O homem e sua sombra?
Um dia, de repente, veio uma frase estranha na cabeça: "era um homem com sombra de cachorro, que sonhava ter sombra de cavalo". Fui anotando aquilo com curiosidade, sem saber no que ia dar. Quando fechei o processo, me dei conta de que esse é um tema que existe no folclore do mundo inteiro, e que nem a psicanálise esgota. Pois trata da duplicidade, da ambiguidade que circula na cabeça das pessoas, sobretudo na sociedade esquizofrênica em que vivemos.

Esteticamente, o senhor se considera vinculado a alguma tendência ou escola?
Ao longo da vida, participei de vários movimentos sem ter assinado nenhum manifesto ou cartilha, mas sim, dialogando e criticando, pois essas organizações acabam tendo um cunho religioso. Seria muito fácil se eu entrasse em um partido político, em um grupinho literário, se pertencesse a uma tribo. Isso tem um preço muito caro. Você entra para um partido e acaba virando sacerdote. Entra para um movimento estético e termina messiânico. Sempre fuimuito vacinado contra isso. E hoje continuo nessa batalha, fazendo a crítica de uma certa arte que se chama contemporânea. Sou contemporâneo, por isso critico o meu tempo.

A arte que o senhor critica seria uma fuga do aqui-agora?
A coisa é complexa. Contemporâneo é uma palavra ardilosa, imprópria, que é utilizada de forma equivocada e maquiavélica. Como quem diz: "eu estou salvo e você está condenado. Eu estou do lado do futuro e você, do passado. Eu sei fazer arte e você não sabe". Um dos equivocos está no adjetivo: a arte contemporânea está tão preocupada em ser contemporânea que esquece de ser arte.

No futuro a arte será completamente híbrida ou ainda haverá a compartimentação?
Se olharmos a história da arte, veremos que ela começa híbrida. No princípio, quando não havia nenhum teórico analisando a arte, a dança a música, a poesia, o canto, o teatro era uma coisa só. Depois tivemos uma compartimentação acadêmica. Já no século 19, Wagner propunha a tese da arte total e a ópera seria esse gênero que reuniria música, poesia, artes plásticas, teatro. A ideia da arte total é muito antiga. E importa menos que ela seja total, e mais que seja arte.

Nesse contexto, há espaço para artistas que se dedicam apenas à criação desvinculada do mercado?
Depende. Alguns artistas podem furar esse bloqueio, por uma série de condições. Mas é uma tarefa muito mais complicada, pois estará indo contra a corrente. Hoje a arte se transformou numa commodity, controlada por um mercado internacional que está na mão de alguns grupos. Grande parte da arte ocidental deriva de Charles Saatchi, um grande galerista e um dos maiores publicitários ingleses. Ele dita o gosto ocidental e está começando a comandar a China e Rússia, ou seja, globalização no sentido mais perverso.

Qual sua opinião sobre a proliferação de eventos literários?
É um avanço, pois fazem com que os escritores circulem para além de seu nicho. Diferentemente de Paraty, que na verdade é uma grande mostra da literatura internacional, mais um gesto de exportação que importação. Aliás, isso faz parte de uma rede de festivais que existem em torno do mundo e que tratam a literatura como espetáculo. Um modelo positivo seria o da Jornada de Passo Fundo. Há uma preparação anterior, durante um ano, que permite ao público conhecer a obra do conferencista. Isso se chama diálogo literário.

Um comentário:

Anônimo disse...

andré:
você, junto com affonso não presta.
dá nó nas idéias, vontade de escrever mas a vontade de ler/reler não deixa...