quarta-feira, 20 de maio de 2009

Versos para as insubmissas filhas de Lilith



Nas últimas décadas, o mito de Lilith tem servido de inspiração tanto para artistas quanto para militantes da causa feminista. Insubmissa e rebelde, esta personagem bíblica perdeu o status de primeira mulher, feita por Deus com o mesmo barro de Adão, para amargar por séculos o papel de demônio. Identidade que tem sido contestada por mulheres na busca de emancipação e por artistas que evocam a sensualidade e erotismo de Lilith em suas obras. De forma particular, estas duas dimensões estão presentes em As filhas de Lilith, novo livro de poesias de Cida Pedrosa. A obra será lançada hoje, às 19h, no auditório da Livraria Cultura. Além da sessão de autógrafos, o evento prevê recital com o grupo Vozes Femininas e com o artista Biagio Pecorelli.

Em conversa com o Diario, a escritora revela que buscou em Lilith o antídoto para a síndrome de culpa que recai nos ombros femininos desde que Eva foi acusada como responsável pelo paraíso perdido. "Acho que nós, mulheres, carregamos essa culpa, e isso é uma crueldade sem fim". Os dois anos de "gestação" renderam 26 poemas com figuras femininas, uma para cada letra do alfabeto. De Angélica a Zenaide, há espaço para pessoas e cenas comuns ao cotidiano, vertidas para o suporte poético de forma ousada e perspicaz, e descritas pela criadora como "mulheres pós-tudo, e histórias do que fizeram de nós".

A falta de pudor de alguns poemas beira o pornográfico, pois abre mão da metáfora para descrever atos e situações sexuais. Porém, como explica Cida, a obra não se restringe ao erotismo: também trata de lutas, dor e morte. No "verbete" Sihem, ela recria a saga real de uma mulher-bomba, que veste burca e, ao contrário do que prevê o profeta, quando chegar ao paraíso, não terá 40 virgens à espera. Outro dois personagens não-fictícios serviram aos propósitos da escritora: Joanita, uma das mães da Praça de Maio, e Khady, menina senegalesa que teve o clitóris mutilado.

A estrutura do poema narrativo, aquele que conta uma história, encontra explicação na origem da autora, nascida na área rural de Bodocó, sertão do Araripe. "A gente não tinha televisão, e meu pai, Francisco de Assis, era um grande contador de histórias. Outro era o marceneiro Zé Pedro. As histórias deles eram mais do que cinema".

As filhas de Lilith chama atenção não somente pelo conteúdo, mas pelo produto em si. Desde quando submeteu o livro ao edital do Funcultura, ela tinha em mente convidar a artista plástica Tereza Costa Rego, que disponibilizou 29 obras para o projeto. O feliz "casamento" entre texto e imagem é mérito do projeto gráfico de Jaíne Cintra, designer da equipe de arte do Diario. "O livro deixou de ser meu. É de nós três", diz Cida.

Com o lançamento, Cida comemora 30 anos de carreira, e o início de uma nova fase. Entre a advocacia (na qual atuou na área de direitos humanos) e a vida literária, iniciada com o Movimento dos Escritores Independentes, de 1982 para cá, publicou quatro livros: Restos do fim, O cavaleiro da epifania, Cântaro e Gume. Todos sob a marca da independênciareconhecível nas palavras "edição do autor". Desta vez, seu trabalho traz na capa o selo da Editora Caliban, sinônimo de tratamento gráfico diferenciado e distribuição de abrangência nacional.

"Este livro é um ritual de passagem", reflete Cida, que a partir de agora se dedicará ao universo da prosa, a começar por um livro de contos. Isso após terminar a agenda de lançamentos, que inclui as cidades de Garanhuns (16/06), Bodocó (23/06), Petrolina (25/06) e Paraty (RJ), onde participa da OFF Flip.

Serviço
Lançamento do livro As filhas de Lilith, de Cida Pedrosa
Onde: Auditório da Livraria Cultura (Paço Alfândega - Recife Antigo)
Quando: Hoje, às 19h
Informações: 2102-4033

* publicado no Diario de Pernambuco
Entrada franca

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