quinta-feira, 14 de maio de 2009

Polêmico embate entre ciência e fé


ACREDITE, A BOMBA NÃO ESTÁ AQUI

A tensão entre ciência e fé religiosa é o eixo pelo qual gira Anjos e demônios (Angels & demons, EUA , 2009), novo longa de Ron Howard (Frost/Nixon, A luta pela esperança, Apolo 13). A exemplo de seu antecessor, O código Da Vinci, a superprodução adapta a obra homônima de Dan Brown, é novamente estrelada por Tom Hanks, e estreia mundialmente hoje, sob reprovação do Vaticano, e virtual felicidade dos marqueteiros da Sony / Columbia Pictures.

Em situações como esta, vale evocar a dimensão bíblica do fruto proibido, a gerar polêmica e aumentar a audiência em torno de algo que nem é tão herético assim. Basta uma olhada na filmografia disponível e constatar que conspirações envolvendo a Igreja Católica já foram mostradas com mais propriedade e contundência em pelo menos dois filmes: O poderoso chefão 3, de Francis Ford Coppola, Amém, de Costa-Gavras. Enquanto o primeiro corajosamente aponta a Cidade do Vaticano como mais corrupta e profissional do que a famiglia Corleone, o segundo denuncia a conivência do próprio Papa Pio XII para com a matança de judeus promovida pelo nazismo.

Se comparado a obras radicais como Je Vous Salie Marie, de Godard, A última tentação de Cristo, de Martin Scorcese, e o próprio O código Da Vinci, que apresenta Maria Madalena como mãe do filho de Jesus, Anjos e demônios também não guarda muito de ofensivo. Pode até haver ousadia no fato de ser um filme de ação ambientado em lugares sagrados, ou que mostra tortura e morte de altos dignatários da Santa Sé, mas nada que o cinema já não tenha feito antes. Outro ponto que talvez gere polêmica são as especulações sobre os arquivos secretos do Vaticano, que conteria uma obra oculta de Galileu Galilei, O diagrama da verdade.

Desta vez, o desafio imposto ao professor Robert Langdon (Hanks, mais magro e com o penteado menos horrível), simbologista e perito em história das religiões, começa 14 dias após a morte do Papa. A situação a ser enfrentada planifica a ação que virá a seguir: quatro cardeais indicados para assumir a função, os preferetti, são sequestrados e usados como objeto de barganha para interromper o conclave que decidirá o nome do novo Sumo Pontífice. Se a reunião continuar, os raptados serão executados um a cada hora, das 20h às 23h. Não bastasse, à meia-noite, os terroristas detonarão uma bomba de antimatéria, elemento recém-produzido em quantidade suficiente para dizimar a Praça de São Pedro e seus arrebaldes, milimetricamente reconstruídos em estúdio.

Não precisou muito para Langdon deduzir que os Illuminati, ramo que transitou entre catolicismo e conhecimento científico até ser supostamente extirpado no século 18, seriam os prováveis autores do atentado. Eles teriam prosseguido secretamente, vislubra ele, e aguardado o momento ideal para uma vingança histórica. Paralelamente, o filme desenha um “racha” na própria Igreja, entre conservadores e progressistas quando o assunto é evolução científica.

A história cheia de significados e leituras do imaginário popular (há quem diga que os Illuminati é quem mandam no mundo hoje – basta ver um de seus símbolos no verso da nota de um dólar) é de certa forma mal diluída pelo roteiro construído de forma esquemática, daqueles que trazem reviravolta nos últimos minutos, e faz malabarismo para manter o ritmo no compasso das centenas de informações despejadas a cada vez que alguém abre a boca.

Dedicado a não perder a atenção do público, seja pelo possível romance entre Langdon (herói intelectual que salva padres e quer evitar um cataclisma nuclear) e sua nova parceira, a cientista Vittoria Vetra (Ayelet Zurer), pelo conflito entre oficiais de segurança do Vaticano, ou através dos motivos que movem o Camerlengo Patrick McKenna (Ewan McGregor), o assistente do Papa recém falecido, o filme subestima elementos e personagens que poderiam render um thriller bem mais poderoso, não fosse a opção por um formato um tanto conservador.

*publicado no Diario de Pernambuco

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