sexta-feira, 29 de maio de 2009

Novas configurações do trabalho



O sociólogo pernambucano Francisco de Oliveira participa hoje, às 19h, do Seminário Mutações - a condição humana. Doutor pela USP, onde é professor titular, ele está de volta ao Recife para falar sobre o assunto através do marxismo, ideologia com a qual se notabilizou como pensador do universo político, social e econômico.

A conferência Marx e a condição humana procura compreender um novo contexto, em que o produtor é subjugado pelo produto, e a identificação entre trabalho e trabalhador é cada vez menor. De forma que, se o marxismo considera o trabalho como centro da atividade humana, até ele está em crise, afirma Oliveira, em entrevista ao Diario.

O Seminário Mutações segue até o dia 5 de junho. Para participar das conferências, sediadas no Memorial de Medicina de Pernambuco, basta procurar o Centro Josué de Castro (fone: 3423-2800). As inscrições custam R$ 30 e R$ 15 (estudantes e maiores de 60 anos), e também podem ser feitas no local do evento.

Entrevista // Francisco de Oliveira: "A tendência à despolitização é mundial"

Que ferramentas o marxismo oferece para compreender a atual condição humana?
O marxismo está num grave impasse teórico. Não por causa do fim da União Soviética, não é nada disso. Mas sim porque centrou sua compreensão do homem no trabalho, que é o centro da reflexão marxista sobre a condição humana. E o trabalho mudou de forma, os processos do capital transformaram a identidade dos trabalhadores. É claro que o trabalho não desapareceu. Hoje trabalha-se mais do que nunca.

Em ensaio publicado no livro Mutações, o senhor afirma que a ciência elevou a produtividade do trabalho a ponto de torná-lo banal, quase supérfluo. Ao mesmo tempo, o gigantesco contingente de trabalhadores tem sido o trunfo de países como Brasil, China e Índia. Como explicar essa contradição?
O Brasil não tem esse trunfo. Mas a China e Índia têm, porque lá predomina o trabalho no modelo industrial do século 20. Coisa que o Ocidente não tem mais. Nos países desenvolvidos, o desafio mais forte é teorizar sobre a descentralidade do trabalho, essa grande revolução capitalista. Já o Brasil é um caso especial, pois mistura tudo. Há um exército informal formidável, que trabalha mais do que os formais, sem pertencer a classe social alguma. É uma geléia amorfa, de onde se tira um subproduto. Por isso, a identidade entre o trabalhador e seu trabalho é algo difícil de estabelecer.

No mesmo texto, o senhor diz que o novo mundo ainda não está totalmente desenhado, e mesmo assim acredita que ele será abundantemente rico e escandalosamente pobre. Não haverá outras possibilidades em jogo?
Não. Eu trabalho com ciências sociais, e até onde ela nos fornece ferramentas para observar a sociedade, só vejo esses dois extremos. E não só nos países pobres e sua situação escandalosa, mas também nos ricos, onde cada vez mais cresce a desigualdade. Se após o breve sucesso do estado de bem-estar (welfare state) as desigualdades nos Estados Unidos e Europa diminuíram, a partir do domínio do neoliberalismo elas voltaram a aumentar. Agora, com essa crise avassaladora,vemos cenas que a memória americana havia deletado, como trabalhadores em cidades industriais fazendo fila para receber comida. E essa desigualdade não se corrige pela economia, mas pela política.

O grau de interesse dos brasileiros pela política parece ser cada vez menor. Até que ponto essa indiferença é válida enquanto indignação?
Indignação é necessária, mas não faz política. É preciso dar um passo adiante, e isso a sociedade brasileira não deu. A tendência à despolitização é mundial. Isso tem a ver com a política feita através da economia, que é a atual forma de colonização. Uma exceção é a recente eleição de Barack Obama, onde jovens foram às urnas, e várias decisões importantes estão em jogo. Será que, no Brasil, iremos renovar o mandato de José Sarney com o mesmo entusiasmo?

Nesse contexto, o senhor, que é um dos fundadores do PT e também do PSOL, continua a acreditar na política partidária?
A política institucional do país hoje é quase irrelevante. A gente passa a vida lendo jornais e televisão,e isso é um divertimento, pois não toca em questão essencial alguma. Sabemos das patifarias de Sarney, e também da união entre Renan Calheiros e Lula para encontrar formas de barrar a CPI da Petrobras. Gastamos nosso cotidiano acompanhando essas notícias sem importância, porque não é nisso que se orienta a direção do estado. Preste atenção nos jornais: sempre há uma fotografia do presidente do Banco Central, porque ele é quem manda na política econômica. O que decide o rumo da sociedade não passa pelo Congresso.

Há pouco tempo, países hoje chamados de "emergentes" eram classificados como de "terceiro mundo". Além da troca de nomes, há mudança efetiva?
Isto é um eufemismo, essencialmente não mudou nada. "Emergente" é uma palavra neutra, sem conotação política. É uma mudança de vocabulário que revela a despolitização do discurso. Se algo está mudando, é por iniciativa dos próprios países. Por exemplo, China e Índia não podem ser chamados de emergentes ou de terceiro-mundistas, pois estão no centro da nova estrutura capitalista mundial.

Como o senhor avalia a crise econômica mundial?
A crise é algo próprio do capitalismo, ele se move em crises. A normalidade que os analistas falam não existe, quem lê a história do sistema sabe disso. Algumas crises são quase fatais, como a dos anos 30. A crise atual é uma rearrumação poderosa, devido ao fato de que o desenho das instituições financeiras não corresponde mais ao poder real que está em jogo. Não é uma crise fatal, isso só existe quando os "de baixo" não aguentam mais, e os "de cima" não sabem o que fazer. Mas diferente daquela crise, que gerou os fundamentos do estado de bem-estar social, desta vez, não se vê sair nada.

2 comentários:

Anônimo disse...

Pôxa, cobrir show do radiohead e entrevistar o chico de oliveira, quando o amigo vem pra floripa pra tomar uma cerveja com tainha e compartilhar as conversas?
Giuliano

Andre Dib disse...

Tomara que logo, velho amigo... grande abraço!!