terça-feira, 31 de março de 2009

Festival de Curitiba // Mosaico do teatro brasileiro



O 18º Festival de Curitiba terminou no último domingo, e mais uma vez se confirma como o maior do país. Os 12 dias de evento deixaram como saldo mais de 300 espetáculos e eventos paralelos, o que, segundo a assessoria de imprensa, gerou um público de 168.958 pessoas, sem contar aqueles que assistiram espetáculos de rua. Nada mal para um festival que, modestamente, ofereceu apenas 14 espetáculos em seu primeiro ano de vida.

Em coletiva de imprensa, o diretor geral Leandro Knopfholtz fez um balanço positivo desta edição, que, em suas palavras, "cumpriu o papel de mosaico do atual teatro brasileiro". Ele admitiu problemas de organização, que culminaram em algumas mudanças de última hora, e no lamentável cancelamento da estreia de Rock'n'roll, versão nacional para o espetáculo de Tom Stoppard. "Foi uma falha sensível. Este foi um ano mais acidentado do que 2008, mas cumprimos mais de 80% das expectativas", declarou. Para 2010, ele adiantou que será mantido o conselho curador (Celso Curi, Tânia Brandão e Lúcia Camargo) e o patrocínio master do Itaú, que este ano assumiu o evento no lugar da Petrobras. A data já está definida: de 16 a 28 de março.

Em 2009, o Festival de Curitiba evidenciou o diálogo buscado pelo teatro por diferentes tipos de arte e mídia: dança (Borbulho) e circo (Oceano); televisão (o "paredão" proposto em Rainhas); cinema em impressionante 3D de Sin sangre; desenhos animados antigos de Tá namorando! Tá namorando!; realidade virtual (Memória afetiva de um amor esquecido), e até ilusionismo (Além da mágica, apresentado no Fringe). Igualmente, houve espaço para o teatro de entretenimento, onde rostos conhecidos como Marília Gabriela (Aquela mulher), Cássia Kiss (Zoológico de vidro, inspirado em À margem da vida, de Tennessee Williams, também adaptado no Fringe em Rosa de vidro), José Wilker (A cabra ou quem é Sílvia) e Thiago Lacerda (Calígula), fizeram lotar as grandes salas. O formato clássico também não foi esquecido, sendo bem representado por Maria Stuart (estrelado por Júlia Lemmertz e Clarice Niskier), em suas três horas de duração e fidelidade canina ao texto de Schiller.

Perante o extenso cardápio, desprovido de "sugestão do dia", as perguntas mais recorrentes nas rodas de jornalistas foram "o que você assistiu ontem?" e "o que verá hoje?". Dessa experiência, os melhores comentários apontaram para Inveja dos anjos (RJ), Rainhas (SP) e Maria Stuart (RJ). No Fringe, foi grande a evidência do teatro curitibano, com Delicadas embalagens, Tropeço, Buk na rua (adaptação de Charles Bukowski que retoma tradição underground do Largo da Ordem) e Árvores abatidas ou para Luís Melo.

Este último, monólogo de Rosana Stavis encenado por Marcos Damasceno a partir de texto de Thomas Bernhard, é um provocativo e bem-humorado retrato arquetípico das pessoas que habitam o mundo das artes cênicas. Aplicada à cena cultural pernambucana, por exemplo, o título remete à famosa imagem em que um caranguejo puxa o outro para ninguém subir. O subtítulo é uma homenagem irônicaao ator curitibano que se destacou em São Paulo, um "famoso ator do Teatro Nacional que faz até telenovela", que está em Viena para a encenação de O pato selvagem, de Ibsen.

Após o espetáculo, ele foi convidado pelo casal Auersberger para um "jantar artístico", no qual estão presentes toda a corte do teatro local: jovens aspirantes e petulantes, críticos comprometidos eticamente e a escritora que se considera a "Virgínia Woolf de Viena". O teor de auto-crítica é estratosférico, inclusive pelo fato de Damasceno e Stavis formarem um casal que, se não chegam a oferecer jantares artísticos em sua casa, ao menos recebem visitantes na antessala, espaço cênico onde a peça foi montada. A todos são reservadas verdades, pronunciadas de forma corrosiva e amargurada, que compara a cena artística vienense a um bando de mortos-vivos que cacarejam vaidades.

publicado no Diario de Pernambuco

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