quinta-feira, 26 de março de 2009

Festival de Curitiba // A moça dissimulada ainda vai tombar



José Wilker é a grande estrela da comédia A cabra ou quem é Sílvia?, encenada nas noites de segunda e terça-feira, no Festival de Curitiba. Tanto é que agiu como uma: se irritou e recusou a ser conduzido do hotel em que estava hospedado ao Teatro Guaíra na mesma van que Denise Del Vecchio, Gustavo Machado e Francarlos Reis, atores com quem contracena nesta adaptação da obra de Edward Albee, dirigida por Jô Soares. Exigiu um carro particular, com motorista, caso contrário não deixaria o hotel. E conseguiu.

Formado em sua maioria pela classe média-alta da capital paranaense, o público poderia não imaginar, mas estava prestes a acompanhar uma narrativa que evoca imagens de zoofilia, incesto e até pedofilia. O espetáculo apresenta Wilker como um homem de meia idade, bem sucedido no casamento e profissão. Moderno até certo ponto (aceita com reticências o filho gay), ele tem escondido por meses que está sinceramente apaixonado por Sílvia, uma cabra que vive na zona rural. Tudo vai bem, mas a estrutura familiar desmorona após revelado o segredo.

Escrita pelo mesmo autor de Quem tem medo de Virgínia Woolf?, a peça é uma grande oportunidade de, a partir dos tabus sociais, elaborar uma crítica ao hábito da dissimulação, onde manter as aparências está acima de qualquer sinceridade. Para explorar a dimensão cômica, no entanto, Jô Soares optou por soltar uma piada a cada minuto (de forma parecida a que submete certos entrevistados de seu talk-show), o que, se pode ter aliviado o clima barra-pesada da trama, também a manteve na superficialidade.



Fringe - "O vinho é a fenda na qual se conhece o homem por inteiro". A frase, atribuída a Nietzsche, é apenas uma das ótimas citações proferidas pelos personagens de O evangelho segundo São Mateus, do dramaturgo e diretor curitibano Edson Bueno. A peça se dedica a reconstituir a cena da Última Ceia, a exemplo da famosa tela de Leonardo Da Vinci afixada ao fundo do cenário. Para tanto, faz uso irreverente tanto do texto bíblico quanto de trechos do oitavo poema do Guardador de rebanhos, de Alberto Caeiro, um dos heterônimos de Fernando Pessoa.

A ação se dá enquanto Jesus, Maria e alguns apóstolos fazem o pão para a ceia. Entre frases de Pessoa e trilha sonora com versões para Pixies e Radiohead, os atores entraram e saíram de seus papéis. Comentam, discutem e explicam as razões de cada personagem. Ofereceu café, vinho e pão para o público, convocado a compor a mesa na cena final.

Após a encenação, Bueno disse que sua inspiração primeira foi o filme homônimo rodado em 1964 por Pasolini, e que a opção por se comunicar diretamente com o público é uma radicalização de seu trabalho anterior, Capitu (apresentado no Recife em 2005, no Palco Giratório). Seu próximo trabalho será nos mesmos moldes, desta vez sobre a vida de Franz Kafka, que tem como base a biografia em quadrinhos de Robert Crumb. O título será Escrever é um sono mais profundo que a morte.

publicado no Diario de Pernambuco

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