sábado, 21 de março de 2009

Calígula mais próximo de Camus e longe do obsceno


Foto: Henrique Araújo / Clix

O espetáculo Calígula foi calorosamente aplaudido anteontem, durante o 18º Festival de Teatro de Curitiba. O Teatro Guaíra estava com todas as cadeiras lotadas, numa noite que exalava importância. Afinal, era a primeira noite da Mostra Contemporânea do maior evento de artes cênicas do país.

Do lado de fora, a chuva rala e constante levou à suspeita de que a terra da garoa na verdade é aqui. Dentro, o teatro estava tomado por uma leve névoa branca, gerada para compor o cenário da esperada montagem do mineiro Gabriel Vilela. Após um inesperado atraso de 30 minutos, um grupo de cinco atores se apresenta ao público, protegidos por um guarda-chuva com a placa "Roma". Logo após, entra em cena o jovem, cruel e vaidoso imperador, vivido com entrega por Thiago Lacerda.

Durante as quase duas horas seguintes, apesar das breves risadas, a reação predominante na platéia foi o silêncio, este utilizado como elemento a mais a demonstrar cumplicidade e apatia do povo romano perante os abusos do poder.

Calígula explora o processo de enlouquecimento do imperador após a morte de sua irmã e amante, Drusila. Mesmo consciente de que o senado quer assassiná-lo, leva o absurdo às últimas conseqüências, colocando à prova instituições, a moralidade e o tesouro público. "Governar é roubar", brada o imperador, aos quatro ventos.

Se algum espectador presente esperava situações orgiásticas e lascivas geralmente atreladas ao personagem, talvez tenha se frustrado. Este Calígula em nada se assemelha ao famoso filme de 1979, dirigido por Tinto Brass e estrelado por Malcolm MacDowell. Muito menos com a montagem nacional de 1991, com Edson Celulari completamente nu em cena. Aqui, a obscenidade fica no nível conceitual, e não nas vias de fato, o que privilegia o texto original de Albert Camus (adaptado por Dib Carneiro Neto) e o talento dos atores.

Aqui, o máximo de escândalo está nos seios à mostra da atriz Magali Biff (no papel de Cesônia) e no beijo na boca entre Lacerda e o ator Pedro Henrique Moutinho, que interpreta o jovem poeta Scipião. Fator de estranhamento é a recorrente presença de objetos contemporâneos, como uma bolsa Nike carregada pelo fiscal do tesouro, e um spray usado para espirrar tinta vermelha após as lutas.

publicado no Diario de Pernambuco

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