quinta-feira, 5 de março de 2009

Eterno Patativa



Há 100 anos nascia Antônio Gonçalves da Silva, o Patativa do Assaré. O timbre trêmulo de sua voz se findou em 2002, mas o agricultor cearense que se tornou um dos maiores representantes da cultura popular nordestina continua na memória dos que o conheceram e se inspiram em sua obra. Em sua terra natal, as homenagens começaram desde 1º de março, e chegam hoje ao ponto máximo com queima de fogos, café literário, cantorias, programa de rádio, missa, shows de Dominguinhos e Fagner, e a inauguração da reforma da casa de taipa onde nasceu, na Serra de Santana, a 12 km de Assaré, agora aberta à visitação.

Sua vasta produção literária, ao contrário do que ocorre nas efemérides de escritores consagrados, não foi relançada em edições de luxo. Primeiro, porque isso iria contra a própria essência de Patativa, que optou por viver de forma simples, mesmo após o reconhecimento dos acadêmicos europeus. Segundo, porque seus livros, constantemente reeditados, nunca deixaram de frequentar as livrarias. Por outro lado, as declamações em áudio não estão acessíveis - e vale perguntar por que.

Em termos atuais, Patativa seria considerado analfabeto funcional, pois sabia ler e escrever com alguma dificuldade. No entanto, assim como ocorreu com Angenor de Oliveira, o Cartola, sua incrível habilidade com as palavras o tornou um dos maiores poetas brasileiros.

Órfão aos oito anos, o pequeno Antônio não teve vida fácil. Com a ajuda do irmão mais velho, sustentou a família na roça. Frequentou escola por apenas quatro meses. Aos 16 anos, comprou seu primeiro violão e passou a cantar de improviso. Aos 20, um tio o levou para a capital, onde foi apresentado ao escritor José Carvalho de Brito, que começou a chamá-lo de Patativa. Nos anos 50, com a ajuda de José Arraes de Alencar, publicou seu primeiro livro Inspiração nordestina, pela editora Borçoi.

Não bastasse ter perdido a visão ainda criança, em decorrência de mazela popularmente conhecida como dor-d'olhos, aos 64 anos Patativa foiatropelado ao atravessar uma avenida em Fortaleza. Foi para o Rio de Janeiro na busca de um melhor tratamento, mas foi hospitalizado como indigente, até ser reconhecido por um médico residente que era do Crato, e conheceu o poeta anos antes, na casa da mãe do ex-governador Miguel Arraes, outro cearense do Araripe.

Outro golpe veio em 1993, com a morte de Dona Belinha, a esposa a quem sempre se declarou e atribuiu ser fonte de sua alegria. Morreu aos 93, rodeado de familiares e amigos, que íam visitá-lo em caravanas.

No entanto, sua voz continua a ecoar no trabalho de artistas por ele inspirados, como Luiz Gonzaga (que gravou A triste partida), Fagner (Vaca estrela e boi fubá, depois gravada por Rolando Boldrin, Sérgio Reis e Pena Branca e Xavantinho). "Quando tinha 10 anos, eu adorava ouvir Patativa no rádio, eu imitava aquela voz matuta. Já adulta, descobri um livro dele na casa de um amigo, e vi nele o nosso rap-repente. Quis musicar isso", disse a cantora Daúde, que no seu disco de estreia gravou Vida sertaneja.

Lirinha, que teve nas estrofes de Patativa uma das inspirações para sua performance com o Cordel do Fogo Encantado, esteve com o poeta em mais de uma ocasião. "A primeira poesia que declamei profissionalmente foi Espinho e fulô, em 1987, no 4º Congresso de Cantadores do Recife. Patativa entrava nos intervalos dos cantadores mas, diferentemente dos outros declamadores, ele improvisava na estrofe falada, que a gente chama nesse meio de glosa, e passava 15 minutos falando com as pessoas da plateia", lembra Lirinha.

"Aprendi com Patativa que a poesia pode falar dos problemas sociais. Tenho com ele uma relação afetiva, de respeito e identificação por perceber que ele é moderno antes de tudo" - Daúde, cantora

"Patativa foi uma das minhas primeiras inspirações. Dos 12 aos 17 anos, eu queria fazer aquilo que ele fazia. Minha escola foi o vazio do palco e o microfone, e desenvolvi a técnica de interpretar longas poesias a partir dele e outros grandes declamadores" - Lirinha, ator, cantor e compositor

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