terça-feira, 17 de março de 2009
Assúcar indispensável de Freyre
Há 70 anos vinha a público a primeira edição de Assúcar, obra imprescindível para a compreensão social e cultural da culinária brasileira. À época, no entanto, as reações não foram as melhores. Seu autor, Gilberto Freyre (1900-1987), amargou severas críticas por ter colocado a ciência a serviço de um tema então considerado indigno a qualquer tratamento acadêmico. Hoje, o antológico livro é celebrado como marco da gastrononia cultural.
Para comemorar a data redonda, a Fundação Gilberto Freyre preparou uma série de atividades, entre cursos, seminários, concursos e rotas turísticas. A agenda completa será revelada hoje pelo antropólogo Raul Lody, que há 22 anos exerce a função de curador da Fundação Gilberto Freyre. O evento, aberto ao público, comemora também o aniversário do "mestre de Apipucos", que teria completado 109 anos no domingo, se estivesse vivo. "Assúcar foi pioneiro numa época em que o mundo começava a pensar novas formas de organização. O livro se insere num conjunto de obras semelhantes publicadas na mesma época, em outras partes do mundo", diz Lody.
A presidente da FGF, Sônia Freyre, abre a programação, que começa às 16h, no espaço cultural da instituição (Rua Dois Irmãos, 320 - Apipucos). A programação ainda conta com a presença de Jefferson Alves, diretor editorial da Global, empresa paulista que desde 2002 se dedica a republicar a obra de Freyre, numa média de um livro a cada trimestre. De acordo com a assessoria de imprensa da editora, o próximo título devem ser Modos de homem, modas de mulher (1987). Também na pauta está uma provável reedição fac-símile de Assúcar.
Em sua conferência, Lody tratará principalmente do contexto em que o livro foi lançado, o período entre-guerras mundiais, mas também trará à tona sua importância atual, perante ao que ele define como uma "glamourização da comida". Logo depois, o tema continua a ser aprofundado em palestra da pesquisadora Maria Letícia Cavalcanti. O evento ainda premiará o o professor universitário Juarez Caesar Malta Sobreira, vencedor do 3º Concurso Nacional de Ensaios, que este ano teve como tema o livro Nordeste (1937). Seu ensaio Nordeste semita será publicado pela Global, e receberá o prêmio de R$ 10 mil. Encerrando a programação, a antropóloga Fátima Quintas lançará seu novo livro, Assombrações e coisas do além: a convivência entre vivos e mortos na civilização do açúcar.
No afã comemorativo, é preciso lamentar a ausência da exposição Intérprete do Brasil, promovida pelo Instituto Brasil Leitor em São Paulo e Porto Alegre, e prometida para chegar este mês ao Recife. O motivo, argumenta Gilberto Freyre Neto, diretor de projetos da Fundação, é a retração do mercado em tempos de crise - o custo total da exposição gira em torno de R$ 500 mil. "Já temos o apoio do governo do estado. Se conseguirmos o patrocínio necessário, a exposição será montada até dezembro".
Marco zero do Mestre de Apipucos
Por conter praticamente todos os elementos que desenvolveria ao longo da vida, inclusive em sua metodologia científica, Vida social no Brasil nos meados do século XIX é uma boa introdução à obra de Gilberto Freyre. Ele é o mais recente volume do projeto que reedita a obra freyreana, a cargo da Global Editora. É também seu marco zero, já que escrita aos 22 anos, em língua inglesa, como dissertação de mestrado apresentado na Universidade de Columbia, em Nova York.
Três anos depois, este mesmo texto seria aprofundado em Vida social no Nordeste Brasileiro (1825-1925), publicado neste Diario de Pernambuco (em virtude de seu centenário), e nos célebres volumes de Casa grande e senzala, Sobrados e mucambos, e Ordem e Progresso.
Introdutor do viés cultural-antropológico nos estudos da história brasileira, Freyre reconhece romantismo em seu amor pelo passado, e afirma este ser quebrado pelo realismo que descreve, por exemplo, os discutíveis hábitos de higiene nas cidades brasileiras por volta de 1860. Ele via sua pesquisa como uma tentativa de reconstituir costumes da vida privada, como "(#) o quase secreto viver das alcovas, das cozinhas, das relações entre iaiás e mucamas, entre mucamas e ioiozinhos (#)".
A reedição vem com apresentação do historiador Gustavo Tuna, bibliografia de Edson Nery da Fonseca e um rico caderno iconográfico. Em seu 109º aniversário, é difícil prever como o autor olharia para este texto embrionário. No entanto, no livro é possível acompanhar essa auto-análise em três momentos (1969, 1977 e 1985), em prefácios escritos a cada nova edição revisada. De acordo com Tuna, em texto que introduz à obra, Freyre foi além da mera revisão. "Ele procurou relativizar as teses da benignidade da escravidão e da proeminência do patriarcalismo em todas as regiões do Brasil defendidas no texto original".
publicado no Diario de Pernambuco
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Um comentário:
afiado como sempre, hem?
teu textgo é ótimo.
escuta: como anda o teu tempo?
tô te convidando pra postar uma coluna no bloguinho...
que tal?
posso liberar a permissão?
eis o link (dá-me a honra?):
http://samucablogsantos.blogspot.com/
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