quarta-feira, 11 de março de 2009

Estética do cangaço em livro de luxo



Por um quarto de século, o historiador Frederico Pernambucano de Mello tem investigado o fenômeno do cangaço. O exaustivo trabalho pode ser encontrado em vários artigos acadêmicos e nos livros Guerreiros do sol: violência e banditismo no Nordeste do Brasil (1985) e Quem foi Lampião (1993).

Desde 1997, no entanto, o pesquisador deixou de lado o aspecto estritamente jurídico-sociológico para se dedicar com esmero às implicações estéticas geradas por esse universo. Este pioneiro estudo em breve estará acessível ao público leitor através do livro de arte Estrelas de couro: a estética do cangaço, que será lançado sob o selo da editora Escrituras.

A parceria entre autor e editora será sacramentada com assinatura de contrato nesta quinta-feira, 19h, em evento aberto ao público no auditório do Museu do Estado de Pernambuco (Av. Rui Barbosa, 960 - Graças). Por telefone, o editor Raimundo Gadelha explica ao Diario de Pernambuco que a formalidade é consequência daimportância do projeto. "Esta será a mais importante obra sobre o tema", diz Gadelha, que adianta alguns detalhes técnicos: 5 mil cópias; sobrecapa e miolo com 240 páginas em papel couché; e capa dura com aplicações de verniz que imitam a textura do couro. Gadelha diz que o preço final depende das oscilações da economia. "A idéia é não ultrapassar os R$ 100, mas para isso precisamos de apoio de instituições que façam aquisição prévia de exemplares".

Na mesma ocasião, Frederico Pernambucano concederá a palestra Uma estética brasileira relevante: cangaço. Nela, o historiador defende a ideia de que os cangaceiros tinham preocupação estética ainda maior do que o homem urbano contemporâneo. "Certa vez, Lampião passou duas semanas costurando um bornal em uma máquina Singer. Ele mesmo desenhava no papel o modelo para as flores e estrelas", conta.

Uma vez pronto, o livro materializará uma pesquisa que procurou nos detalhes as pistas para decifrar o comportamento do que Frederico Pernambucano avalia como a última expressão do irredentismo brasileiro. "Trata-se do mito primordial de que aqui é possível viver sem lei nem rei, traduzido pragmaticamente pelos índios, depois pelos negros dos quilombos, e depois pelo cangaço, sendo este último não restrito a grupos étnicos".

O pesquisador, que se considera um "sociólogo atropelado pelo esteta", afirma que o portentoso volume poderá ser objeto de cabeceira para dramaturgos, estilistas, designers e demais profissionais da imagem. "A meia-lua e a estrela que formam o chapéu de couro até hoje é a marca que representa o Nordeste. E isso, gostemos ou não, quem nos deu foram os cangaceiros", afirma Mello.

As inúmeras e detalhadas referências, informações e reflexões de Mello certamente são um forte atrativo para qualquer interessado nesta rica e fascinante iconografia. No entanto, o carro-chefe da publicação serão as ilustrações, retiradas de múltiplas fontes, entre elas, de seu acervo particular, que acumula cerca de 160 itens entre roupas, armas, bornais (bolsas) e diferentes objetos que compunham a indumentária típica do cangaceiro. "O traje do cangaceiro não se confunde com o de qualquer grupo social da história brasileira. No meio internacional, é algo que só se compara com os cavaleiros medievais e os samurais japoneses", garante o autor.

Desde 1984, quando começou a se debruçar sobre o cangaço, o componente estético havia lhe chamado a atenção. "Me deparei com objetos com apelo estético requintado demais para pertencer a um grupo de bandidos. Então verifiquei que esse lado criminal, que era o único conhecido, precisava ser combinado com o lado estético, então oculto. Entendi então que o cangaço é muito mais profundo do que uma mera expressão da criminalidade", conta Mello, que agora sonha com seu próximo projeto: a criação do Museu do Cangaço do Nordeste.

Produção nordestina com espaço garantido

Estrelas de couro: a estética do cangaço será lançado ainda este ano, provavelmente em agosto, pela Escrituras, editora paulista que conta com alguns títulos pernambucanos e nordestinos em seu catálogo, como Sem lei nem rei, de Maximinano Campos.

Aliás, foi através da família hoje representada na seara literária por Antônio Campos, advogado e curador da Fliporto, que o editor Raimundo Gadelha tomou conhecimento do projeto de Frederico Pernambucano. "Fiquei maravilhado, pois estava diante de um material extremamente rico".

Paraibano com passagem pela Europa, Estados Unidos e Japão, Gadelha estabeleceu raízes em São Paulo, mas nunca fechou os olhos para a produção literária do Nordeste. Tanto que dois de seus mais recentes lançamentos são Daguerreótipos, livro com 160 poesias feitas por Marcus Accioly, dedicadas a personalidades que vão de Homero a John Lennon, e Noturno - Tankas na madrugada, de Cloves Marques.

O mais novo título, previsto para mês que vem, é Cangaço na poesia brasileira: uma antologia, organizado por Carlos Newton Júnior, com poemas de 35 autores, entre eles, Ariano Suassuna, Ascenso Ferreira, Bráulio Tavares, Carlos Pena Filho, César Leal e João Cabral de Mello Neto. A idéia do projeto é abordar o tema a partir da produção de escritores eruditos brasileiros.

"A nosso ver, um grande poeta popular brasileiro, como por exemplo, Leandro Gomes de Barros, é tão importante para a nossa literatura quanto um grande poeta erudito, a exemplo de Manuel Bandeira ou João Cabral de Melo Neto", escreve o organizador, no prefácio da obra.

publicado no Diario de Pernambuco

Nenhum comentário: