quinta-feira, 5 de março de 2009

Costura de imagens raras


CARIRY, PATATAIVA E DONA BELINHA NOS ANOS 1970

"Ele era o nosso Pablo Neruda, o nosso Garcia Lorca, a voz e expressão dos brasileiros. Me emociono por saber que, mesmo com tanta miséria, o povo é capaz de gerar consciências tão profundas sobre nossa realidade". Essa é a opinião do diretor Rosemberg Cariry, que esteve no Recife para a sessão de estreia de Patativa do Assaré - Ave poesia (2007). O documentário de longa-metragem será exibido até a próxima quinta, nas sessões de arte dos Multiplex Boa Vista e Recife (veja roteiro).

Em conversa com a reportagem do Diario, Cariry demonstrou carinho especial pelo projeto. "Conheço Patativa desde pequeno, quando frequentava o bar do meu avô, no Crato, e ia almoçar na casa dos meus pais". Daí nasceu a amizade entre o cineasta e o poeta, que durante 27 anos, rendeu 100 horas de imagens em raros depoimentos. O material que não entrou no corte final (o filme tem 80 minutos), está em fase de restauração e digitalização para ser doado ao Arquivo Nacional. Outro produto é uma série de TV com cinco capítulos, que deve ser lançada em 2010 nas TVs públicas e em formato DVD.

As diferentes bitolas com que o material foi filmado (super 8, fita magnética, película e digital) fazem do documentário uma colcha de retalhos de diferente cores e texturas, o que faz um retrospecto da história recente do Brasil não somente no viés político/social (nos anos 50, Patativa apoiou com seus versos as ligas camponesas lideradas por Francisco Julião), mas também do próprio cinema e sua tecnologia.

Para chegar a tanto, Cariry costurou imagens raras de Patativa no roçado com trechos de Aruanda (1960), de Linduarte Noronha, e a sequencia em que Luiz Gonzaga canta A triste partida com Viramundo (1964), de Geraldo Sarno. "É a história da minha geração", afirma Cariry.

No debate após a sessão, pessoas que mantiveram relação de amizade com o poeta cearense revelaram-se entre o público. José do Vale Pinheiro Feitosa lembrou o episódio em que o poeta foi internado no Rio, e lá encontrou um médico conterrâneo. "Ele passou a visitá-lo diariamente, no que era acompanhado por colegas. Patativa fez tanto sucesso, que o movimento em torno do seu leito foi tamanho, que a direção do hospital providenciou a transferência para um apartamento e baixou regras disciplinando as visitas", diz Pinheiro, que revelou ao Diario a resposta de Patativa em carta ao amigo Walmir Farias: "Eu ainda estou manquejando / Fora da linha pensando / Comigo mesmo a dizer, / Patativa que não voa / É um animal atôa / Não vale a pena viver".

Pouco tempo depois, ele contou em carta para a amiga e poeta Ceci Alencar que já lida melhor com o impedimento. "Não pude obter a minha recuperação, ando com o auxílio de um aparelho ortopédico e uma muleta de alumínio. Porém, não lamento o meu estado, estou conformado com essa parcela de sofrimento que a vida me ofereceu".

Pinheiro também lembrou a campanha eleitoral de 1986, em que Patativa veio a Pernambuco e se indignou com o marketing contra Miguel Arraes, seu amigo e parente (as avós eram primas), cuja publicidade mostrava Arraes como retrógado. Redigiu então a poesia Dois candidatos: "Migué Arraes de Alencá / É cidadão imzemprá / Com sentimento nobre / Nunca mudou o seu prano / É lutadô veterano / Amigo do povo pobre (...) Seu dotô Muço Montêro / Os seus cofre de dinhêro / O inleitorado não qué / Neste assunto não se meta / Fique com sua chupeta / Que a vitória é do Migué / Pra lutar cronta o Arraes / Você ta novo de mais / Meu fio, vá se aquieta / É mió pensá um pôco / Que quanto mais veio o côco / Mais azeite o côco dá".

publicado no Diario de Pernambuco

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