sábado, 16 de julho de 2011

Um poeta no cinema



Irandhir Santos se supera a cada papel. Em Febre do rato ele brilha como um poeta em estado convulsivo, que trata os seus com generosidade e olha para o Recife com a indignação de quem não se curva perante a falta de amor que assola a cidade. “Com os poros abertos”, como diz em entrevista exclusiva ao Diario, ele é o grande condutor emocional do filme. Nele, a poesia flui, intensa, primeiro de sua atitude, depois nas palavras, preciosas, caudalosas, escritas pelo roteirista Hilton Lacerda.

Não é a primeira vez que o ator é premiado em Paulínia. Em 2009, Irandhir se destacou pela atuação em Olhos azuis, de José Joffily. Depois disso, projetou-se nacionalmente em Besouro, Quincas Berro D’Água e Tropa de Elite 2. No entanto, depois da experiência à flor da pele vivida em Febre do rato, o ator diz que precisa refletir sobre os próximos projetos. “Quero estar em histórias que façam diferença, que possam tocar”. Um deles é Tatuagem, de Hilton Lacerda, que começa a ser rodado em novembro no Recife.

Em Febre do rato, você está em transe constante. Como foi viver Zizo?
Foi uma experiência arrebatadora e desafiadora. Sempre procurei ser sincero no que faço, mas esse trabalho foi especial. Tenho o máximo de cuidado entre um trabalho e outro, estava acabando o filme de Kleber Mendonça (O som ao redor) e confesso que a entrada do Zizo foi algo inesperado e assustador. Mas depois de ler o roteiro começou o encantamento, a possibilidade de me enxergar de outra maneira. Tinha pouco tempo e queria o máximo de referências. Então determinei: “Irandhir, mergulhe, vá atrás, se deixe envolver”. Quando saí de Olinda para a edícula que Renata Pinheiro construiu, foi um jogo de abertura de poros, de sentimentos e de atenção máxima para procurar o que iria me ajudar em tão pouco tempo. Precisava de segurança, num projeto em que a improvisação é igualmente importante. Ao mesmo tempo, enquanto Zizo construiu o mundo dele, quando ia pra fora, no mundo real, ele precisa transformá-lo.

O filme é baseado em texto de Hilton Lacerda, 100% recitado por você. Como chegou ao domínio da palavra?
Quando vi o grande volume de poesia, quis me apropriar, mas percebi que não conseguiria, porque os poemas não eram meus. Precisei me aproximar do Hilton para compreender. Ele falou da origem de cada poema, foi algo tão generoso e aberto que tive acesso ao sentimento primeiro que o despertou. Peguei isso pra mim, a partir dali me aproximei dos poemas. É interessante porque já fiz um poeta, o Quaderna em A Pedra do Reino. Mas foi diferente, porque ele partia da palavra para o mundo, enquanto o Zizo tem uma postura diante do mundo, para somente então escrever os poemas. Por isso, antes tive que investir na atitude.

Que referências você usou para compor o personagem?
Dos poetas dos anos 1970 e também os atuais: Lirinha, Otto, Miró. E a música do Ave Sangria, que quando ouvi tocando no camarim, fez um “clic”: esse será o meu embalo.

Como foi a experiência de atuar com o corpo nu?
Profissionalmente, nunca fiquei sem roupa a ponto de atuar sem perceber isso. Foi um processo de abertura sincera, até para denunciar o que doía. Não é um exercício fácil, você se expõe. Confesso que sou muito retraído, observador, isso faz parte do trabalho de ator. Mas uma gama de coisas foi acontecendo e me direcionando a favor para a construção de um mundo. Se no quintal da casa de Zizo ficava à vontade sem roupa, na rua, mesmo vestido, me sentia nu.

A impressão que o filme passa é que ele é apenas uma amostra da vivência do elenco e equipe. Que boa parte do que rolou ficou de fora da edição ou nem mesmo foi filmado.
Foi exatamente isso que aconteceu. Uma intimidade foi construída para chegar ao estágio do filme. Na casa de Zizo, reorganizei tudo do meu jeito. Sabia onde estava cada caneta, livro, quadros. Quando ia para a pousada dormir era o momento de refletir, repensar o dia.

E o que ficou do Zizo, depois das filmagens?
Zizo, seus amigos são quem eles são, não existem máscaras ou barreiras. A maneira como ele encara a paixão arrebatadora por Eneida (Nanda Costa), se deixa levar por isso, se atreve. Pessoalmente, isso me reaproximou da minha família. E me fez refletir sobre os próximos projetos, que histórias quero participar como artista. Cláudio Assis tem muito a falar, seu cinema tem muita importância. Isso mexe no senso de julgamento para os próximos.

Em breve será lançado o longa O som ao redor, de Kleber Mendonça Filho. Como foi trabalhar nesse filme?
Sou fã absoluto de Kleber, mas através de amigos, sempre soube que ele nunca gostou de trabalhar com atores. Mas o encontro aconteceu, foi uma descoberta de ambos. O Kleber é um “ouvido ambulante”, escuta o que você acha do filme, processa e te devolve na medida correta. Ele promove a confiança e é genial porque aquilo faz parte de algo maior, uma coletividade. E ele tem algo em comum com Cláudio, a inspiração pelo Recife, o mote para tratar sobre o crescimento desordenado da cidade.

Fale um pouco sobre Tatuagem, seu próximo trabalho.
Fui convidado no começo do ano e há dois meses recebi o roteiro. Tenho conversado com o DJ Dolores sobre as músicas que serão dançadas e cantadas no filme. Serei o protagonista, Clécio, o cabeça de um grupo de teatro performático, que adora a arte da representação, o transformismo. Apesar dos parcos recursos, ele monta uma companhia e vive disso. Ele vive uma história de amor com outro cara, de mundo supostamente diferente do dele. Tudo se passa na década de 1970, mas o filme fala das condições dos artistas de hoje.

(Diario de Pernambuco, 16/07/2011)

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