sábado, 30 de julho de 2011

Fantasma da censura assombra o país



Nos últimos dias, um filme de horror produzido na Sérvia reascendeu o debate sobre a volta da censura no Brasil. Com cenas de violência explícita, feitas para causar repulsa, A serbian film - terror sem limites, do estreante Srdjan Spasojevic, já estava proibido de ser exibido no estado do Rio de Janeiro desde a semana passada. A notícia mais recente é que o Ministério da Justiça suspendeu anteontem os trâmites para a emissão da classificação indicativa, o que inviabiliza sua exibição pública em território nacional. Trata-se de um caso sem precedentes desde a promugação da Constituição de 1988, que garante a liberdade de expressão para obras artísticas.

Em manifestações de repúdio, a comunidade cinematográfica tem se posicionado contra os acontecimentos. O que pode assustar mais do que as cenas do filme é que situações como esta possam se repetir no futuro. Antes mesmo do veto oficial, quando o filme foi retirado da programação da RioFan, a Associação Brasileira de Críticos de Cinema lançou nota em que alerta para que sejam preservados a “liberdade de expressão cinematográfica e o direito de os espectadores assistirem aos filmes que lhes convêm”. “estamos defendendo um princípio: o de um filme poder ser assistido e avaliado pelo espectador com liberdade”.

O Congresso Brasileiro de Cinema colocou no ar uma petição pública. “O abaixo-assinado vale também para quem não quer ver ou não gostou de A serbian film. Amanhã pode acontecer com seu filme favorito”, alerta a distribuidora do longa no Brasil, a Petrini Filmes, via Twitter. “Com o veto, teremos prejuízo de mais de US$ 10 mil, fora despesas judiciais, material promocional, encoding digital e taxas da Ancine”, diz Rafaelle Petrini. Se por um lado, o filme deixa de circular em meia dúzias de salas no país, a polêmica em torno da obra gerou publicidade suficiente para aumentar significantemente o número de downloads ilegais.

Vetado na Noruega e exibido na Inglaterra com dezenas de cortes, A serbian film teve duas sessões públicas no Brasil - uma no Fantaspoa (Porto Alegre) e outra no Festival Lume, em São Luiz do Maranhão (festivais podem exibir filmes antes que eles recebam a classificação indicativa). Em seu momento mais polêmico, uma sequência insinua - mas não mostra - um homem que faz sexo oral com um recém-nascido. Uma matéria publicada na Folha de S.Paulo, com o título "Censurado na Europa, filme com pedofilia está em festival no Rio", levou ao Festival RioFan a retirá-lo da programação e ao diretório do DEM (Democratas) no Rio de Janeiro a mover ação ajuizada na 1ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso para que o filme fosse retirado de circulação. Mesmo sem ter assistido ao filme, a juíza Katerine Nygaard proibiu a exibição do filme no Rio e mandou recolher a única cópia 35mm na véspera de uma sessão no Cine Odeon.

Não importa a denominação: censura ou veto, A serbian film é o primeiro filme a ter exibição proibida no Brasil desde 1985, quando a Igreja Católica, via CNBB, pressionou o Governo a proibir Je vous salue Marie, de Godard. Seu conteúdo testa o limite do que pode ser exibido numa tela de cinema. O filme narra o processo de degradação de um ator pornô que assina contrato para estrelar suposto filme “de arte” que se revela um snuff movie, gênero calcado em situações mórbidas, extremas. O diretor alega que esta é uma resposta às atrocidades provocadas pela guerra em seu país.

“O filme é punk, mas o cinema está aí para quebrar tabus”, diz Kleber Mendonça Filho, programador do Cinema da Fundação. “Não reajo bem a imagens reais de gente morrendo. O único lugar que a violência deve existir é no cinema. Parece que o diretor fez uma lista de temas que não se pode tocar, foi lá e fez. É compreensível que o filme cause repulsa nos mais conservadores. O que é incompreensível é que um país que aboliu a censura em 1988 a pratique em pleno século 21”. Kleber cita outros filmes ultra-violentos que foram exibidos sem problemas, como Irreversível (2002). E lembra que Felicidade (1998), de Todd Solondz, aborda a pedofilia.

Raffaele Petrini diz que tudo não passa de um equívoco e que, dentro dos critérios que condenaram A serbian film, estariam enquadradas obras como Pulp fiction, Psicose e Laranja mecânica, que nos anos 1970 foi proibido pelos militares. “Nenhuma criança foi molestada para que o filme fosse realizado. No nosso site, vamos divulgar um making of que mostra que o bebê é mecânico”.

Flávio Bongi, advogado da Petrini Filmes, diz que houve um “excesso de zelo” por parte do DEM. “Não entendo como violação do Estatuto da Criança e Adolescente, mas sim uma má interpretação da obra. Ao agir de forma preventiva, ele chamou para si uma atitude despótica, com a qual não podemos concordar. A ação atenta até ao nome do partido”.

Kleber Mendonça, que morou na Inglaterra nos anos 1980, diz que os 29 cortes que A serbian film sofreu para que fosse exibido lá é algo normal naquele país. “São decisões de pessoas que não têm visão técnica ou artística, que permite diferenciar cenas de cinema das imagens documentais. No Brasil, o caso é ainda mais grave, pois há uma confusão em torno de um filme que sequer foi visto”.

(Diario de Pernambuco, 30/07/2011)

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Coluna de lançamentos da semana + notas de bastidores

Lançamentos em DVD



Vips (Brasil, 2010). De Toniko Melo. 98 minutos. Universal.

Produzido pela O2 de Fernando Meirelles, o filme dramatiza a história real de Marcelo, que, entre vários golpes, assumiu identidade de grande empresário durante o carnaval do Recife. O esforço é o de explicar sua imaturidade psicológica, em busca da aprovação dos pais ao aparecer na TV e entrar no clube dos ricos não pelo dinheiro mas pelo prestigio, festas e garotas. No papel do farsante, temos um Wagner Moura no piloto automático. Ainda no elenco, Milhem Cortaz, Luciano Cazarré e Arieta Corrêa.


Desconhecido (Unknown, EUA, 2001). De Jaume Collet-Serra. 113 minutos. Warner.

Dezoito anos depois de A lista de Schindler, Liam Neeson volta à Alemanha, em thriller hitchcockiano com direito a lutas, perseguição de carros, tiros e explosões em locais históricos. Desta vez Neeson está em busca da identidade perdida do doutor Harris, que está em Berlim para participar de congresso quando sofre acidente automobilístico. Ao acordar, outra pessoa ocupa o seu lugar e todos em volta, inclusive a esposa, agem naturalmente. A boa parte do elenco se completa com Diane Kruger e Bruno Ganz, em papel de ex-agente da polícia secreta alemã. (A.D.)



Jornada nas estrelas – a serie clássica. De Gene Rodemberry. Paramount.

Lata com todos os episódios da serie original. À serviço de espécie de ONU interplanetária, Capitão Kirk (William Shatner) lidera a espaçonave Entreprise, ao lado dos amigos Spock (Leonard Nimoy) e McCoy (DeForest Kelley). Em duas partes, o episódio Semente do espaço introduz Khan (Ricardo Montalban), que mais tarde ressurge no cinema. Apesar de ambientadas no espaço sideral, as aventuras não exploram efeitos especiais - isso viria à tona dez anos depois, em Star wars, mas reflexões sobre os impulsos que guiam o ser humano. (A.D.)

EU INDICO



Recomendo Homens e deuses (França, 2010), de Xavier Beauvois. O que mais me tocou no filme foi a abordagem bonita e sensível do espírito comunitário daquele grupo de religiosos. Homens que estavam em uma posição muito delicada e que tinham que tomar uma decisão importante. Firmes e coerentes, eles debatiam e expunham coletivamente suas opiniões, medos e angústias”.

Raquel Santana, produtora cultural, cantora, percussionista e mestranda em desenvolvimento local pela UFRPE

BASTIDORES

Gramado - Foi prorrogado o prazo para se inscrever em concurso cultural que leva leitor do Diario para o 39º Festival de Gramado. Basta enviar resenha crítica sobre qualquer filme em cartaz nos cinemas da cidade. O autor do melhor texto viajará com todas as despesas pagas para o tradicional evento de cinema da Serra Gaúcha, onde participará do júri popular. O texto, de até 35 linhas (em fonte Times New Roman 12), deve ser enviado para andredib.pe@dabr.com.br, até amanhã. Os candidatos devem residir no Grande Recife.

QG - Desde o começo da semana, a Federação Pernambucana de Cineclubes – Fepec, inaugurou sede própria, em sala na Rua Diario de Pernambuco, bairro de Santo Antônio. O espaço conta com acervo de filmes e mais de três mil livros e revistas sobre cinema.

Dança - Hoje, o Curta Doze e meia encerra a mostra temática de julho, Dança e Cia., exibindo os vídeos Figuras da dança, Ruth Rachou, Raio X e Duo elo. As exibições ocorrem todas as quintas-feiras no auditório do Centro Cultural Correios Recife, às 12h30. Gratuito.

Interior - Até 10 de agosto, estarão abertas as inscrições para a 2ª Mostra Nacional Curta Sertão, que ocorre em outubro, em Floresta/PE. O evento - realizado pelo Ponto de Cultura Sertão Itaparica Mundo - vai selecionar e premiar curtas-metragens nacionais, com até 25 minutos, de qualquer gênero (ficção, documentário, experimental, clipe etc.) com suporte de captação livre, desde que possua cópia em DVD. Informações: 3429-7625. Outro festival de curtas do interior pernambucano está com inscrições abertas: o Vale Curtas, de Petrolina. Informações em www.valecurtas.com.br.

(Diario de Pernambuco, 28/07/2011)

Ilusões do tempo



A beira-mar de Boa Viagem serviu de cenário para 3x4, novo curta de Adelina Pontual. A tarde de anteontem, marcada por correntes de vento e lufadas de chuva, parecia ser um contratempo, mas se mostrou ideal para montar um set de cinema. O céu acinzentado e o clima invernal foi exatamente a atmosfera buscada pela diretora para representar um dia na vida de Flávia, a protagonista de 53 anos, em crise existencial.

Entre os poucos banhistas da área, no Pina, entra em cena o bravo grupo de Adelina, protegido por uma tenda e alguns guarda-sois da Rec Produtores. São cerca de 30 pessoas, dispostas a cumprir a ordem do dia e ainda proteger o equipamento da água, em meio a pulos para expulsar do corpo a baixa temperatura. Isso é cinema.

Nilza Lisboa, atriz escolhida para interpretar a personagem, diz que aceitou o papel por ter se identificado com o tema. “Meu último trabalho como atriz foi em 1994, para o teatro. Logo depois sofri um acidente, tive uma crise pessoal e resolvi me voltar aos estudos”. Antes, Nilza trabalhou em filmes de Fernando Spencer (Estrelas de celulóide, 1986) e Paulo Caldas (Chá, 1988). “Está sendo especial voltar ao cinema pelo olhar e mãos de Adelina”. Ainda no elenco estão Maria de Jesus Bacarelli, Jones Melo, Sílvio Pinto, Daniela Câmara, Henrique Pontual e Ana Nogueira.

Na equipe, Adelina conta com bons profissionais, alguns a seu lado desde seu primeiro curta Cachaça (1995): Beto Martins (fotografia), Pedrinho Moreira e Moabe Filho (som), Beto Normal (direção de arte e figurino), Cris Malta (maquiagem), João Maria (montagem), Amanda Nascimento (assistência de direção), Amanda Mansur (continuísta) e Gil Vicente (still). João Sagatito, 76 anos, é o chefe da maquinaria e da eletricidade.

O roteiro é de Adelina. A primeira versão estava escrita antes mesmo de realizar O pedido (1999), o primeiro de uma trilogia de curtas sobre a imagem. “A ideia é partir de um retrato para cada filme. A fotografia nada mais é do que a retenção do tempo”. Para a diretora, o formato do 3x4 remete a recordações da infância, quando ia a um fotógrafo de bairro. “Ele tinha paineis com fotos não resgatadas e ficava imaginando quem seriam essas pessoas. O que estaria por trás dessas imagens?”.

Se O pedido trata da morte, 3x4 é sobre as ilusões da vida e suas representações. Não por acaso, enquanto Flávia anda pela praia, cruza com um casal que joga frescobol… sem a bola. Referência direta à sequência final de Blow Up, de Michelangelo Antonioni, em que dois clowns fazem o mesmo numa quadra de tênis. O terceiro curta, ainda sem nome, será sobre a transitoriedade dos lugares utilizados como paisagem nas fotografias.

Realizado em HD com orçamento de R$ 80 mil do Funcultura, 3x4 é uma co-produção assinada pela REC Produtores, Chá Cinematográfico e Plano 9. As gravações terminam hoje, em uma casa de repouso no bairro do Arruda.

(Diario de Pernambuco, 28/07/2011)

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Deacon Jones, de volta ao Recife



O tecladista norte-americano Deacon Jones abre, com estilo, a nona temporada do festival Oi Blues By Night. Será hoje, às 21h, no Spirit Music Hall, com show de abertura da Handmade Blues. Na estrada desde 1963, Jones é um dos tecladistas mais importantes do blues elétrico. Sua autoridade no órgão Hammond B3 recebeu o aval de grandes nomes como John Lee Hooker, com quem gravou e liderou sua banda entre 1981 e 1999. Antes disso, se graduou no grupo Baby Huey & the Babysitters, de Chicago, e com os gigantes Freddie King e Curtis Mayfield.

Deacon Jones fez apresentação memorável quando esteve no Recife em 2005, a convite do Oi Blues By Night. Sua performance concilia habilidade com o instrumento, técnica vocal e um jogo de cintura que inclui descer do palco para dançar com o público. Seis anos depois, ele volta à cidade com os paulistas Flávio Naves (teclado), Lancaster (guitarra) e a pernambucana Uptown Band, com quem deve fazer outra inspirada apresentação. “Quando soube que voltaria ao Brasil, ele fez questão de tocar novamente no Recife, onde se sentiu bem-vindo”, conta Giovanni Papaleo, organizador do Oi Blues e baterista da Uptown.

Jones aproveita o show de hoje para lançar seu novo álbum, The legacy of the Hammond B3, gravado com Flávio Naves, que encontrou em Jones um mestre. Já foi dito que ele não toca, mas sim “pilota” o instrumento como fosse uma motocicleta. Que seu som, suave e aveludado, se equipara ao motor de uma Harley-Davidson.

“Essa é a primeira vez que dois grandes nomes do Hammond B3 tocarão ao mesmo tempo no país”, diz Papaleo. Para conhecer mais sobre a trajetória de Jones, o livro (em inglês) Makin blues history pode ser bem esclarecedor. Nele há histórias do tecladistas em turnês e gravações com Greg Almann (do Almann Brothers), Eric Clapton, Carlos Santana e os Rolling Stones.

Com uma programação de 14 shows em sete capitais nordestinas, o Oi Blues By Night seguirá até novembro. Entre os principais convidados estão o guitarrista Lil´ Ray Neal (Louisiana), Jimmy Burns (representante do Delta Blues de Chicago) e Rick Estrin and the Nightcats (California), que com sua mistura de surf music, jump blues, rockabilly e muito bom humor fez o melhor show do último Garanhuns Jazz Festival. Além do Recife, estão na rota do Oi Blues: João Pessoa, Natal, Fortaleza, Teresina, Salvador e Maceió.

Serviço
9º Oi Blues By Night
Onde: Spirit Music Hall (Rua do Futuro, 821, Graças)
Quando: Hoje, às 21h
Quanto: R$ 30 (homem) e R$ 20 (mulher)
Informações: 3268-4080

(Diario de Pernambuco, 27/07/2011)

terça-feira, 26 de julho de 2011

Um bebê extraordinário



Em cartaz no Cinema da Fundação, Ricky (França, 2009) é um filme incomum sobre temas bastante comuns. A princípio, ele aponta para história recorrente, a da mulher abandonada, mãe solteira oprimida pelas responsabilidades. Ou seja, seria mais um filme a repetir fórmulas prontas. Assim como poderia cair em outros lugares-comuns e ser uma daquelas peças de entretenimento com bebês fofinhos, os “anjinhos” que tanto mexem com as fantasias femininas. Ou então a condenar o ser humano, incapaz de lidar com o desconhecido, tanto pelo viés da ciência, quanto pela ávida imprensa sensacionalista.

Mas o filme de François Ozon evita vícios e se equilibra belamente entre o ordinário e o fantástico, numa parábola sobre o processo de religação com o divino em seu sentido mais amplo, de reconexão com a vida. Foco no drama de Katie (Alexandra Lamy), a quem encontramos sem energia para enfrentar o dia. Ela tem uma filha de sete anos, a melancólica Lisa. Uma reviravolta as espera quando Katie conhece Paco (Segi Lópes), imigrante espanhol que trabalha na mesma indústria química. Em pouco tempo, eles estão morando juntos e têm um filho.

Até então, a narrativa de Ozon é econômica, de cortes temporais precisos. Após o parto de Ricky, o filme se dilata, entregue à surpreendente revelação trazida pelo bebê. Há a tentação de tratar do assunto mais diretamente, mas revelar mais do que isso seria estragar o que o filme tem de mais precioso. Pois a fantasia está incorporada ao filme não como um processo em si, mas com a clara função de relembrar as almas tomadas pelo desencanto de que é possível voltar a acreditar.

Se entregar para esse processo em vez de se agarrar exclusivamente ao filho são lições de amor e desapego que toda mãe deveria conhecer. “Quem ama, não abandona”, diz a filha. Parece clichê, mas é isso aí.

(Diario de Pernambuco, 26/07/2011)

Para conhecer o cinema argentino contemporâneo



A recente produção do cinema argentino está em pauta no Cineteatro Apolo. Com entrada franca, a Mostra de Filmes Argentinos começou ontem e segue até a próxima sexta, com sessões de curtas e longas, seguidas de debates. Todos os dias, o roteirista argentino Gualberto Ferrari conversa com diferentes convidados: o crítico e cineasta Celso Marconi (hoje), o professor e documentarista Cláudio Bezerra (amanhã), o crítico e cineasta Luiz Joaquim (quinta) e o crítico e professor Alexandre Figueirôa (sexta). A mediação será do gerente do audiovisual da Prefeitura do Recife, Sérgio Dantas.

Filmes de diretores essenciais do país vizinho estão na programação. “Eles apontam para diferentes tendências”, diz Gualberto Ferrari. “Entre os longas há representantes do cinema comercial de qualidade e também do cinema autoral independente. E os curtas representam o que há de mais novo, feito por diretores premiados nos últimos cinco anos”.

Hoje mesmo, será exibido o oscarizado O segredo dos seus olhos, de Juan José Campanella. Filme noir com elementos de humor, conta a história de Benjamin Esposito (Ricardo Darín), investigador que no fim da carreira retoma caso não solucionado e um amor mal-resolvido com sua comandante (Soledad Villamilde). “Campanella consolidou o cinema industrial na Argentina. Há vários como ele no país, mas ele representa a melhor face dessa produção, baseada no cinema norte-americano”.

De Daniel Burman, As leis de família narra as neuroses de um jovem judeu de Buenos Aires, que procura o equilíbrio entre os papeis, de pai, marido e filho. Mais recentemente, Burman dirigiu Dois irmãos, outro belo tratado sobre relações familiares.

Autora mais importante do atual cinema argentino, Lucrécia Martel se revelou no começo da década passada, com o longa O pântano. Logo depois dirigiu A menina santa, produção co-assinada por Pedro Almodóvar, exibida na mostra oficial do Festival de Cannes e que apresenta uma adolescente de família conservadora, cuja vocação é ajudar homens atormentados como o médico que se hospeda no hotel de sua família. De Marcelo Piñeyro (também diretor de Kamchatka), Prata queimada narra a empreitada de um casal de matadores gays, que se metem em ambicioso assalto na Buenos Aires dos anos 1960.

Para Gualberto, a boa fase do cinema argentino está diretamente ligada à liberdade criativa de seus realizadores. “Tudo é feito sem grandes patrocínios. A produção cresceu muito, principalmente os filmes de ficção, que tem evoluído em roteiros e atores específicos para cinema, que antes, migravam para outros países”.

A Mostra de Filmes Argentinos também inaugura uma nova fase para o Cinema Apolo, que pela primeira vez após a mudança de gestão promove uma mostra especial. De acordo com Sérgio Dantas, até o final do ano, além de outras mostras temáticas, o Panorama Recife de Documentários retorna ao calendário da cidade.

Programação

Terça, 19h
Curta: Murana (2010), de Sebastian Palacio
Longa: O segredo dos seus olhos (2009), de Juan José Campanella
Debatedores: Gualberto Ferrari e Celso Marconi

Quarta, 19h
Curta: Entreluces (2006), de Maximiliano Schonfeld
Longa: As leis de família (2006), de Daniel Burman
Debatedores: Gualberto Ferrari e Cláudio Bezerra

Quinta, 19h
Curta: Medianeras, (2005), de Gustavo Taretto
Longa: A menina santa (2004), de Lucrecia Martel
Debatedores: Gualberto Ferrari e Luiz Joaquim

Sexta, 19h
Curta: Rosa (2010), de Monica Laraina
Longa: Prata queimada (2000), de Marcelo Piñeyro
Debatedores: Gualberto Ferrari e Alexandre Figueirôa

(Diario de Pernambuco, 26/07/2011)

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Um crime à qualidade



Assalto ao Banco Central é uma pérola da ruindade. O longa, o primeiro de Marcos Paulo, ficciona a famosa ação que, em 2005, tirou dos cofres públicos R$ 165 milhões, 90% deles ainda não encontrados. A história renderia um ótimo filme de roubo a banco, quase um gênero do cinema norte-americano. Mas o roteiro, que intercala os preparativos da operação criminosa e a investigação da polícia após o roubo, é tão burocrático que provoca dor de cabeça.

De cara, o filme entrega que o assalto foi bem-sucedido, mas parte dos bandidos foi capturada pela polícia. Com isso, viola uma regra básica desse tipo de filme: manter o mistério. Ou seja, mesmo sendo baseado em história real, o interesse do espectador em descobrir se eles vão conseguir se dar bem.

Resta então conhecer os personagens. Quem são eles? Como pensam? Como conseguiram entrar no banco sem serem vistos? Caracterizado como o Barão, cérebro e líder do bando, Milhem Cortaz parece ter saído de uma novela mexicana. Ele chama um amigo, o Mineiro (Eriberto Leão) para organizar uma loja de fachada enquanto os demais executam o roubo. Mineiro e Carla (Hermila Guedes), a mulher do Barão, não se para disfarçar seu romance. Um desperdício de bons atores, como Tonico Pereira, Gero Camilo, Vinícius de Oliveira, Heitor Martinez, Cadu Fávero, Fabio Lago e Juliano Cazarré, convocados para compor a bandidagem.

Há um nítido esforço do elenco em fazer o melhor, mas a dramaturgia de diálogos duros talvez só funcione na TV, onde Marcos Paulo trabalha como diretor. Lima Duarte e Giulia Gam, por exemplo, fazem dupla de investigadores sub-CSI, com sagacidade digna de Pepe Legal e Babalu. O apelo da história, atores famosos e a máquina de mídia movida pela Fox/Globo Filmes deve evitar que Assalto ao Banco Central seja um fracasso. Mas depois de comprar o bilhete, não adianta pedir o dinheiro de volta.

(Diario de Pernambuco, 22/07/2011)

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Coluna de lançamentos, bastidores e "eu indico" da semana



O quadragésimo primeiro (Sorok Pervy, União Soviética, 1956). De Grigori Chukhrai. 88 minutos. Lume Filmes.

Antes de se consagrar com A balada do soldado (1959), o diretor ucraniano já havia ganhado a Palma de Ouro em Cannes com seu filme de estreia, que se passa durante a revolução russa. Um trágico romance entre uma exímia atiradora do Exército Vermelho (Izolda Izvitskaya) e oficial do Exército Branco (Oleg Strizhenov) capturado no deserto pelos bolcheviques. Ele seria o 41º inimigo a ser abatido pela garota, mas sobrevive ao tiro. Perdidos em praia do Mar de Aral, a dupla supera divergências ideológicas e se permite apaixonar.



Volta ao lar (The homecoming, Inglaterra/EUA, 1973). De Peter Hall. 111 minutos. Lume Filmes.

O prazer pela tortura psicológica e tiranias afetivas é o fator que une uma família do norte de Londres. Max (Paul Rogers), o patriarca, vive com o irmão e dois filhos, a quem reclama e hostiliza com afinco. Após nove anos, o filho mais novo (Michael Jayston) volta dos EUA com a esposa (Vivien Merchant) para uma visita. Pela primeira vez desde a morte da mãe, uma mulher é inserida naquela casa de homens miseráveis e de sentimentos enviesados. Ela seduz. Quer o controle. Até que ponto esta família é igual a tantas outras?



Vips – historias reais de um mentiroso (Brasil, 2009). De Mariana Caltabiano. 71 minutos. Imovision.

Mesmo antes de ser vivido no cinema por Wagner Moura, o paranaense Marcelo Rocha já era um dos golpistas mais famosos do país. Este documentário conta como ele conseguiu se passar por policial, olheiro da seleção, DJ, líder de rebelião no Bangu, repórter da MTV, membro do narcotráfico paraguaio, guitarrista do Engenheiros do Hawaii, piloto e megaempresário, disfarce com o qual enganou Amary Jr. Durante o carnaval do Recife. Entrevistado numa prisão em Curitiba, ele é apresentado como alguém amigo, querido pela mãe e de raciocínio afiado.

Eu indico



Vacas (Espanha, 1992), o primeiro longa de Julio Medem, mostra uma Espanha rural, de costumes arcaicos, em meio à Guerra Civil. Surreal, excêntrico e pertubador, o filme conta a história de três gerações de duas famílias bascas entre 1875 e 1936. É uma das grandes obras do diretor de Amantes do Círculo polar (1998), Lúcia e o sexo (2001) e Quarto em Roma (2010).

Hallina Beltrão é designer

Bastidores

Festival de curtas - Entre os selecionados pelo 22º Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo estão os pernambucanos Acercadacana, de Felipe Peres Calheiros, Calma Monga, calma!, de Petrônio Freire de Lorena, Mens sana in corpore sano, de Juliano Dornelles, Praça Walt Disney, de Sergio Oliveira e Renata Pinheiro e o inédito Corpo presente, de Marcelo Pedroso. O festival será de 25 de agosto a 2 de setembro.

Mini - Durante o Festival Paulínia de Cinema foram exibidos seis micrometragens assinados por Beto Brant, Jorge Furtado, Hector Babenco, Lázaro Ramos, David Rebordão (Portugal) e Mário Bastos (Angola). Como prova do que é possível fazer com boas ideias e baixo orçamento, os diretores foram convidados pelo CEL.U.CINE – festival que premia minicurtas feitos com base em tecnologias digitais. O resultado dessa experiência será apresentado hoje, às 23h30, no Canal Brasil. Em exercício de síntese, Brant fez documentário sobre mulher criada em região do garimpo amazônico. E Furtado, uma bem humorada mistura do seu lado “cerebral” (Ilha das Flores) e dramático (O homem que copiava). Amanhã tem reprise, às 20h30.

Animação - O 19º Anima Mundi começa amanhã, no Rio de Janeiro e São Paulo. O curta O Homem Planta, de William Paiva e Pedro Severien participam da Mostra Panorama, em programa com trabalhos da Suécia, Argentina, França e Alemanha.

domingo, 17 de julho de 2011

Uma arte de projeção


Joselito Gomes, há 13 anos projecionista do Cinema da Fundação

Praticamente invisíveis, eles estão ali, cuidando da sua sessão de cinema. Apesar de serem lembrados somente quando o filme falha, um atestado recente da importância dos projecionistas está em carta enviada pelo diretor Terrence Malick, que recomendou aos projecionistas normas de afinação do equipamento para exibir seu novo filme, A árvore da vida.

Há 15 dias, Michael Bay fez o mesmo para garantir que seu Transformers 3 não perdesse em virtude da luz filtrada pelos óculos 3D. Neste fim de semana, a produtora de Harry Potter também indicou parâmetros para sua correta exibição. A preocupação procede, já que nos últimos anos o que temos visto é a multiplicação de salas de shopping, que se preocupam mais com qualidade da pipoca do que com as condições em que os filmes são exibidos.

No Recife, poucos projecionistas “à moda antiga” estão em atividade. Com o fim dos cinemas de rua, nos quais se alternavam operadores com décadas de experiência, acabou-se também o romantismo da profissão. A gradual digitalização das salas é outro fator que aponta para o acanhamento da função. Assim como diminui a interação com o público e com o próprio filme a ser exibido, há menos intimidade com a maquinaria.

Thiago Augusto, projecionista do UCI Ribeiro Casa Forte, vê nesse distanciamento um processo de alienação. “A gente tem alcance limitado para mexer no equipamento, quando precisa tem que acionar a manutenção especializada. Além de ter um custo para o cinema, o projecionista fica de mãos atadas”.

Para Joselito Gomes, que trabalha no Cinema da Fundação, no futuro próximo bastará alguém que saiba apertar botões, já que a projeção digital se resume a acionar aparelhos pré-ajustados. “Uma sala de shopping com 12 salas desempregou 11 projecionistas. Para quem está começando talvez isso seja um sofrimento, porque esta é uma profissão que apaixona”. O segredo para uma boa projeção? “Tem que ter sensibilidade e estar atento, senão o público deixa de prestar atenção no filme para reparar nos problemas”.

Joselito começou no extinto complexo Trianon - Art Palácio. Em 1998 foi para o Cinema da Fundação, por indicação do falecido Seu Alexandre (Moura), que não pôde assumir pois já trabalhava no Cinema Arraial. “Aprendi olhando. Fui contratado como mecânico do ar-condicionado, mas era rato de cabine. Chegava mais cedo e treinava, fui pegando o jeito até que chegou um tempo em que o projecionista ia dormir e eu ficava fazendo o serviço dele”.

Depois de contratado, Joselito testemunhou várias situações inusitadas – outras apimentadas – mais nada como o dia em que, durante sessão superlotada de Rambo 3, o público quebrou tudo, até as poltronas. “O gerente quis exibir uma cópia para duas salas. Como o rolo não chegou a tempo no outro cinema, o público protestou. Teve gente que até arrancou a camisa”.

Antes de trabalhar no Apolo, Luciene Arruda começou a carreira no UCI Ribeiro Recife. “Queria trabalhar na bomboniere, mas como tenho curso de eletrotécnica, me escalaram para a cabine. Quando entrei, fiquei horrorizada e quis desistir, eram dez máquinas!”. As condições de trabalho também não eram as melhores. “Lá você não respira, não para pra comer, até ir ao banheiro é complicado”.

Luciene é uma das poucas - se não a única - representante feminina numa profissão tradicionalmente masculina. "Sou uma enxerida", se classifica. "Eles dizem que eu sou pequena demais pra subir e descer escada com os rolos, mas pra trabalhar direito, precisa é disso aqui", diz, apontando para a cabeça.

Thiago Augusto, que já trabalhou no Box Guararapes, compartilha a opinião. “É bem cansativo. Acontecia muito de ficar sozinho nas 12 salas. Não sei como o Box está hoje, mas na época foi bem difícil”. Chamado para o UCI Casa Forte, Thiago chegou a trabalhar na montagem das salas. “Como eu comecei com a carga pesada no outro complexo, tiro as cinco salas de letra. E em termos técnicos, o Casa Forte é o paraíso dos projecionistas”.

Vidas dedicadas ao cinema - Os projecionistas entrevistados pelo Diario concordam que esta é uma profissão apaixonante. O que mais justificaria vidas inteiras dedicadas, inclusive fins de semana madrugadas adentro? Paulo Bezerra Bento, o mais antigo em atividade no Recife, começou como zelador no Cine Nossa Senhora de Fátima, em Paratibe e passou por vários outros desde então. “É uma profissão muito esquecida, as condições não são ideais”. Lá de cima, na cabine, ele disse que já viu de tudo. “Casal que namora, gente que dança, bate palma. Já vi até soltar bomba de São João”.

Já André Viana, assumiu o cargo do projecionista do antigo Cine Ribeira, pois o titular havia tomado uma cachaça na noite anterior. Anos depois, quando começou a trabalhar no Cine Floriano (onde hoje funciona uma igreja), nem poderia imaginar que ali, entre uma sessão e outra, iria conhecer a mulher com quem está casado há 25 anos. “A irmã era funcionária e a família dela estava sempre por lá”. Sem esconder a tristeza, ele lamenta não ter tido condições para ficar mais tempo perto da família. “Sustentei meus filhos com essa profissão. Mas não pude estar mais presente”.

Categoria quer mais reconhecimento - No circuito comercial, o salário de um projecionista está longe de corresponder à responsabilidade de sua profissão. Não há um sindicato próprio, o que diminui sua força com os patrões. “Só sei das reclamações, nunca dos elogios”, afirma Thiago Augusto que, da solidão de sua cabine, diz se sentir sozinho. “Muitas vezes nossa voz não é ouvida. As preocupações são outras, pois bilheteria é o menor dos lucros, o grosso vêm dos produtos vendidos na bomboniere. É com isso que eles se preocupam”.

Estudante de história, Thiago participa de um movimento para organizar um sindicato. “A insatisfação é grande. O salário não é ajustado há anos, a gente ganha no contracheque R$ 670. Tem gente lá embaixo vendendo pipoca que ganha mais do que a gente. Esse sentimento de estagnação leva a gente a pensar em procurar coisa melhor”. E não só Thiago tem outros planos para a carreira. Seus colegas também. “Todos adoramos aquele trabalho, é um emprego tranquilo. Mas estamos procurando outras coisas. É uma pena, pois é uma profissão bonita, é prazeroso promover uma sessão perfeita pra quem está assistindo”.

Para preparar novos profissionais, a Fundação Joaquim Nabuco tem o projeto de oferecer, em parceria com a Fundarpe, um curso de capacitação em que Joselito e Luciene fossem os professores. No entanto, o projeto ainda não saiu do papel.

O ranking dos projecionistas

Joselito Gomes
Dançando no escuro
Buena Vista Social Club
Irreversível
Gandhi
O último imperador

Paulo Bezerra Bento
Os dez mandamentos
Ben Hur
A noiva
O Corcunda de Notre Dame
... E o vento levou

André Tadeu Viana
Dio como te amo
Dirty dancing
A força do destino
O cobra

Luciene Arruda
O rap do Pequeno Príncipe contra as almas sebosas
Amistad
Julie & Julia
O discurso do Rei
Piaf

Thiago Augusto
Bastardos inglórios
Cisne negro
A conquista da honra
Bravura indômita
Meia-noite em Paris

Orientações de Terrence Malick para os projecionistas

1. O filme deve ser projetado no formato 1.85:1;
2. Por não conter créditos de abertura, “as luzes devem ser apagadas antes do frame inicial do primeiro rolo de filme”;
3. Coloque o Fader dos sistemas Dolby e DTS em 7.5 ou 7.7 (maior que o padrão 7);
4. As lâmpadas de projeção devem estar em "funcionamento padrão" (5400 Kelvin) e que o nível Foot-Lambert [medida de luminosidade comum nos EUA] esteja no “padrão 14”

(Diario de Pernambuco, 17/07/2011)

sábado, 16 de julho de 2011

Um poeta no cinema



Irandhir Santos se supera a cada papel. Em Febre do rato ele brilha como um poeta em estado convulsivo, que trata os seus com generosidade e olha para o Recife com a indignação de quem não se curva perante a falta de amor que assola a cidade. “Com os poros abertos”, como diz em entrevista exclusiva ao Diario, ele é o grande condutor emocional do filme. Nele, a poesia flui, intensa, primeiro de sua atitude, depois nas palavras, preciosas, caudalosas, escritas pelo roteirista Hilton Lacerda.

Não é a primeira vez que o ator é premiado em Paulínia. Em 2009, Irandhir se destacou pela atuação em Olhos azuis, de José Joffily. Depois disso, projetou-se nacionalmente em Besouro, Quincas Berro D’Água e Tropa de Elite 2. No entanto, depois da experiência à flor da pele vivida em Febre do rato, o ator diz que precisa refletir sobre os próximos projetos. “Quero estar em histórias que façam diferença, que possam tocar”. Um deles é Tatuagem, de Hilton Lacerda, que começa a ser rodado em novembro no Recife.

Em Febre do rato, você está em transe constante. Como foi viver Zizo?
Foi uma experiência arrebatadora e desafiadora. Sempre procurei ser sincero no que faço, mas esse trabalho foi especial. Tenho o máximo de cuidado entre um trabalho e outro, estava acabando o filme de Kleber Mendonça (O som ao redor) e confesso que a entrada do Zizo foi algo inesperado e assustador. Mas depois de ler o roteiro começou o encantamento, a possibilidade de me enxergar de outra maneira. Tinha pouco tempo e queria o máximo de referências. Então determinei: “Irandhir, mergulhe, vá atrás, se deixe envolver”. Quando saí de Olinda para a edícula que Renata Pinheiro construiu, foi um jogo de abertura de poros, de sentimentos e de atenção máxima para procurar o que iria me ajudar em tão pouco tempo. Precisava de segurança, num projeto em que a improvisação é igualmente importante. Ao mesmo tempo, enquanto Zizo construiu o mundo dele, quando ia pra fora, no mundo real, ele precisa transformá-lo.

O filme é baseado em texto de Hilton Lacerda, 100% recitado por você. Como chegou ao domínio da palavra?
Quando vi o grande volume de poesia, quis me apropriar, mas percebi que não conseguiria, porque os poemas não eram meus. Precisei me aproximar do Hilton para compreender. Ele falou da origem de cada poema, foi algo tão generoso e aberto que tive acesso ao sentimento primeiro que o despertou. Peguei isso pra mim, a partir dali me aproximei dos poemas. É interessante porque já fiz um poeta, o Quaderna em A Pedra do Reino. Mas foi diferente, porque ele partia da palavra para o mundo, enquanto o Zizo tem uma postura diante do mundo, para somente então escrever os poemas. Por isso, antes tive que investir na atitude.

Que referências você usou para compor o personagem?
Dos poetas dos anos 1970 e também os atuais: Lirinha, Otto, Miró. E a música do Ave Sangria, que quando ouvi tocando no camarim, fez um “clic”: esse será o meu embalo.

Como foi a experiência de atuar com o corpo nu?
Profissionalmente, nunca fiquei sem roupa a ponto de atuar sem perceber isso. Foi um processo de abertura sincera, até para denunciar o que doía. Não é um exercício fácil, você se expõe. Confesso que sou muito retraído, observador, isso faz parte do trabalho de ator. Mas uma gama de coisas foi acontecendo e me direcionando a favor para a construção de um mundo. Se no quintal da casa de Zizo ficava à vontade sem roupa, na rua, mesmo vestido, me sentia nu.

A impressão que o filme passa é que ele é apenas uma amostra da vivência do elenco e equipe. Que boa parte do que rolou ficou de fora da edição ou nem mesmo foi filmado.
Foi exatamente isso que aconteceu. Uma intimidade foi construída para chegar ao estágio do filme. Na casa de Zizo, reorganizei tudo do meu jeito. Sabia onde estava cada caneta, livro, quadros. Quando ia para a pousada dormir era o momento de refletir, repensar o dia.

E o que ficou do Zizo, depois das filmagens?
Zizo, seus amigos são quem eles são, não existem máscaras ou barreiras. A maneira como ele encara a paixão arrebatadora por Eneida (Nanda Costa), se deixa levar por isso, se atreve. Pessoalmente, isso me reaproximou da minha família. E me fez refletir sobre os próximos projetos, que histórias quero participar como artista. Cláudio Assis tem muito a falar, seu cinema tem muita importância. Isso mexe no senso de julgamento para os próximos.

Em breve será lançado o longa O som ao redor, de Kleber Mendonça Filho. Como foi trabalhar nesse filme?
Sou fã absoluto de Kleber, mas através de amigos, sempre soube que ele nunca gostou de trabalhar com atores. Mas o encontro aconteceu, foi uma descoberta de ambos. O Kleber é um “ouvido ambulante”, escuta o que você acha do filme, processa e te devolve na medida correta. Ele promove a confiança e é genial porque aquilo faz parte de algo maior, uma coletividade. E ele tem algo em comum com Cláudio, a inspiração pelo Recife, o mote para tratar sobre o crescimento desordenado da cidade.

Fale um pouco sobre Tatuagem, seu próximo trabalho.
Fui convidado no começo do ano e há dois meses recebi o roteiro. Tenho conversado com o DJ Dolores sobre as músicas que serão dançadas e cantadas no filme. Serei o protagonista, Clécio, o cabeça de um grupo de teatro performático, que adora a arte da representação, o transformismo. Apesar dos parcos recursos, ele monta uma companhia e vive disso. Ele vive uma história de amor com outro cara, de mundo supostamente diferente do dele. Tudo se passa na década de 1970, mas o filme fala das condições dos artistas de hoje.

(Diario de Pernambuco, 16/07/2011)

Febre do rato contagia Paulínia


Premiado em oito categorias, o longa-metragem pernambucano Febre do rato saiu consagrado do 4º Festival Paulínia de Cinema. Em atitude ousada, o júri formado pela atriz Denise Weinberg, a diretora de fotografia Heloisa Passos, a crítica de cinema Isabela Boscov, o documentarista Gustavo Moura e o diretor Sérgio Rezende contrariou as expectativas de que um filme mais convencional seria contemplado – havia dois bons candidatos, os “filhos de Paulínia” O palhaço, de Selton Mello e Trabalhar cansa, de Juliana Rojas e Marco Dutra. Incorporar a irreverência da trupe de Febre do rato faz bem para a imagem do festival, que em apenas quatro anos, já é um dos maiores do país.

Na noite de quinta-feira, Febre do rato ganhou oito prêmios: melhor filme (júri oficial e crítica), ator, atriz, fotografia, montagem, direção de arte e trilha sonora. Apesar de sóbria, a cerimônia marcada por palavrões. O famoso bordão de Cláudio, “do c...”, foi repetido inúmeras vezes, inclusive por Selton Mello, ao receber o prêmio de melhor diretor. E também pelo secretário de Cultura, Emerson Alves, ao fazer o balanço do evento, que por sete dias atraiu 12 mil pessoas (27 mil, com os três dias de shows do Paulínia Fest). “Precisamos respeitar esse público. Provamos que ele pode encher os cinemas que passam filmes nacionais. Quanto à decisão do júri, ele poderia tomar a decisão mais simples e distribuir os prêmios igualmente. Mas com essa premiação, conseguimos o que todo festival quer. Ser o lugar onde diferentes vertentes podem se encontrar”.

Além dos oito troféus Menina de Ouro, a equipe de Febre do rato foi premiada com R$ 370 mil em dinheiro. Em resposta à pergunta recorrente sobre por que Paulínia, já que seu reduto tem sido o Festival de Brasília, Cláudio Assis responde: “quero encontrar o público, mostrar para ele que, quando se acredita numa ideia, podemos ir além e conseguir”.

Ao receber seu prêmio, a atriz Nanda Costa, invocou Clarice Lispector para descrever a experiência de ter feito parte da inflamada trupe de Febre do rato. “Depois do medo vem o mundo”. Zizo, o transbordante personagem vivido por Irandhir Santos, é uma homenagem a vários poetas, mas Xico Sá se lembrou do amigo de mesmo nome com quem andava nos anos 1980. “A diferença é que Zizo é feio e Irandhir, bonito”, disse o escritor, um dos responsáveis pelo argumento do filme. “O filme é ficção, mas funciona como documentário da minha geração, que frequentava o Beco da Fome. E atrapalhar a marcha do Sete de Setembro fazia parte da performance. Poesia é política. Glauber disse que isso seria demais para um homem só, por isso a dor. Nesse sentido, Febre é um pós-Terra em transe”.

No entanto, o momento mais emocionante da noite veio de Vladimir Carvalho, ao receber o prêmio de melhor documentário por Rock Brasília. Também premiado, seu irmão Walter Carvalho estava ausente por motivos de trabalho, mas agradeceu a Cláudio e a Vladimir, a quem chamou de poetas do cinema brasileiro. Em resposta emocionada, Vladimir disse que foi mais do que irmão de Walter, pois precisou criá-lo após a morte do pai. “Waltinho tinha apenas um ano de idade”. Com 50 anos de carreira, o diretor paraibano diz que o prêmio é uma injeção de ânimo. “Nem tudo são flores no nosso cinema. Há muita luta, muito que melhorar. No entanto, olho para Paulínia e vejo um oásis de esperança, de sinergia, de consequências positivas”.

* O repórter viajou a convite do Festival Paulínia de Cinema

Os premiados

Longa-metragem (Júri Oficial)

Melhor ficção
Febre do rato, de Cláudio Assis

Melhor documentário
Rock Brasília – era de ouro, de Vladimir Carvalho

Melhor diretor (ficção)
Selton Mello (O palhaço)

Melhor diretor (documentário)
Maíra Buhler e Matias Mariani (Ela sonhou que eu morri)

Melhor ator
Irandhir Santos (Febre do rato)

Melhor atriz
Nanda Costa (Febre do rato)

Melhor ator coadjuvante
Moacir Franco (O palhaço)

Melhor atriz coadjuvante
Maria Pujalte (Onde está a felicidade?)

Melhor roteiro
Selton Mello e Marcelo Vindicatto (O palhaço)

Melhor fotografia
Walter Carvalho (Febre do rato)

Melhor montagem
Karen Harley (Febre do rato)

Melhor som
Gabriela Cunha, Daniel Turini
e Fernando Henna (Trabalhar cansa)

Melhor direção de arte
Renata Pinheiro (Febre do rato)

Melhor trilha sonora
Jorge Du Peixe (Febre do rato)

Melhor figurino
Kika Lopes (O palhaço)

Prêmio Especial do Júri
Trabalhar cansa, de Juliana Rojas e Marco Dutra

Curtas (Júri Oficial)

Melhor filme
Tela, de Carlos Nader

Melhor direção
Gabriela Amaral Almeida (Primavera)

Melhor roteiro
Gustavo Suzuki (O pai daquele menino)

Júri da Crítica

Melhor ficção
Febre do rato, de Claudio Assis

Melhor documentário
Uma longa viagem, de Lucia Murat

Melhor curta
Tela, de Carlos Nader

Júri Popular

Melhor ficção
Onde está a felicidade?,de Carlos Alberto Riccelli

Melhor documentário
A margem do Xingu, de Damià Puig

Melhor curta
Café turco, de Thiago Luciano

(Diario de Pernambuco, 16/07/2011)

sexta-feira, 15 de julho de 2011

A política dos corpos nus



Paulínia (SP) – A produção pernambucana Febre do rato encerrou a mostra competitiva do Festival Paulínia de Cinema de maneira inesquecível. Antes mesmo de o filme começar, durante os agradecimentos, Cláudio Assis deu o tom de alegre ousadia. Beijou toda a equipe na boca, inclusive os apresentadores Rubens Ewald Filho e Marina Person. Pediu ao público que estava no fundo do teatro que viesse para as cadeiras da frente, reservada ao elenco. “Meu elenco senta no chão. E pode chamar quem ficou lá fora. Tem lugar pra todo mundo. A gente faz cinema assim, com emoção, vontade”, disse. Falou palavrões. E ainda convidou a todos para dançar.

Certamente, em seus quatro anos, o festival nunca havia mostrado um filme assim. Exibido anteontem, o longa de Cláudio Assis elevou à enésima potência o nível da competição, até então dividida entre o existencialismo colorido de O palhaço e a visão impiedosa da classe média que degringola em Trabalhar cansa. Assim, além de apoiar a realização de novas produções, Paulínia se firma também como lançadora de filmes nacionais, de olho na vitrine (são 150 jornalistas) e nos prêmios (total de R$ 800 mil – R$ 250 mil para o melhor longa).

Selton Mello fez um belo trabalho como roteirista, diretor, co-montador e ator de O palhaço. Deve ficar com boa parte dos prêmios. Mas será uma injustiça se o júri não reconhecer o desempenho de Irandhir Santos como o poeta Zizo. Com emoções à flor da pele e uma fluidez verborrágica para o texto de Hilton Lacerda, Irandhir está entregue ao papel de tal forma que, sem ele, Febre do rato não teria como existir.

Colaborador dos filmes de Cláudio desde o curta Texas Hotel, o diretor de fotografia Walter Carvalho pintou um Recife monocromático e em cinemascope. Em parte do tempo, a câmera está posicionada debaixo de pontes ou correndo pelo leito do Capibaribe. O poeta Zizo é um personagem autônomo, mas é possível enxergar nele poetas marginais do Recife, como o próprio Zizo, Erickson Luna, França e Miró. “É a nossa forma de homenagear essa geração”, disse o roteirista Hilton Lacerda, também autor das poesias.

“Tudo será mostrado com generosidade”, garantiu o diretor, durante as filmagens, em setembro do ano passado. E cumpriu. Não faltam cenas de sexo. Nunca pornográficas, mas eróticas ou bizarras (como quando Zizo se esfrega numa máquina de Xerox). Há um quadrilátero amoroso e a relação romântica entre Pazinho (Matheus Nachtergaele) e a travesti Vanessa (Tânia Moreno). Num tonel, Zizo transa com duas mulheres mais velhas (Conceição Camarotti e Maria Gladys). “O que ele sente por elas é amor, amor que se atreve para reinventar. E o sexo passa por isso”, conta Irandhir.

“O que ele sente por elas é amor, amor que se atreve para reinventar. E o sexo passa por isso”, conta Irandhir. A cena em que Zizo segura Eneida (Nanda Costa) com uma das mãos, para que ela se incline na borda de um barco, enquanto molha a outra mão com a urina da garota, é uma das mais lindas declarações de amor do cinema. Não o amor burguês, paralisante, mas aquele forjado na liberdade, capaz de deflagrar energia criativa. É a política dos corpos nus, cuja genitália é mostrada de forma coloquial, tão comum que voltamos a prestar atenção no filme.

Zizo olha para o Recife como uma utopia possível. Ele edita um jornal impresso no fundo do seu quintal, que divulga microfone em punho, em carro de som. Indignado com o conformismo dos normais, nas palavras do poeta, com o “festival do eu acanhado”, ele circula por favelas e pelo centro da cidade, conclamando a revolta. Evoca Chico Science: “cadê tua ciência pra esclarecer?”. É a cidade reinventada, transcendente.

Com a mesma gana, na coletiva para a imprensa, Cláudio Assis fez o mesmo e assumiu o controle da mesa. Palavras de ordem não faltaram. “O cinema brasileiro é careta”. Muito menos xingamentos, como os dirigidos para os gestores da Prefeitura do Recife. “A gestão do PT é nojenta. Gastamos R$ 1,5 milhão na cidade e a prefeitura não deu um centavo em troca. Pelo contrário, pagamos à CTTU para fechar as ruas”.

O protesto é compreensível. Já disse Glauber Rocha: “A arte é tão difícil quanto o amor”. E o amor não admite meio termo. Para chegar a ele, é preciso coragem, desprendimento, assumir riscos, não ter medo de errar. E isso, Febre do rato tem de sobra.

(Diario de Pernambuco, 15/07/2011)

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Coluna de lançamentos, bastidores e "eu indico" da semana



Rango (EUA, 2011). De Gore Verbinski. Universal.

Desenho animado ou inventário de referências cinéfilas? Eis a dúvida levantada pela animação estrelada por um lagarto (voz de Johnny Deep), que acerta ao revisitar um Velho Oeste habitado por animais do deserto. E funciona tanto como produto de entretenimento como tributo a grandes filmes do passado. A comédia se dá principalmente pela inépcia do lagarto em cumprir papel de herói. E de uma banda de corujas mexicanas, que se esforça para entrar com o tema musical na hora errada.



Sem limites (Limitless, EUA, 2011). De Neil Burger. Imagem.

Jovem escritor (Bradley Cooper) não consegue produzir até que ingere misteriosa droga que aumenta sua capacidade cerebral. Turbinado, ele enxerga as inúmeras possibilidades ao redor e se torna rico e socialmente influente, o que desperta o interesse associativo de poderoso empresário (Robert De Niro). Porém, a disputa oculta pelo controle da substância o atrapalha, enquanto lhe surgem perigosos efeitos colaterais. Se a droga fictícia é uma metáfora para as existentes, não importa. O filme funciona como crítica às ambições modernas.



Garapa (Brasil, 2009). De José Padilha. 110 minutos. Vinny Filmes.

Lançado em DVD pela mesma distribuidora de Tropa de Elite 2, o filme anterior de Padilha é um documentário em preto e branco sobre pessoas que vivem abaixo da linha da pobreza. Com forte granulação, as imagens são 100% dedicadas aos que sentem fome e outros impactos da miséria, econômica ou social. Não há vozes externas para explicar ou teorizar o assunto. O objetivo é forçar o espectador a conviver com aquelas famílias. E o confinamento a essa realidade não é nada fácil.

EU INDICO



Exit Through the Gift Shop (EUA, 2010), de Banksy. Indicado a melhor documentário na última edição do Oscar, e apesar das suspeitas de se tratar de uma ficção, é uma visão crítica sobre o mundo da arte e suas relações contemporâneas com o consumo e a indústria do entretenimento. Vale também como um panorama sobre alguns dos artistas de rua mais interessantes deste começo de século.

Sebba Cavalcante, designer e editor da UNArevista (www.unarevista.com)

BASTIDORES

PE em Locarno - Os curtas pernambucanos Praça Walt Disney, de Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira e Mens sana in corpore sano, de Juliano Dornelles, representam o Brasil na mostra Pardi di domani do 64º Festival de Locarno (Suíça). O evento será entre 3 e 13 de agosto.

Tatuagem - Em Paulínia, o produtor João Júnior confirma Irandhir Santos como protagonista de Tatuagem, primeiro longa de Hilton Lacerda. Filmagens começam em novembro, no Recife.

Lilith em Garanhuns - Vinte e seis filmes-poemas baseados no livro As filhas de Lilith, de Cida Pedrosa, serão exibidos pela primeira vez neste sábado, 15h, durante o lançamento de Olhares sobre Lilith, no Festival de Inverno de Garanhuns.

Animação - O 3º Festival Internacional de Animação de Pernambuco – Animage ampliará o circuito para o Nascedouro de Peixinhos, o Parque Dona Lindu e o Cine São Luiz. Sessões no Centro Cultural Correios, Cinema da Fundação e Parque 13 de Maio continuam. Inscrições abertas até o dia 29. Festival será de 30 de setembro a 7 de outubro.

Gramado - O concurso cultural que leva um leitor do Diario para o Festival de Gramado continua. Para se inscrever, basta enviar resenha crítica sobre qualquer filme em cartaz no Recife. O autor do melhor texto viajará, com as despesas pagas, onde participará do júri popular. O texto de até 35 linhas, enviado para andredib.pe@dabr.com.br, até dia 25.

O lobo do homem


A produtora Sara Silveira e os diretores Juliana Rojas e Marco Dutra, antes da sessão de Trabalhar cansa
Foto: Aline Arruda / Agência Foto

Paulínia (SP) - Representante brasileiro no último Festival de Cannes, o longa-metragem Trabalhar cansa foi recebido com entusiasmo em sua primeira exibição no país, terça-feira à noite, no Paulínia Festival de Cinema. É sem dúvida o melhor filme selecionado pelo evento, que até então, tinha O palhaço, de Selton Mello, como favorito único aos troféus Menina de Ouro. Produção de Sara Silveira dirigida por Juliana Rojas e Marco Dutra, Trabalhar cansa faz um tenso retrato de uma classe média suburbana, incapaz de manter seu padrão de consumo.

No momento seguinte em que uma dona de casa (Helena Albergaria) resolve assumir um mercadinho falido, seu marido Otávio (Marat Descartes) perde o emprego no qual dedicou os últimos dez anos. Ainda nos preparativos do novo empreendimento, o mal-estar na família se impõe aos indícios de que algo misterioso está em andamento. E, afinal, o que aconteceu com o antigo dono do mercado?

É como se o filme Os inquilinos, de Sérgio Bianchi, fosse co-dirigido por David Lynch. Sons fantasmagóricos, cachorros latindo e objetos bizarros dão a entender que simbolizam o processo de perturbação dos personagens, cada vez mais oprimidos pelos compromissos financeiros. O resultado é uma história transgênero, que expõe o mecanismo torturante que move as relações reguladas pelo capitalismo. “O homem é o lobo do homem”, disse o filósofo Thomas Hobbes. Revelar mais do que isso sobre o filme seria estragar a experiência.

(Diario de Pernambuco, 14/07/2011)

quarta-feira, 13 de julho de 2011

A vez da Febre em Paulínia



Paulínia (SP) – Febre do rato, novo filme de Cláudio Assis, será exibido pela primeira vez na noite de hoje, encerrando a mostra competitiva do 4º Festival Paulínia de Cinema. Estrelado por Irandhir Santos e Nanda Costa, o filme ainda traz Matheus Nachtergaele, Juliano Cazaré e Vítor Araújo no elenco. A equipe é formada por gente que desde sempre acompanha o diretor: Walter Carvalho (fotografia), Renata Pinheiro (direção de arte), Hilton Lacerda (roteiro). A trilha sonora é de Jorge Du Peixe (Nação Zumbi). Para prestigiar o evento, marcam presença os diretores Marcelo Gomes, Lírio Ferreira e Karen Harley, a atriz Hermila Guedes, Mariah Teixeira, o jornalista e escritor Xico Sá e os músicos Junio Barreto e Lirinha.

Paulínia quer investir na imagem de festival democrático, daí podemos entender a presença de Febre do rato na seleção deste ano. Dependendo de seu teor, um produto autoral e sem concessões pode se tornar corpo estranho no festival, afeito a celebridades e lançamentos comerciais. Como o próprio Assis, que não mede palavras ao dizer o que pensa. No entanto, com exceção de sexta a noite, quando criticou um dos filmes em competição e classificou com palavrões os “mangueboys da prefeitura do Recife”, o diretor tem se mostrado distante da figura beligerante que forjou ao longo da década. Ele sabe que o páreo com Selton Mello e seu O palhaço será duro. A produção é “filha” de Paulínia tem qualidades de sobra para ganhar os troféus principais.

Com distribuição garantida pela Imovision, Febre do rato ainda não tem data de estreia no circuito comercial. Certamente não será em 2011. No entanto, Claudio visualiza uma première no Recife ainda este ano. E já esboça dois novos filmes, um baseado em livro inédito de Xico Sá e outro, em livro infantil escrito por Paulo Lins, autor de Cidade de Deus.

A expectativa em torno do filme tem sido grande. Nove anos após se lançar nacionalmente no Festival de Brasília, Claudio Assis retorna ao Recife como cenário, o que permitirá a revisão de locações emblemáticas como o bairro da Boa Vista, os bares do Pátio de S. Pedro e favelas do centro da cidade. Antes de estrear, o filme chamou a atenção pela repressão policial sofrida durante as filmagens na Rua da Aurora, em que Irandhir, Nanda e outros atores tiraram a roupa publicamente. Publicada primeiro pelo Diario, a notícia repercutiu nacionalmente. Para o diretor, as cenas de nudez não deveriam causar tanto espanto ou causar a ação armada. “O ator tirar a roupa com a rua fechada não tem nada de violento. Violência são esses programas policiais que todo dia passam para as crianças na TV. As pessoas que moram na favela são tratadas de qualquer jeito e depois a classe média não quer a porrada como resposta”.

Não se sabe se a bordoada supracitada - ou qualquer outra - estará na película. Provavelmente sim. No entanto, o diretor define a nova cria como um filme de poesia. “Consegui imprimir coisas que não cabiam em Amarelo manga. É o nosso olhar sobre a vida, o quanto se paga para ser quem você é. Até se encontrar, as pessoas se enganam”, disse o diretor. Febre do rato é também um retorno a fotografia em preto e branco, já experimentada no curta Soneto do desmantelo blue (1993), baseado em obra do poeta Carlos Pena Filho. De acordo com o diretor, não houve muito dilema. “Não tenho tempo para crises. A opção pelo preto e branco foi feita em equipe, para privilegiar a poesia. E a fotografia PB e ideal para isso”.

A solidão artística tampouco tem sido problema para Claudio. “Dizem que eu sou terrível. Sou nada, sou uma besta, um romântico anacrônico. Não importa o que eu sou, o que importa são os filmes. Aprendi cinema fazendo cineclube, não na faculdade, e no tempo em que cineclube não era chapa-branca que é hoje”.

Na produção atual, cita poucos autores com os quais se identifica: Eduardo Nunes, Beto Brant, Hilton Lacerda, Camilo Cavalcante (“que está fazendo o primeiro longa”), Kleber Mendonça Filho (“estou louco pra ver o filme dele”) e Marcelo Gomes. “Aumentou a produção no Brasil, o governo Lula teve muito a ver com isso, em Pernambuco o governo estadual está bem atuante. Novos olhares vão surgir. E cada um faz o que quer, tem quem queira o cinemão de Hollywood, tem quem queira ir pra Globo. O meu cinema é plugado no social e no compromisso com a arte”.

(Diario de Pernambuco, 13/07/2011)

Crise na terceira idade

Noite de segunda-feira irregular em Paulínia. O destaque foi para o curta catarinense Qual queijo você quer?, de Cíntia Domit Bittar. O filme extraiu poesia ao narrar com humor a crise conjugal de um casal na terceira idade, interpretado por Henrique César e Amélia Bittencourt, dois veteranos do teatro gaúcho que fizeram carreira em São Paulo. Com isso, quebra com mérito a hegemonia de uma seleção baseada em curtas paulistas e gaúchos, em sua maioria, pretensiosos e vazios.

O documentário Ibitipoca, droba pra lá, de Felipe Scaldini, foi outra boa surpresa. A princípio, parecia ser mais um filme sobre pessoas abandonadas em lugares inóspitos, parados no tempo, foco em baba escorrendo da boca, dentes apodrecidos e mãos machucadas pelo trabalho na enxada. A fabulação desses personagens, inclusive das crianças, rendem bons momentos e consagram essa instituição chamada “conversa de mineiro”: assombração, cachaça, deus e diabo e por aí vai. Até que surge o elemento externo, uma indústria de turismo que se instalou no local, que trouxe mudanças já conhecidas em parques nacionais do tipo. A discussão passa pelo discurso sentimental, mas não chega a ser um lamento.

O longa de ficção Os 3, de Nando Olival, apresenta uma suposta história de amor a partir de triângulo amoroso formado por estudantes universitários. Após a formatura, aceitam tornar a sua casa palco de reality show em que o púbico pode arrastar itens de consumo e compra-los em loja virtual. A ideia de fazer critica às relações 2.0 é interessante e poderia gerar um bom filme, se a construção dos personagens, e das condições que os aproximam, não fossem tão artificiais.

(Diario de Pernambuco, 13/07/2011)

terça-feira, 12 de julho de 2011

Domingo difícil em Paulínia



Noite difícil, a de domingo no Festival de Paulínia. Dois longas, a ficção Onde está a felicidade?, de Carlos Alberto Ricelli, e o documentário Cidade-Imã, de Ronaldo German, fizeram lembrar momentos constrangedores de outras edições do festival, como Doze Estrelas, de Luiz Alberto Pereira e Destino, de Lucelia Santos.

Nem tão feliz - A comédia romântica de Ricelli e Bruna (mais dela do que dele) não chega a ser tão ruim quanto estes, mas, até agora, é o pior filme do festival. Na coletiva de ontem, perguntas do tipo "vocês encontraram a felicidade fazendo o filme?" dão uma ideia do espírito do projeto.

A trama: casados há 11 anos, Teodora (Bruna) e Nando (Bruno Garcia) entram em crise após ela descobrir que ele mantém relacionamento virtual. Seu programa televisivo de culinária também foi para as cucuias, então, para se livrar dos remédios e se "espiritualizar", resolve percorrer o Caminho de Santiago de Compostela, acompanhada pelo produtor (Marcello Airoldi), que no caminho investe em piloto de um novo programa. A estrutura por ele pensada vai sendo assumida pelo próprio longa, uma mistura de relacionamento e sexo, guia de turismo, gastronomia e auto-ajuda. Até aí tudo bem, dentro da proposta "leve e divertida" assumida pelo filme. O problema é que o roteiro desperdiça as oportunidades que cria para que os personagens evoluam.

Aos 58 anos, Bruna continua linda, e o roteiro traz boas piadas, mas isso não basta para que o longa se sustente, principalmente depois de uma abrupta viagem para a Serra da Capivara, que mais parece um institucional do Governo do Piauí. "Aquilo não foi jabá", disse Bruna, na coletiva. "Tenho vontade de filmar no Piauí desde que sou criança". Além do papel principal, ela escreveu o roteiro, daí o ponto de vista ou o preconceito) feminino sobre o estereótipo machista, materializado em grupo de comentaristas esportivos do qual o marido abandonado faz parte.

Cidade-Imã parte da boa ideia de apresentar cinco músicos estrangeiros que, em diferentes momentos, adotaram o Rio de Janeiro como lar. Sao interessentes visões sobre a cidade, como ela é apaixonante de violenta, sobre como o caos a ela inerente pode ser produtivo para artistas. Mas a linguagem do filme, que intercala uma colagem de depoimentos para construir um discurso único, não ajuda e o todo se torna cansativo. Pena.

ABRACCINE - Na tarde de domingo, 28 críticos e jornalistas fundaram a Associação Brasileira dos Críticos de Cinema, entidade inédita que pode fortalecer e incentivar a atividade. Em passagem recente pelo Brasil, o cineasta Werner Herzog disse que a crítica está em extinção, pois seu espaço na imprensa está sendo ocupado pelo noticiário sobre celebridades e astros de cinema. Nesse contexto, a ABRACCINE surge como uma resposta. O presidente eleito é Luiz Zanin, decano do Estado de S.Paulo. Em Pernambuco, críticos com mais de dois anos de atividade podem requisitar inscrição através do crítico Luíz Joaquim (ljoaquim@yahoo.com.br).

(Diario de Pernambuco, 12/07/2011)

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Festival de filmes venezuelanos no Cinema São Luiz



Pernambuco tem uma ligação especial com a Venezuela: o general Abreu e Lima, que lutou com Bolívar pela libertação da América espanhola. A refinaria que está sendo construída em Suape leva o nome do militar por causa de uma parceria ainda não efetivada pelo presidente Hugo Chávez , admirador do herói da independência. São afinidades históricas e comerciais que, com o apoio do governo do estado e do Consulado da Venezuela no Recife, neste mês de julho começam a tomar forma de intercâmbio cultural através do Mês da Venezuela em Pernambuco.

A Semana de Cinema Venezuelano no Cinema São Luiz, que começa hoje às 19h, faz parte desse movimento. Os quatro filmes do festival foram escolhidos de forma a representar a diversidade do atual momento do cinema venezuelano. São eles: Postais de Leningrado (hoje), a comédia Eu gosto (amanhã), o documentário Quando a bússola marcou o sul (quarta); e o drama histórico Venezzia (quinta). Este último, informa o programador Geraldo Pinho, será colocado em cartaz no Cinema São Luiz como um primeiro passo para um diálogo que pode levar a produção pernambucana para os cinemas da Venezuela.

Diretora de Postais de Leningrado, Mariana Rondón está no Recife e conversa com o público no final da sessão. Ambientado nos anos 1960, o filme foi exibido no Brasil na Mostra de São Paulo, no Cinesul do Rio de Janeiro e em 2008 foi eleito o melhor Cine Ceará. Sua protagonista é uma menina de dez anos, que recria o desaparecimento dos pais guerrilheiros com humor e fantasia (há trechos de animação). Em entrevista ao Diario de Pernambuco, ela fala sobre seu trabalho, a situação do cinema em seu país.

Entrevista >> Mariana Rondón: “O cinema latino-americano sempre foi político”
Postais de Leningrado trata de drama comum aos filhos dos que resistiram às ditaduras latino-americanas. Tem a ver com a sua história pessoal? É uma história pessoal, uma autobiografia. Talvez as coisas não fossem como as conto, mas nas minhas recordações eram assim e tratei de respeitá-las, assim como meus esforços para reconstruir as histórias, para entendê-las. Eu sabia pequenos segredos e sabia que existia um perigo e a partir disso tratei de reconstruir o que aconteceu com meus pais. Ao ser tão pessoal não me atrevo a generalizar em relação a outros países mas, sim, creio que nos últimos anos surgiram filmes similares em outros países do continente, que abordam os movimentos políticos dos anos 1960 e 1970 do ponto de vista infantil.

Tramas marcadas pela política e o embate ideológico estão presentes em pelo menos três dos quatro filmes apresentados na mostra do Recife. Isso reflete o atual momento de seu país? Postais é fundamentalmente um filme sobre o medo e como ele pode ser utilizado para machucar e amendrontar. No caso das crianças eles só tem a imaginação para se defender. Assim, mais que um filme sobre política, é sobre a imaginação em oposição a qualquer componente armado. Ainda assim, acredito que o cinema latino-americano sempre se caracterizou por ter a política presente em suas temáticas.

Como funciona a circulação de filmes na Venezuela? Há muitas salas de cinema? Ou são mais voltados para a televisão? Existem poucas salas de cinema e sua maioria, nos centros comerciais. Inclusive cidades importantes têm cinemas em mau estado de conservação. Mas graças a uma lei, os exibidores são obrigados a manter filmes nacionais em suas salas por pelo menos duas semanas. Isso permite que o cinema nacional tenha grandes audiências, que continuam além das duas semanas garantidos por lei.

No Brasil, a maior parte dos filmes é feita a partir de editais governamentais. De que forma o cinema é feito na Venezuela? A lei do cinema, fruto de muitos anos de trabalho, estabelece que todos os que trabalham no meio devem pagar impostos que serão revertidos para o cinema nacional. O mesmo ocorre com a publicidade, a televisão, os exibidores de filmes, todos contribuem com o Fondo de Promoción y Financiamiento del Cine (Fonprocine). A partir dele, apresentamos projetos que serão julgados e, se selecionados, recebemos 50% do valor necessário para realizar o filme. Tudo isto sob a tutela do Centro Nacional de Cinematografia. Por outro lado, está uma grande casa produtora, gerida pelo estado, uma fundação chamada Villa del Cine.

Como o cinema venezuelano pode dialogar com o brasileiro? Que parcerias podem haver entre os dois países? Apesar da diferença de idiomas, existe grande semelhança na forma de ser entre o brasileiro e o venezuelano. Isso renderia uma interessante construção de histórias e de uma cinematografia comum.

No que tem trabalhado atualmente? No começo de 2011 estreamos no Festival de Berlim e também em salas venezuelanas o filme El chico que miente, dirigido por Marité Ugás e produzido por mim. Este primeiro semestre do ano foi dedicado a promoção e distribuição deste filme, o que tem sido muito emocionante pela maravilhosa acolhida que vem obtendo. Esperamos poder trazê-la ano que vem para o Recife.

Fim de semana movimentado em Paulínia



O Festival de Paulínia cresceu tanto que pegou os próprios organizadores de surpresa. Mais gente do que o previsto obrigou o evento a promover sessões extras e repensar o sistema de acesso ao Theatro Municipal, que continua gratuito, mas agora com distribuição de senhas. Na sexta à noite, a grande expectativa pelo longa O palhaço, de Selton Mello, atraiu 2.800 pessoas ao local – o teatro comporta 1.800. Dentro, antes do filme começar, o “circo” já estava armado por um grupo de cerca de 100 pessoas que assistiram o filme anterior e se recusaram a deixar a sala. Shows de Caetano (sexta) e Gilberto Gil (sábado), promovidos ao lado do teatro após os filmes, foram motivos a mais para a superlotação.

Varias vezes aplaudido, de pé ao final, o aguardado longa O palhaço, de Selton Mello, teve uma boa recepção também pela crítica. Na apresentação, a produtora Vania Catani disse que, ainda criança em Montes Claros, assistiu a Paulo José vestido de palhaço. Anos depois, seu primeiro filme foi com o ator. Apesar de não ser autobiográfico, o filme também se mostra bastante pessoal para o diretor.

Colorido e sem sombras, O palhaço dedica um olhar sensível e delicado sobre a importância dos artistas populares. Foco na crise pessoal do palhaço Benjamin (Mello), que lidera com o pai (Paulo José) uma trupe circense por pequenas cidades de Minas Gerais. Sempre que não está no picadeiro, o olhar de Benjamin deriva ao infinito. Dilemas se resolvem em intervalos de silencio, ou em diálogos reticentes.

Participações especiais de Moacir Franco, Tonico Pereira, Ferrugem, Jackson Antunes e Jorge Lorêdo (Zé Bonitinho) fazem de O palhaço um belo tributo aos artistas do riso e também uma forma do diretor se declarar parte dessa linhagem. “O filme nasceu da vontade de falar sobre identidade, vocação, seu lugar no mundo, dilemas pessoais. É assunto caro a todos nós, palhaços, médicos ou jornalistas. É universal”. Ao que parece, depois da tortura emocional que foi Feliz Natal, sua estreia na direção, Mello conseguiu se encontrar. O filme entra em cartaz dia 28 de outubro.

Ainda na sexta, a competição de documentários iniciou com o biográfico Uma longa viagem, em que Lucia Murat aborda a contracultura dos anos 1970 através da história do irmão mais novo, Heitor. Presa por envolvimento na guerrilha, Murat encontrou nele a forma de, anos depois, saber o que se passava no mundo, a partir de seu exílio em Londres. O filme se faz no contraste entre as cartas enviadas para tranquilizar os pais, lidas dramaticamente pelo ator Caio Blat, e sua descrição do que realmente ocorreu, mundo afora. Sequelado pelo consumo excessivo de drogas, Heitor conquistou a plateia com uma sinceridade e lucidez que só os loucos são capazes.

Pais e filhos - A noite de sábado começou com a adrenalina de Rock Brasília – anos de ouro, de Vladimir Carvalho. A história da turma de desajustados que fundou as bandas Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude é contada com depoimentos dos integrantes, imagens de arquivo, dramatização e uma breve animação. O filme se torna ainda mais humano ao focar na relação entre os pais, diplomatas, professores e burocratas, e seus filhos que fundaram praticamente do nada uma potente cena cultural. Isso, aliado a entrevista inédita com Renato Russo, o caminho refeito do primeiro show fora do Distrito Federal e cenas do turbulento show no ginásio Mané Garrincha mantiveram o publico atento até os aplausos finais.

Distribuído pela Downtown Filmes, o doc de Vladimir tem tudo para ser um sucesso. E Renato Russo está com tudo. É bom lembrar que duas outras produções, uma biográfica e outra baseada em sua obra, estão sendo rodadas em Paulinia: Somos tão jovens e Faroeste Caboclo.

Longa de estreia de André Ristum, Meu país (co-produção Brasil-Itália assinada pelos irmãos Gullane) se mostrou mais do que um filme estrelado pelos famosos Rodrigo Santoro, Cauã Reymond e Débora Falabella. Eles interpretam (e muito bem) três irmãos de família classe média-alta, que após morte do pai (Paulo José), precisam resolver assuntos pendentes. O filme é 100% construído a partir desse círculo íntimo. Reymond leva inconsequente vida de playboy; Santoro, que fez carreira na Itália, se identifica mais com a irmã bastarda (Falabella) que até então desconhecia. O resultado destoa positivamente do atual cinema comercial brasileiro, dividido em comedias superficiais e melodramas apelativos.

Internet – Parceiro do festival, o Youtube inaugurou seu portal de cinema na tarde de sábado, em debate sobre distribuição em que participaram Jose Padilha, Marco Aurelio Marcondes e Fabio Lima, da Mobz. “A autodistribuição é fundamental porque o fundamental no cinema é o talento. Quem exerce o talento tem direito de ter o resultado do seu trabalho”, disse Marcondes. Do encontro surgiu a possibilidade de uma versão brasileira do projeto Life in a day, a ser dirigida por Padilha e veiculada no Youtube.

sábado, 9 de julho de 2011

Segredo japonês



Paulínia (SP) – Com a exibição do longa Corações sujos, teve início na última quinta-feira o 4º Festival Paulínia de Cinema. A casa estava cheia - o imponente Theatro Municipal – e muitos aplausos foram provocados pelo filme de Vicente Amorim, baseado em livro homônimo de Fernando Morais. A cerimônia de abertura reuniu realizadores e artistas dos filmes que serão exibidos durante o evento, que termina na quinta-feira. Estavam lá o ator Paulo José, protagonista de O palhaço, de Selton Mello; Cláudio Assis, diretor de Febre do rato; Vladimir Carvalho, diretor de Rock Brasília – anos de ouro; e o casal Carlos Aberto Ricelli e Bruna Lombardi, de Onde está a felicidade?, dirigido por Ricelli.

Corações sujos se passa em 1946 e aborda a tragédia que recai sobre colônia de imigrantes japoneses recém chegada ao Brasil, quando um deles, um militar do império, se recusa a acreditar que o Japão perdeu a guerra e persegue os “corações sujos” que admitem a derrota. Por outro lado, recém-chegados ao Brasil, o grupo sofre com a Lei de Repressão aos Súditos do Eixo, que limitava sua vida social e declarações de amor à bandeira do Sol Nascente. A atmosfera de abandono e cenas de luta à bala e espadas remetem a um interessante cruzamento de filmes de faroeste e samurai.

É uma história de amor e sangue, sobre a manutenção de uma honra distorcida, que perdeu o sentido em outro tempo e espaço. O filme se passa no Brasil, mas é falado 99% em japonês. Traz mais “legitimidade” ao projeto a presença do ator Tsuyoshi Ihara como protagonista. Ele faz parte do elenco principal de Cartas para Iwo Jima (2006), de Clint Eastwood, que também se passa na Segunda Guerra Mundial. “Antes de ler o roteiro confesso que não conhecia essa história, porque a educação japonesa omite informações desse tipo. Mas como sou neto de coreanos, para mim foi fácil entrar na pele de um imigrante que sofre em outro país”, conta Ihara.

Em Corações sujos, ele é Takahashi, fotógrafo que se apaixona pela professora Miyuli (Takako Tokiwa), mas que se perde espiritualmente ao cumprir ordens de Watanabe (Eiji Okuda) para executar os japoneses “infiéis”. Na vila há um núcleo brasileiro, liderado pelo sub-delegado (Eduardo Moscovis), que pouco faz para proteger os perseguidos.

Fernando Morais disse que não encontra muitos paralelos entre Corações sujos e Olga, outra adaptação de obra sua para o cinema. “Olga está mais próxima do livro. Em Corações, Amorim tomou a liberdade dramatúrgica de incluir a mulher na trama, sem desvirtuar a história real”.

A escolha de Corações sujos para abrir o festival foi acertada, dada a forte presença da cultura japonesa no interior de São Paulo, onde se passa a história, e o fato de ter sido filmado nos estúdios de Paulínia, que entrou também com o financiamento de parte da produção, assinada pela Mixer, Downtown e Globo Filmes. Afora o melodrama excessivo (a trilha sonora ao som de violinos é redundante), o filme tem qualidades e deve render boa bilheteria no fim de outubro. Tudo isso fará bem ao polo, que tem investido milhões para ser referência nacional.

Humor - Antes do filme, a dupla de humoristas Leandro Hassun e Marcius Melhem, do programa televisivo Os Caras de Pau, acabaram com qualquer protocolo que cerimônias de abertura costumam ter. Foram várias as piadas ferinas, das quais nem mesmo os organizadores da festa, o secretário de cultura e o prefeito de Paulínia, escaparam.

Rita Lee - Este ano o Festival de Paulínia também é de música. Depois do filme, Rita Lee se apresentou ao lado do Theatro, em uma super-estrutura montada especialmente para o evento. Outras atrações são Seu Jorge, Vanessa da Mata, Caetano Veloso e Gilberto Gil.

(Diario de Pernambuco, 09/07/2011)

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Adorada Ave Sangria

Na noite de sábado, o Baile do Seu Waldir reuniu cerca de 800 pessoas no Mercado Eufrásio Barbosa, Olinda, no que se revelou um revival estético do desbunde rural/psicodélico dos anos 1970. Três bandas foram convocadas: Dunas do Barato, Semente de Vulcão e Anjo Gabriel. Esta última, na função de “cozinha” para Marco Polo reeditar as antológicas canções do Ave Sangria, a atração principal.

No conjunto, ficou clara a adoração jovem (salvo exceções, músicos e público estão na faixa dos 20) pela sonoridade, figurino e a postura de palco que marcaram a geração “udigrudi”. Não foi difícil perceber citações a Novos Baianos, Mutantes, Zé Ramalho, Marconi Notaro, Alceu Valença e Secos e Molhados. Dois “cover” de Gal Costa, Mal secreto e Luz do Sol, do álbum A todo vapor (1971), tocados pela Dunas do Barato, estão entre os melhores momentos da noite.

Uma ressalva às condições do Mercado Eufrásio para eventos musicais, quente demais e com históricos problemas de acústica. Colocar para funcionar o ar condicionado central (o sistema de canalização está pronto faz tempo) já seria um avanço. Nada a ver com a competência da produção da festa, que fez um bom trabalho, mas com outro antigo problema, a falta de espaços para shows de médio porte no Recife.

Quando Marco Polo subiu ao palco, por volta das 2h, uma animosidade quase litúrgica se instalou no ambiente. Músicas clássicas como O pirata, Hei man, Dois navegantes e Lá fora, foram cantadas em coro. Seu Waldir, o “dono da festa”, foi ovacionado. Prova da vitalidade do Ave Sangria e da relevância cultural de toda uma geração. E por outro lado, da carência de referências atuais à altura dos anseios da juventude contemporânea, que precisa voltar ao passado para se sentir viva. Uma busca que parece ficar no plano das aparências, que não passa pelo plano politico ou comportamental que guiaram os jovens de 40 anos atrás.

(Diario de Pernambuco, 04/07/2011)

domingo, 3 de julho de 2011

Brasil revelado em Correntes e Tracunhaem

A caravana Revelando os Brasis está em Pernambuco para apresentar os vídeos contemplados pelo projeto que investe no audiovisual realizado em cidades com até 20 mil habitantes. Dois municípios pernambucanos foram incluídos nesta última edição, Correntes e Tracunhaém. NO sabado, os vídeos foram exibidos em Correntes (Avenida Agamenon Magalhães). Hoje a sessão é no Recife (Nascedouro de Peixinhos), às 19h30; e na quarta, em Tracunhaém (Praça Costa Azevedo), às 19h30.

De Correntes vem a ficção A rapadura é nossa, com roteiro, direção e produção da professora e historiadora Maria Filomena Camelo de Vasconcelos. De Tracunhaém, outra ficção, A arte do barro, de Roberto Belo. Antes de realizar seus projetos, selecionados por um concurso nacional de histórias, ambos participaram de uma oficina no Rio de Janeiro onde aprenderam os princípios do roteiro, produção, direção, som, fotografia, direção de arte, edição e comunicação. Após circular pelo país com a caravana, os vídeos serão incluídos em uma caixa de DVDs.

Baseada em fato real, A rapadura é nossa conta o que aconteceu quando moradores de um engenho descobrem que a rapadura foi patenteada por uma empresa alemã. Criado em 2004 e realizado pelo Instituto Marlin Azul, o Revelando os Brasis conta com o patrocínio da Petrobras e parceria com a Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura.

(Diario de Pernambuco, 02/07/2011)

Buenos Aires daqui



Apresentar imagens de pequenas cidades das quais, quando muito, só ouvimos falar, parece ser objetivo instigante. É nessa direção que o fotógrafo Josivan Rodrigues pretende se lançar a partir de agora. Seu primeiro trabalho, o livro Buenos Aires, Brasil, acaba de sair da gráfica. E na próxima quarta-feira, uma exposição com 30 postais de Buenos Aires, Zona da Mata Norte de Pernambuco, será inaugurada no Centro Cultural General San Martín, Buenos Aires, Argentina.

Qual não será a surpresa dos portenhos em saber que no Nordeste brasileiro existe uma cidade de 12 mil habitantes com um time de futebol chamado Boca Junior (sem o "s" no final), uma torcida organizada pró-Argentina, e moradores capazes de preferir Maradona a Pelé? Há até um Peñarol Futebol Clube. O time é uruguaio, mas não deixa de ser pitoresco.

A ideia inicial era simplesmente apresentar uma cidade à outra, mas hoje Josivan vê essa “missão diplomática” como um processo de autodescoberta. “Apresentar a nossa Buenos Aires para os argentinos cria um advento não só para eles, mas para nós mesmos”. A vontade de editar um livro surgiu em abril, durante as oito viagens que Josivan fez a Buenos Aires, a 93 quilômetros do Recife. “O livro talvez seja o suporte ideal para a fotografia”.

Coerente com a estética dos postais, a maioria das fotos de Buenos Aires remete a paisagens da cidade. Há também cenas do cotidiano, do time Boca Juniors e seu mascote (um bode) e de brincantes do caboclinho e maracatu. “Quero discutir a identidade, a invenção das tradições”, conta Josivan. “O que de fato importa é que, a partir da inspiração de um nome, lá existe um Boca Juniors, uma torcida, assim como poderia ter uma fábrica de alfajor”.

Tão interessante quanto o projeto é a estratégia adotada por Josivan para viabilizá-lo: o financiamento colaborativo, também conhecido como crowdfunding. Através de redes sociais como o Facebook, o fotógrafo conseguiu mobilizar uma centena de pessoas, que investiram diretamente no projeto, em cotas de R$ 50. O montante arrecadado, R$ 11.950, corresponde a 99,5% do valor necessário.

“O Facebook foi fundamental. Sem ele não sei se teria funcionado”, conta Josivan. “É uma forma muito prática de viabilizar ideias, sem ficar à mercê de editais ou de um único patrocinador”.

Em agosto, depois da exposição na Argentina, Buenos Aires, Brasil será lançado em Buenos Aires-PE e também no Recife. Nos próximos meses, ele pretende fotografar outras cidades batizadas com nomes de metrópoles, como Nova Iorque, no Maranhão. Além disso, há planos para Vertente do Lério, Carnaubeira da Penha, Afrânio, Ipubi e Solidão, cidades que, segundo o fotógrafo, precisam estar melhor representadas na iconografia oficial do estado.

Buenos Aires, Brasil, está à venda
por R$ 30 no site www.josivanrodrigues.com

(Diario dePernambuco, 03/07/2011)