segunda-feira, 21 de junho de 2010
Pedra na vidraça dos indiferentes
Esta semana, o Recife tem o privilégio de receber nos cinemas dois filmes de Sérgio Bianchi. Em cartaz na Sessão de Arte dos multiplexes (veja roteiro), Os inquilinos - Os incomodados que se mudem (Brasil, 2010), é seu longa mais recente. Já o curta documentário Mato eles? (1982), um de seus primeiros trabalhos, será exibido hoje no Cine São Luiz, em sessão única, promovida pelo projeto CineCabeça.
Os inquilinos inaugura novo momento estético na carreira de Bianchi, cuja escrita a mão de ferro rendeu Cronicamente inviável (2000) e Quanto vale ou é por quilo? (2005), vigorosos manifestos sobre um Brasil que não presta. Sem abrir mão do discurso, o novo filme abandona a narrativa episódica, investe na performance dos atores e fecha o foco na intimidade de uma família que se esforça para manter a harmonia em meio ao caos da periferia de São Paulo. Quando três arruaceiros se mudam para casa ao lado, situações de tensão ficam cada vez mais sufocantes.
O principal incomodado é o pai da família, Valter (Marat Descartes), que durante o dia carrega caixas de maçãs (sem carteira assinada) e à noite estuda num curso supletivo. Com os novos vizinhos, o pouco tempo que lhe resta com a mulher (Ana Carbatti) e filhos se transforma em inferno. Como pano de fundo, bombas na escola e ônibus incendiados pelo PCC são enfrentados em outro núcleo narrativo, uma sala de aula em que a professora (Cássia Kiss¸ premiada pela atuação no Festival do Rio 2009) lida com a revolta de um aluno (Caio Blat).
Bianchi, no set de Os inquilinos
Os inquilinos chega ao Recife com um público de 9 mil pessoas. Número modesto, mas suficitente para ocupar o sexto posto no ranking nacional de 2010. Para Bianchi, resolver o gargalo de exibição é algo vital. "Com 85% das salas comerciais estão ocupadas pelos norte-americanos e blockbusters nacionais, nos resta saber como ganhar dinheiro pressupondo que seu filme não vai passar nos cinemas, o que leva ao superfaturamento das produções. Se não for definida uma política específica, ficaremos restritos aos festivais às milhões de ONGs que distribuem filmesem espaços alternativos".
Desde o início da carreira, Sérgio Bianchi exercita o talento de expor as feridas do país de forma lúcida e rara no cinema nacional. Paranaense radicado em São Paulo, ele fez de seu notório mau humor o combustível para uma obra impiedosa, recém-reunida em caixa de cinco DVDs lançados pela Versátil, um tijolo na vidraça dos indiferentes. "Meus filmes não têm final feliz. Sou uma exceção, meu papel é fazer os filmes que minha cabeça manda", diz o diretor.
Em Mato eles?, um de seus poucos documentários, o diretor denuncia uma serraria da Funai na última floresta de Araucárias, situada na reserva de Mangueirinha, no Sul do Paraná. Depoimentos de padres, gestores públicos e indigenistas são misturados dramatizações, em opiniões de acordo com o senso comum. Longe de levantar bandeiras, o filme ironiza a postura hipócrita das autoridades diante da questão indígena, no caso dos Kaingang, explorada como mão de obra barata.
Mato eles? está repleto de enquadramentos e elementos para expressar opinião e provocar estranhamento no espectador, como comentários nos créditos finais em que o diretor ensina como faturar com o genocídio indígena: "Você faz documentário, ganha prêmio, negocia... Agora tem que ir rápido. Tá acabando".
Bianchi define interferências como essas de "distúrbios de linguagem", recurso que por ora abre mão em sua atual produção. Seu novo roteiro, ainda sem nome, aborda a ditadura através de um filho de classe média-alta que teve a mãe torturada pelos militares. Mesmo sem os "distúrbios", garante ele, veneno não vai faltar.
Os inquilinhos pode ser assistido de segunda a quinta (24) no UCI Ribeiro Recife, às 19h30.
(Diario de Pernambuco, 19/06/2010)
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