domingo, 27 de junho de 2010

Mickey Mouse vai ao Nordeste



Mickey Mouse sempre foi o personagem mais querido de Walt Disney. Para o empresário, o ratinho que nos anos 1920 sustentou sua família era visto como talismã. Quase um século depois, ele continua firme como principal símbolo da gigante do entretenimento. Baseado nessa força, o sorridente personagem foi escolhido pelo escritório brasileiro da The Walt Disney Company como primeira ação específica para o Nordeste.

Dando um rolê na Terra do Sol, tocando forró ou jogando capoeira, Mickey Mouse nordestino em breve estará circulando em eventos e produtos como canecas, bolsas e camisetas. As releituras são de Derlon Almeida, Cau Gomez e Érica Zoe, artistas das três praças mais economicamente desenvolvidas: Recife, Salvador e Fortaleza.

De acordo com Andréa Salinas, diretora de marketing do escritório brasileiro da The Walt Disney Company, eles foram convidados por serem jovens, com estilo próprio e trabalho expressivo. "É nossa forma de reconhecer e homenagear a riqueza cultural do Nordeste e o talento de artistas que possuem traços tão característicos".

O pernambucano Derlon, que gostava mais do Pato Donald e do Zé Carioca quando criança, viu na proposta uma oportunidade de disseminar seu trabalho. Há cinco anos atuando profissionalmente, seu trabalho deriva do grafite para uma releitura contemporânea da xilogravura. Ano passado, um projeto em conjunto com Gilvan Samico gerou um encontro decisivo para o jovem artista.

"Aprendi muito. Antes meu trabalho era mais despojado. Com Samico, aprendi a equilibrar as formas", diz Derlon. Em seu passeio pelo Recife, o Mickey de Derlon usa calça comprida e camisa reta de botões. O sol é o pano de fundo para a união entre o sorridente rato e um pássaro tropical. Nada de chapéu-de-couro, sombrinha de frevo ou lança de maracatu. "Procurei não envolver o personagem no contexto nordestino. Meu traço já remete a isso".

Ao contrário do que o desenho aparenta, Derlon não utilizou métodos convencionais para produção de xilogravura ou grafite. Ele foi desenvolvido como arquivo digital, vetorizado em computador, o que permite a aplicação de adesivos a painéis, como uma gigantesca arte de cordel.

Vale visitar o blog e Flickr de Derlon, onde há variações do camundongo (batizado de Macunamouse) e estudos para a versão definitiva divulgada pela Disney.



Utilizando a técnica em acrílico, a cearense Érica Zoe não alterou muito a aparência do famoso ratinho, que toca triângulo numa banda de forró. "Imaginei o Mickey em uma pequena cidade do Interior do Ceará. Como ele tem ligação com a música, como no clássico filme Fantasia, não foi difícil imaginá-lo exercendo o seu lado maestro, com banda de pífanos", diz Érica.



Experimental - Com guache em papel canson, Cau Gomez levou o personagem ao Pelourinho, tocando berimbau. "Quis dar a ele um ar faceiro, que é uma das características do baiano". Mineiro radicado na Bahia desde os anos 1990, Gomez é um dos ilustradores mais premiados do país. Sua versão é quase uma caricatura, gênero com o qual se destacou no cenário das artes gráficas. "Refazer o Mickey deu um friozinho na barriga, mas foi interessante. Me vi com o olho de menino. Desde criança quis ser desenhista e os personagens da Disney fazem parte de nosso imaginário".

Multiculturalismo corporativo

Os desenhos de Derlon, Cau Gomez e Érica Zoe servirão de base para um guia de estilo e referência de uso para ações e produtos licenciados pela Disney. Essa é a primeira etapa de uma ação comercial específica para o Nordeste, algo inédito na história da Disney no Brasil - mas não na de seus personagens.

Em 1944, no bojo da "política da boa vizinhança" proposta pelos EUA à América Latina, o Pato Donald sambou, comeu acarajé e até os quindins de iaiá no longa Você já foi à Bahia?. Um ano antes, em Saludos amigos, ele e turma fizeram uma turnê dos Andes aos pampas e chegam no Rio de Janeiro ao som de Tico-tico no fubá. Os filmes também marcaram a estreia do Zé Carioca, criado pelo próprio Walt Disney durante visita à praia de Copacabana.



A estratégia foi eminentemente política. Consta que, durante a Segunda Grande Guerra, Disney colaborou com o FBI, ao denunciar os próprios funcionários, perseguir celebridades e produzir filmes de propaganda militar com os seus personagens, como em A face do Führer, em que o Pato Donald é forçado a trabalhar em uma fábrica da Alemanha nazista.

A utilização dos personagens Disney como instrumento de dominação política na América Latina está radicalmente dissecada no livro Para ler o Pato Donald, de Armand Mattelart. No Chile, duas semanas após o golpe de 1973, todas suas cópias foram jogadas ao mar pela ditadura de Pinochet.

De acordo com o cientista político Michel Zaidan, se hoje o Mickey Mouse vai ao Nordeste, é por motivos estritamente econômicos. "A globalização é acusada de uniformizar o gosto dos consumidores, mas tem adotado a regionalização para escoar seus produtos. O chamado multiculturalismo corporativo se traduz na diversificação de produtos híbridos, que passam a impressão de serem locais. Não se trata de invasão cultural ou mera submissão, mas de um esforço para dialogar com um cosmopolitismo estético".

(Diario de Pernambuco, 27/06/2010)

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