terça-feira, 30 de junho de 2009
Crônicas de grafite e aquarela
Arte de extrair, traduzir e imortalizar situações do cotidiano, a crônica é considerada um gênero híbrido entre literatura e jornalismo. Para chegar ao ponto, não basta criatividade: é preciso exercitar a percepção de situações quase sempre fugidias. Momentos que por vezes, de tão banalizados, se tornaram imperceptíveis. No livro em quadrinhos Sábado dos meus amores (Conrad, R$ 39), o artista Marcello Quintanilha revela esse talento com grafite e aquarela, técnica um tanto diferente das breves linhas que fazem uma crônica convencional.
Primeiro, por optar por um suporte pouco utilizado para a crônica. Segundo, porque o autor mineiro parte não de situações das quais foi testemunha, mas de histórias fictícias, ambientadas em diferentes lugares e épocas. O que há de "realidade" neste trabalho está nos cenários e expressões faciais de gente "comum", protagonistas de histórias não somente possíveis, como recorrentes (com uma variação ou outra) nos subúrbios e pequenas vilas perdidas no mapa de nosso país.
As "crônicas visuais" de Quintanilha impressionam tanto pelo realismo na representação de personagens e cenários, quanto pela atmosfera de sonho e nostalgia. O aspecto antigo dos desenhos, algo próximo às fotografias pintadas a mão, é sem dúvida o maior convite para mergulhar nesse universo. Um preciosismo estético aditivado por experimentos de linguagem em torno do uso incomum dos balões de diálogo, que se adaptam aos demais elementos e por vezes usam quase todo o espaço dos quadros.
A primeira página leva o leitor a um cruzamento urbano, em que Rubem Braga (1913 - 1990), um dos maiores cronistas brasileiros, observa uma borboleta rodopiar entre prédios e árvores. Um piscar de olhos, ele já não está mais ali. Está aberto o caminho que liga os idílicos anos 50 ao mais corriqueiro sinal fechado do século 21.
Além da referência explícita a Braga, há um quê de Nelson Rodrigues e seu universo de situações ordinárias, cotidianas, por vezes levadas ao limite da tragédia. Como a vivida por Zé Morcela, trabalhador de circo que aproveita o tempo livre para beber e jogar cartas num boteco qualquer, numa cidadezinha qualquer, até perceber que comprou briga com a polícia local.
Em entrevista ao Diario, o autor mineiro diz que sua coleção de cenários e tipos humanos não vem de uma pesquisa específica, mas sim, uma atividade involuntária e constante de observação. "Mesmo que não esteja trabalhando em uma história, exercito meu interesse por fotos, literatura e objetos quase sempre ligados do passado. As histórias nascem desse conjunto de interesses se deve basicamente à minha infância e adolescência, vividas num antigo bairro operário de Niterói, chamado Barreto. Depois do fechamento das indústrias que movimentavam a região, tudo que restou foram as antigas construções e os ecos de um passado".
Há cerca de uma década o autor lançou seu primeiro álbum, Fealdade de Fabiano Gorilla, ainda com o pseudônimo Marcello Gaú. Atualmente ele mora na Espanha, onde há sete anos trabalha com os roteiristas Jorge Zentner e Montecarlo na série Sept Balles pour Oxford. A predileção por paisagens, urbanas ou não, vem de longa data. Em 2005, ela se materializou no livro Salvador, da série cidades ilustradas.
Visualmente, Quintanilha afirma sofrer influência de diferentes estilos e propostas, algumas delas não facilmente identificáveis, como o neorealismo italiano e filmes do cinema brasileiro dos anos 60 e 70, como O homem que comprou o mundo, de Eduardo Coutinho e Bye bye, Brasil, de Cacá Diegues. "No que se refere aos quadrinhos, há uma longa tradição de histórias de caráter pessoal e evocativo, principalmente no quadrinho francês".
*publicado no Diario de Pernambuco
sábado, 27 de junho de 2009
50 artistas reinventam a Turma da Mônica
Penadinho, Frank e a Cranicola, no traço de Samuel Casal
A livre adaptação da Turma da Mônica por diferentes desenhistas do primeiro time nacional é a mais interessante das homenagens que marcam os 50 anos de carreira de Mauricio de Souza. Com lançamento marcado para setembro, MSP 50 traz um grupo e tanto de artistas, entre eles, Angeli, Ziraldo, Laerte, Spacca, Samuel Casal, Marcelo Lélis, Fernando Gonsales, Fábio Moon e Gabriel Bá, Eloar Guazzelli, Fábio Lyra, Fido Nesti e Jô Oliveira. Dois pernambucanos foram convidados para integrar o projeto: Christiano Mascaro e João Lin, editores da coletânea de quadrinhos Ragú.
"É quase um dream team", diz o coordenador do projeto, Sidney Gusman. "Além de contar com as grandes "feras", minha preocupação foi apresentar bons quadrinistas que o grande público ainda não conhece". Gusman conta que, para dar forma ao projeto, buscou inspiração no livro Asterix e seus amigos, que no ano passado homenageou os 80 anos do desenhista Albert Uderzo. Outra referência foi a revista Mônica 30 anos, lançado em 1993, em que Will Einser, Guido Crepax, Hugo Pratt e Milo Manara desenharam a personagem. "Fiquei bem entusiasmado a ideia. Fiz uma lista gigante e fechei com 50 artistas ".
Cada desenhista convocado teve liberdade de eleger e desenhar seu personagem preferido. Gonsales, criador do rato Níquel Náusea, apresentará sua versão para o cachorro Bidu; Spacca escolheu o dinossauro Horácio; Samuel Casal, o fantasma Penadinho; Lélis escolheu Chico Bento; Laerte fará Bidu e Franjinha; e João Lin desenhará o índio Papa Capim. Angeli, Ziraldo, Moon e Bá ainda não divulgaram quais foram suas escolhas. Guazzelli não está 100% decidido, mas deve fazer Sansão, o coelho azul.
O Astronauta de Mascaro
Sem querer, Mascaro escolheu um dos personagens mais requisitados: o Astronauta. A história está em fase de finalização. "Na hora eu pensei que estava sendo bem original", brinca Mascaro, que adianta com exclusividade aos leitores do Diario um dos estudos que guiarão sua releitura do explorador espacial. "Sempre gostei bastante do Astronauta. Estou fazendo algo que remete às histórias em quadrinhos de ficção científica europeia, como as criadas por Moebius".
Mascaro acredita que o MSP 50 pode contribuir para evidenciar o mérito artístico do trabalho de Maurício, por vezes criticado por sua vocação comercial. "O sucesso dele é algo que impressiona num país que sequer conta com uma indústria de quadrinhos. Ele construiu um império que se reinventa, e tirar o valor artístico da sua obra é algo que beira o cinismo".
(Diario de Pernambuco, 26/06/2009)
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quinta-feira, 25 de junho de 2009
A entrevista que nocauteou Richard Nixon
Em 1977, um grupo de jornalistas independentes produziu uma longa entrevista com Richard Nixon (1913-1994), veiculada em vários países, e que se tornou um marco na história da imprensa. Nela, o ex-presidente norte-americano admitiu "erros" como acobertamento de crimes e obstrução do processo judicial no emblemático caso Watergate. Três décadas depois, o cinema retoma o episódio, do ponto de vista dos bastidores. Frost / Nixon (EUA, 2008), de Ron Howard, pode ser assistido na Sessão de Arte do grupo Severiano Ribeiro, com exibições amanhã (21h) e sábado (11h) no Multiplex Boa Vista; e de segunda a quinta (19h20) no UCI Recife.
O longa conta em detalhes como David Frost (Michael Sheen), até então um apresentador da TV britânica com tendência a frivolidades, obteve o que nenhum tribunal ou veículo da imprensa política conseguiu: extrair de Nixon (Frank Langella) uma confissão. Para chegar a tanto, encarou um espinhoso e declarado combate entrevistador / entrevistado. Suprido de boas atuações (além da dupla, há Sam Rockwell e Kevin Bacon no elenco), Howard demonstra naturalidade e precisão ao narrar sua versão dos fatos, apresentada quase como uma reportagem pontuada por depoimentos dos envolvidos, que "ajudam" na reconstituição dos fatos.
Mal comparando, é algo como se George W. Bush fosse encurralado por David Letterman e, após muita resistência, desmoronasse emocionalmente em rede nacional. Howard, porém, disse à imprensa que não acredita em tal situação pois, diferente de Nixon, que amargava restrições financeiras e recebeu US$ 200 mil pela entrevsita, Bush jamais se submeteria a 30 horas de aprofundada sabatina.
Outro ponto, este apontado pelo filme, é que Nixon aceitou o desafio porque alimentava a ambição de retornar à cena política. Após três anos afastado da vida política, esta poderia ser sua grande oportunidade de se redimir nacionalmente. Partiu com artilharia pesada pra cima de Frost, um "duelo" do tipo vale-tudo. Do outro lado do ringue, Frost vacila e contra-ataca, motivado em ter seu nome eternizado no panteão dos ricos e famosos da mídia (tanto que após a consagração ele recebeu o título de Cavaleiro do Império Britânico, e até hoje continua entrevistando políticos e celebridades).
Diferente de Anjos e demônios, outro trabalho de Howard em cartaz nas salas do mundo, Frost/Nixon não tem demonstrado vocação para grandes plateias fora dos EUA, onde recebeu cinco indicações para o Oscar deste ano. Tanto que no Brasil estreou de forma tímida, no começo de março. É verdade que o assunto interessa mais à população dos Estados Unidos, que viveu sob os desmandos de Nixon, mas é importante não subestimar o valor desta obra cinematográfica.
Ao contrário de W. (2008), tentativa um tanto embaçada de Oliver Stone em contar a vida íntima de Bush, Frost/Nixon instiga o pensamento e chega a provocar risadas de nervosismo. Em meio à franqueza e cinismo com que as equipes rivais interagem, o filme arrisca apresentar o ex-presidente como um homem forte e manipulador, mas quena intimidade se mostra complexado com relação aos "bem nascidos" e a seus oponentes liberais e "de olhos azuis", como os Kennedy.
Entre revelações da vida pública e privada, Nixon assumiu ser mais um líder a abusar do poder e cometer ilegalidades "pelo bem da nação". Por uma série de fatores, há os que nunca chegarão a tanto. A estes, Nixon deixou a clara lição de jamais se submeter aos constrangimentos de uma dedicada apuração jornalística.
quarta-feira, 24 de junho de 2009
Vitalino de barro e luz
No próximo 10 de julho, Mestre Vitalino completa cem anos de nascimento. Uma das comemorações já começou e se chama 100 Olhares de Vitalino, exposição fotográfica em cartaz em Caruaru, terra natal do ceramista. Os realizadores montaram uma estrutura que privilegia a imagem fotográfica e vai além ao reproduzir o ambiente das antigas moradias à base de taipa. Todo o barro usado pela exposição foi retirado do Ipojuca, rio onde Vitalino brincava quando criança e, anos depois, retirava a matéria-prima que deu forma à sua arte. A exposição segue até 10 de julho, na antiga Estação Ferroviária de Caruaru, hoje conhecida como Galpão das Artes.
Como o nome sugere, 100 Olhares de Vitalino apresenta uma centena de fotos produzidas por Helder Ferrer, dispostas nas fachadas de um casario cenográfico, como fossem portas e janelas iluminadas por trás (backlight). A força dessas imagens, literalmente sustentadas pelo barro, é amplificada por uma "instalação" formada por lamparinas e cercas de ripa. Tudo contribui para provocar uma experiência sensorial-afetiva incomum, até mesmo para os visitantes acostumados com esse tipo de paisagem. "As pessoas da região se encantam, e beliscam o barro para ver se é de verdade", diz a idealizadora Lina Rosa, da Aliança Comunicação e Cultura. Desde que foi inaugurada, a exposição promovida pela Prefeitura de Caruaru precisou refazer o acabamento algumas vezes.
Frente aos inúmeros registros existentes do trabalho de Vitalino, Hélder Ferrer optou por retratar não somente os bonecos internacionalmente famosos, mas o universo em que eles foram produzidos: fornos de queima de barro, bandas de pífano e outros artesãos na lida com o barro. Os bonecos fotografados são do acervo do Museu do Homem do Nordeste e da coleção particular do senador Jarbas Vasconcelos. "Em vez de retratar peças inteiras, busquei os detalhes. Levei as peças para o estúdio, onde usei luz 'dura' e alguns planos desfocados. Isso gerou sombras de expressão que me surpreenderam", explica Ferrer.
Rosa ainda explica que, para chegar ao conceito final, foi necessário fazer um levantamento da trajetória pessoal e profissional do mestre. "Queria fazer algo que não fosse baseado somente nas fotos, mas no diálogo com a arte de Vitalino, ou seja, entre o tradicional e o contemporâneo".
Por isso, além de trazer um texto sobre Vitalino assinado por Joaquim Cardozo, a exposição convidou o músico Ortinho (que também é de Caruaru) para compor uma trilha sonora baseada em sons de pífano e depoimentos de "herdeiros" do artista popular, como Manoel Eudócio, Luis Antonio da Silva, Zé Galego, Elias Francisco e os familiares Maria e Severino Vitalino.
Serviço
100 Olhares de Vitalino
Onde: Galpão das Artes - Antiga Estação
Ferroviária - Rua Frei Caneca, s/n, Centro, Caruaru
Quando: Hoje, 28 e 29/06 e 10/07, das 17h à 0h; nos demais dias, das 18h às 23h. Até 10 de julho
Quanto: Entrada franca
* publicado no Diario de Pernambuco
segunda-feira, 22 de junho de 2009
O dia em que Roberto Carlos foi pra berlinda
Araújo: "Brasileiro é analfabeto funcional, e Roberto Carlos faz parte desse grupo"
"O povo brasileiro não lê. É uma grande massa de analfabetos funcionais e o Roberto Carlos faz parte disso". A declaração, disparada durante uma das conferências de sábado do Porto Musical, é de Paulo César Araújo, autor da biografia literalmente não autorizada, Roberto Carlos em detalhes. Acompanhado de sua advogada, Déborah Sztanjberg, ele alega que o cantor ao menos chegou a ler o livro, antes de mover mundos e fundos para retirá-lo de circulação. "Ele só leu O pequeno príncipe e Eram os deuses astronautas?", disse o escritor que, de admirador, passou a vítima do famoso intérprete.
Horas depois, foi a vez do produtor André Midani colocar RC na berlinda: "infeliz do povo que tem um Roberto Carlos como rei". Coincidência ou não, Midani enfrenta processo judicial pelo conteúdo de sua autobiografia, Música, ídolos e poder, "porque estou dizendo que um ladrão é um ladrão e a filha desse ladrão não gostou".
Polêmicas à parte, o melhor momento do terceiro e último dia do evento foi partilhado entre Midani e a platéia lotada do Teatro Apolo. Aplaudido calorosamente, ele fez um pequeno histórico da indústria fonográfica, lembrou que a música prospera em momentos adversos e teceu conjecturas sobre em que mundo a música atuará daqui a duas décadas. "Será algo que o colonialismo europeu jamais engendrou. Estamos em pleno processo de enriquecimento dos países orientais, o que fará o Ocidente perder sua hegemonia cultural. O conceito de copyright é desconhecido na Índia e proibido no mundo muçulmano".
Aos 77 anos, o imigrante árabe (nascido em Damasco, Síria) que acumula mais de meio século de atuação na música admite não ter respostas ou soluções para o atual impasse do mercado. "Isso precisa ser resolvido não pelo establishment, mas por vocês, que têm 25 anos. É importante que os criadores tomem o poder outra vez. Se eu tivesse essa idade, gostaria muito de estar entre vocês", encerrou o mestre.
Um pouco antes, o historiador Paulo César de Araújo e sua advogada contaram em "detalhes" (para usar um termo caro ao incidente), a incrível série de eventos que levou seu livro a ser censurado em território brasileiro. "Só na Inquisição espanhola ou na ditadura brasileira um livro é impedido de circular", disse Sztanjberg. Para embasar seu discurso, ela usa como exemplo outras biografias polêmicas, como as escritas sobre Jim Morrisson por seus ex-companheiros da banda The Doors. "Elas geram processos, mas os livros continuam disponíveis no mercado". Sztanjberg ainda alertou para o fato do episódio gerar precedentes, como o caso da viúva de Sivuca, que impediu a própria filha do compositor de escrever um livro de memórias. E disse que quem quiser ler o livro de Araújo, é só comprá-lo nos sites de leilão, onde é vendido por cerca de R$ 130, ou baixar uma versão em pdf em programas de troca de arquivo.
Taubkin: "Os editais regulam o mercado da música"
Benjamin Taubkin, que na manhã de sábado apresentou uma lista de artistas latino-americanos, na conferência vespertina tratou do que considera um dos maiores problemas da música brasileira: a crescente dependência de patrocinadores públicos e privados. "Os editais regulam o mercado da música. E esta termina por salvar a imagem das empresas e outras instituições, que montam orquestras na favela para ocupar os filhos dos trabalhadores que elas desempregaram. Será que não temos algum meio de usar nossa capacidade para viver do nosso trabalho, como o padeiro vive de vender pão?", questionou Taubkin, com pertinência. Como possível solução, ele aconselha o fim da disputa acirrada pelo dinheiro dos editais e a livre associação cooperativa, em pequena escala. "Por que um artista precisa vender 1 milhão de discos? É muito melhor se 100 vendessem 10 mil".
Mais tarde, perto da madrugada, um coletivo de bandas que colocou na prática os conselhos de Taubkin e Midani: juntaram forças para ganhar visibilidade. Johnny Hooker & Candeias Rock City, Plastique Noir, Dimitri Pelzz e Amp tocaram no mini-festival Abrafin Fora do Eixo, que junto da surreal combinação entre shows de forró (Chiquinha Gonzaga, Karolinas com K, Hebert Lucena e Josildo Sá) e a discotecagem de Robert Soko (música tradicional da península balcânica), serviu de encerramento desta quarta - e sem dúvida positiva - edição do Porto Musical.
domingo, 21 de junho de 2009
O marco zero do cinema pernambucano
Um dos pioneiros do cinema pernambucano está prestes a retornar às telas. Trata-se de Ugo Falangola, jornalista e publicitário italiano responsável pelo filme Veneza americana (1924), um dos primeiros documentários realizados no estado. Essa história, repleta de lacunas e mistérios será contada pelo curta-metragem Janela molhada, do cineasta Marcos Enrique Lopes.
O título do filme, viabilizado pelo concurso de roteiros Rucker Vieira da Fundação Joaquim Nabuco, faz referência ao processo químico de restauro aplicado pela Cinemateca Brasileira em duas obras da Pernambuco-film, produtora fundada no bairro de São José por Falangola e seu conterrâneo, J.Cambieri: Veneza americana e Recife no centenário da Confederação do Equador.
Farangola e Cambieri faziam parte do chamado cinema de "cavação", ou naturalista, em que filmes eram rodados sob encomenda de políticos e coronéis. O termo foi uma forma de desvalorizar essa prática cuja regra era "cavar" oportunidades financeiras. "A diferença é que eles tiveram um apuro técnico singular entre os documentários daquela época", diz a pesquisadora pernambucana Luciana Corrêa de Araújo, que atua como consultora no curta de Lopes. "Com a restauração, dá pra perceber a qualidade desses trabalhos".
A figura de J. Cambieri permanece um mistério a ser desvendado por estudiosos desse obscuro período. Diferente de Falangola, cuja memória foi preservada tanto pela família quanto pelas instituições que guardam o que restou de seus filmes. Nascido em 1879, o patriarca desembarcou no Porto de Santos em 1904. Ele veio ao Brasil como contratado do jornal La Setimanna del Fanfulla, feito por imigrantes italianos em São Paulo.
"Como ele veio parar no Recife, ele nunca contou", diz sua filha, Adriana Falangola Benjamin, hoje com 90 anos. Dona Didi, como é conhecida, era a estrela dos filmes do pai. Com apenas seis anos de idade, ela figurava de vestido e laço na cabeça, em vinhetas que abriam e encerravam cada produção. "Sabe aquele leão da Metro?", brinca Dona Didi, que recebeu a equipe de filmagem na casa herdada pelo pai, no bairro da Torre.
A família descreve Ugo Falangola como intelectual da burguesia romana, o que deve explicar a precisão técnica e a inclinação artística de seus fotogramas. "Ele sabia filmar, enquadrar, expor. Fazia planos muito bonitos, próprios de quem tem conhecimento técnico prévio. Mais ainda, ele soube adaptar o olho a uma luz tropical, contrastada", diz o veterano Carlos Ebert, fotógrafo do clássico do cinema marginal O bandido da luz vermelha e que assina a direção de fotografia de Janela molhada.
Esse domínio técnico permitia a Falangola experimentar uma gama de cores obtidas a partir de minerais diretamente aplicados na película de nitrato, agora recuperadas pela Cinemateca. O processo de janela molhada é anterior a esse, e consiste em banhar cada fotograma deteriorado numa solução que preenche imperfeições e permite a passagem uniforme de luz pela película.
Inquieto, Falangola desistiu da carreira no cinema em prol da atividade publicitária. Ainda em 1925, repassou o equipamento e a sede da Pernambuco-film para a nascente Aurora-film, que nos meses seguintes produziu Aitaré da praia, de Gentil Roiz e A filha do advogado, de Jota Soares.
Diretor alimenta ideia há oito anos
"Olha o tesouro que a gente acaba de encontrar", disse Carlos Ebert, que direcionou o olhar da equipe de Janela molhada para um casarão em ruínas, em frente aos armazéns do Recife Antigo. A fachada castigada pelo tempo quase não permitiu a leitura do letreiro que dizia: Palazzo Italia. A surpresa geral encontra explicação no depoimento de Dona Didi, que horas antes lembrava que ela frequentava o local acompanhada do pai.
Essa e outras histórias poderão ser assistidas em agosto, quando o documentário será lançado no formato HD. "O objetivo final é transferir para película 35mm, através do apoio de outros editais", diz Marcos Enrique Lopes. Por enquanto, ele trabalha com o orçamento líquido de R$ 29 mil (já descontados os impostos), e conta com a estrutura técnica e logística da Massangana Multimídia (Fundaj).
As gravações começaram em março, e seguem até o fim de julho, com locações no Recife e São Paulo, onde os filmes da Pernambuco-film foram restaurados. A edição, que contará com entrevistas, imagens de arquivo e locações do Recife contemporâneo também será no Sudeste, a cargo de Idê Lacreta, cujo vasto currículo inclui a montagem de O prisioneiro da grade de ferro.
A pesquisa para o projeto começou em 2001, quando o cineasta conheceu a família de Farangola. Naquele mesmo ano, Lopes estreava na direção com o filme sobre o filósofo pernambucano Evaldo Coutinho, A composição do vazio. O trabalho, que contou com fotografia de Walter Cavalho, chamou a atenção da crítica, e circulou por 24 festivais e cinco países.
Agora, o diretor enfrenta o desafio não só do segundo filme, mas da responsabilidade de realizar um trabalho calcado na história, e com o qual estabeleceu uma relação afetiva. "Após tanto tempo, me sinto um pouco defasado com relação às mudanças do sistema digital", confessa Lopes que, para superar esse "gap", conta com a experiência de Ebert, introdutor da fotografia em alta definição, como a que trabalhou nos filmes À margem da imagem e Do luto à luta, de Evaldo Mocarzel.
Lopes, que por oito anos esteve à frente da cinemateca municipal Alberto Cavalcanti, desenvolve outro projeto ligado a filmes antigos. Ele quer contar o processo de restauração de O vôo do Jahú (1927), registro parcialmente recuperado da chegada do primeiro avião a cruzar o Oceano Atlântico sob o comando de um brasileiro.
sexta-feira, 19 de junho de 2009
Cineclube Dissenso exibe "As Harmonias de Werckmeister"
Amanhã (sábado), às 14h, o Cineclube Dissenso exibe o filme húngaro As Harmonias de Werckmeister (Werckmeister Harmóniák, 2000), do cineasta Bela Tarr.
De acordo com os exibidores, o filme é "um misterioso retrato de uma pequena cidade do interior da Hungria transformada com a chegada de uma baleia gigante empalhada".
Formado por alunos de diferentes cursos de graduação da UFPE, o Dissenso tem como objetivo apresentar obras raras e ausentes do circuito comercial. Ele surgiu como parte do projeto de conclusão de curso de um de seus integrantes. "A intenção era discutir a crítica cinematográfica e estimular um ambiente de debate cinéfilo, permeado pela coexistência de distintos discursos", diz o texto de divulgação.
A sessão no Cinema da Fundação (Derby), que estabeleceu parceira com o cineclube. Logo após, haverá debate. A entrada é franca.
Fliportinho lança concurso de quadrinhos para crianças
A Festa da Literatura Infantil de Porto de Galinhas - Fliportinho lançou esta semana um concurso de histórias em quadrinhos somente para crianças. O tema é "preservando o meio ambiente". Ele está aberto à crianças de todo o País, desde que estejam matriculadas do sexto ao nono ano do ensino fundamental.
Os trabalhos podem ser inscritos através do blog da Fliportinho.
Para coordenar a seleção e premiação,o evento convidou o cartunista Laílson de Hollanda. "Alguns desses concorrentes de hoje serão profissionais no futuro e cabe a nós incentivá-los", diz Laílson.
Podem ser inscritos trabalhos de apenas uma página. O mesmo autor pode enviar vários trabalhos.
O autor da melhor história ganha um laptop; o segundo colocado, uma câmera fotográfica digital; e o terceiro, um MP3 Player. Além disso, a escola onde estudam receberá um aparelho de DVD. Os 60 melhores farão parte de um livro a ser distribuído nas escolas, e serão mostrados em exposição.
A Fliportinho acontece entre os dias 18 e 22 de agosto, paralelamente à Fliporto 2009.
Janela Internacional de Cinema do Recife abre inscrições
Ano passado nasceu um novo festival de cinema em Pernambuco: a Janela Internacional de Cinema do Recife, que ocupou os cinemas do Parque e da Fundação Joaquim Nabuco. A mostra competitiva exibiu 150 filmes de diferentes países (70 em competição), e promoveu mostras e debates especiais com presença dos produtores.
A 2ª edição será somente em outubro, mas as inscrições para as mostras competitivas nacional e internacional abrem amanhã (sábado). Uma das características mais bacanas do evento é que, para participar da seleção, não há restrições de gênero ou formato de captação de imagem.
Ou seja, podem concorrer filmes gravados no bom e velho 35mm ao mais tosco aparelho celular.
A única condição é que as obras sejam realizadas de janeiro de 2008 pra cá. Cada realizador poderá concorrer com quantos filmes desejar.
O prazo para inscrições segue até 1º de agosto (filmes estrangeiros) e 10 de agosto (brasileiros).
As instruções estão disponíveis no site do festival. O resultado será divulgado até o 16 de setembro, na mesma URL. Outras informações podem ser obtidas pelo telefone (81) 3341-4942 e email fest@janeladecinema.com.br .
Cerca de 150 filmes brasileiros e estrangeiros serão contemplados pela seleção. Eles serão divididos nas categorias competição brasileira e internacional de curtas, panorama de curtas com focos especiais e mostra não-competitiva de longa-metragem.
O festival também promoverá a 2ª Janela Crítica, oficina onde jovens cinéfilos participam de encontros sobre crí�tica cinematográfica e produzem suas próprias crí�ticas, que serão veiculadas no site do festival. Os jovens também formarão o jú�ri paralelo, elegendo os melhores filmes em competição.
A 2ª Janela Internacional de Cinema do Recife é uma realização da CinemaScópio Produções Cinematográficas e Artísticas, com o patrocínio do Governo de Pernambuco através do 2º Edital do Audiovisual, lançado pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe).
(com informações da assessoria)
quinta-feira, 18 de junho de 2009
Recife reverencia ilustre parceiro de Gonzagão
O compositor João Silva, homenageado do São João do Recife ao lado de Jackson do Pandeiro, recebe hoje o título de cidadão recifense. A cerimônia será às 16h, na Câmara dos Vereadores (Rua Princesa Isabel - Boa Vista). Nascido em Arcoverde e após muitas décadas de vida no Rio de Janeiro, o ex-parceiro de Luiz Gonzaga, hoje com 73 anos, mora na capital pernambucana há apenas oito meses. O título foi uma proposta do vereador Jurandir Liberal (PT). Para comemorar, o veterano músico lança amanhã, às 19h, o novo álbum, João Silva canta mais Gonzaga, realizado com patrocínio do Funcultura.
As 12 faixas não são inéditas, mas pelo menos a metade nunca chegou ao formato CD, permancendo restrita a material de colecionador. Além disso, elas ganharam um novo tratamento de estúdio: foram remixadas, reprocessadas digitalmente e acrescidas com novos instrumentos. O CD será lançado no Forró Jazz, projeto especial do São João do Recife, sediado na Rua Mamede Simões (a mesma do Bar Central). Os shows são de maestro Edson Rodrigues, Paulo Rabeca e Herbert Lucena. Na próxima terça-feira, haverá nova sessão de autógrafos às 15h30, durante o último encontro das Jornadas Gonzaguianas (Livraria Cultura).
"Estou falando com Gonzaga como se fosse hoje", diz o mais novo cidadão recifense, sobre o resultado do processo que atualizou cinco canções originalmente gravadas por ele, Gonzagão e Severino Januário, irmão do rei do baião, no ano de 1968. Em entrevista ao Diario, Silva conta que o projeto começou por iniciativa sua, pois os irmãos viviam uma desavença. A ideia era chamar Gonzagão para fazer a voz. E dar uma "força" no disco de Januário que, assim como o pai, tocava sanfona de oito baixos. Na gravação original, Gonzaga e Silva cantam na primeira parte das músicas. A segunda era instrumental, em que Januário toca sanfona, triângulo e zabumba.
João Silva conheceu Gonzaga quatro anos antes dessa gravação. Eles foram apresentados por Marinês, nos bastidores da rádio Mayrink Veiga, que ambosfrequentavam. "Não deu dois minutos e a gente brigou", lembra Silva. "Eu disse: 'tenho uma música que é a tua cara'. E ele respondeu que todo mundo dizia isso. Aí eu disse que então não tem música nenhuma". A música, gravada meses depois, era Crepúsculo sertanejo.
Em João Silva canta mais Gonzaga há letras acrescidas, sanfona de 120 baixos ("aquele instrumento metido a besta", diz Silva) tocada por Gennaro, cavaquinho, baixo, guitarra e percussão. Além disso, a música Forró atarrachado foi reescrita e agora se chama Baioneiro Gonzagão. Para completar, foi regravada uma sequência de composições registradas por Gonzaga já no fim de carreira, como Para não morrer de tristeza, Uma pra mim, uma pra tu e Arcoverde meu.
Com um cancioneiro de mais de 2 mil composições escritas, João Silva entra em estúdio ainda este mês para gravar o álbum de inéditas Sertão puro, em que será compositor, arranjador e produtor. Segundo ele, será um álbum mais "chão", mais "raiz", com um linguajar antigo utilizado no interior. "O problema do forró de hoje é que, a cada 15 músicas gravadas, 14 são xotes e uma é baião, todas falando de amor. No meu, não vai ter xote nem arrasta-pé. É só baião e forró puro", diz o músico.
Serviço
Lançamento do álbum João Silva canta mais Gonzaga
Quando: Amanhã, às 19h
Onde: Projeto Forró jazz (Rua Mamede Simões - Boa Vista)
Quanto: Entrada franca (O CD será vendido a R$ 15)
quarta-feira, 17 de junho de 2009
Festival de Cinema de Triunfo anuncia selecionados
O documentário animado Dossiê Rê Bordosa é um dos curtas em competição.
A Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe) divulgou ontem os filmes selecionados para o 2º Festival de Cinema de Triunfo, marcado para o período de 2 a 7 de agosto. Os 47 trabalhos somam boa amostra da recente produção brasileira, dividida nas categorias curta digital, curta 35mm e longa 35mm.
O evento será sediado no Cine Guarany, um dos cartões postais da cidade. Este ano, ele funcionará com equipamento próprio de projeção 35mm e digital, com som dolby stereo.
Durante os seis dias de atividades, o Guarany passa a ser a segunda sala mais antiga a funcionar no estado. Ele foi fundado em 1922 e o Cineteatro do Parque, na capital pernambucana, é de 1915.
A competição de curtas está bastante forte e representativa - onze estados estão presentes. Dos pernambucanos, Superbarroco e KFZ 1348 vêm de carreira premiada, inclusive no último Cine PE; Crítico e A vida é curta foram lançados ano passado, mas precisam ser mais exibidos; São, Eiffel, Rainha dos degredados, Confessionário e Nossos ursos camaradas praticamente não foram vistos no estado. Dos demais estados a disputar o Troféu Careta (nome do personagem característico do Ccarnaval da cidade) estão as animações Silêncios e sombras, Dossiê Rê Bordosa e A ilha.
De 146 inscrições, parte veio de cidades do interior pernambucano, como Afogados da Ingazeira, Garanhuns, Itapetim, Pesqueira, Serra Talhada e Triunfo. A seleção ficou a cargo de Cynthia Falcão, presidente da seção estadual da Associação Brasileira de Documentaristas (ABD-PE); Cátia Oliveira, assessora do MinC Regional Nordeste, e Carla Francine, da coordenação de cinema e vídeo da Fundarpe.
Organizadora do evento, a Fundarpe reservou R$ 26 mil em prêmios para os melhores filmes, a serem eleitos por um júri oficial e outro popular.
Este terá no mínimo 40 integrantes, e será parcialmente composto por estudantes do ensino médio, selecionados a partir de um concurso de redação feito nas escolas de Triunfo.
Outras categorias não contam com premiação em dinheiro: fotografia, trilha sonora, direção, produção, direção de arte, som, roteiro, ator, atriz.
Diferente do ano passado, quando ocorreu de forma paralela, o Festival de Cinema começa no dia em que termina a Festa do Estudante, tradicional evento de Triunfo.
Confira a lista completa dos selecionados.
Selecionados
Curta-metragem 35mm
- A distração de Ivan (RJ), de Cavi Borges e Gustavo Mello
- A maldita (RJ), de Tettê Mattos
- A vida é curta (PE), de Leo Falcão
- Com as próprias mãos (PR), de Aly Muritiba
- Confessionário (PE), de Leonardo Sette
- Dez elefantes (RJ), de Eva Randolph
- Dossiê Rê Bordosa (SP), de Cesar Cabral
- Esboço para fotografia (SP), de Bruno Carneiro
- La dolorosa (SP), de Odilon Rocha
- Menino aranha (SP), de Mariana Lacerda
- Nossos ursos camaradas (PE), de F. Spencer
- Os filmes que não fiz (MG), de Gilberto Scarpa
- Restos de Antônio (RJ), de Mariska Michalick São (PE), de Pedro Severien
- Silêncios e sombras (PR), de Murilo Hauser
- Superbarroco (PE), de Renata Pinheiro
Curta-metragem Digital
- A casa dos mortos (DF), de Débora Diniz
- A ilha (DF), de Alê Camargo
- A vermelha luz do bandido (SP), de Pedro Jorge
- Ave Sangria - Sons de gaita, violões e pés (PE), de Rayana Uchoa, Rebeca Venice e Thiago Barros
- Bartô (GO), de Luiz Botosso e Thiago Veiga
- Calango (DF), de Alê Camargo
- Depois do jantar (PE), de Alba Azevedo e Nana Viana
- DOC. 8 (RS), de Christian Schneider
- Eiffel (PE), de Luiz Joaquim
- Enfim dois (SP), de Thiago Vieira
- Feito algodão doce (PE), de Natali Assunção
- Instrumento detector de alguma coisa (PB), de Otto Cabral
- Linha de fogo (BA), de Uirá Meneses e Marcelo Góis
- Mãe (RJ), de Luis Antônio Pereira
- Maridos, amantes e pisantes (RJ), de Ângelo Defanti
- Na terra das monções (SP), de Marcelo Domingues
- O guardador (PB), de Diego Benevides
- O jumento do lua estrela (PE), de Wildes Sampaio
- O plano do cachorro (PB), de Arthur Lins e Ely Marques
- O troco (SP), de André Rolim
- Priarã Jô - Depois do ovo, a guerra(PE), de Komoi Panará
- Quintas intenções (RJ), de Mauricio Rizzo
- Rainha dos degredados (PE), de Tuca Siqueira
- Rua das tulipas (DF), de Alê Camargo
- SomoS SomoS (PE), de André Pyrrho e Paulo Leonardo
- Sweet Karolyne (PB), de Ana Bárbara Ramos
- Tebei (PE), de Gustavo Vilar, Hamilton Costa, Paloma Granjeiro e Pedro Rampazzo
- Teo e sua turma- O menino que não gostava de tomar banho (PE), de André Rodrigues
Longa-metragens 35 mm
- Crítico (PE), de Kleber Mendonça Filho
- KFZ 1348 (PE), de Gabriel Mascaro e Marcelo Pedroso
- O grão (CE), de Petrus Cariry
*publicado no Diario de Pernambuco, com alterações
terça-feira, 16 de junho de 2009
Cinema autoral de Nachtergaele
A festa da menina morta, filme de estreia Matheus Nachtergaele como diretor, teve longa carreira em festivais, onde circulou por quase um ano. Desde que foi exibido pela primeira vez, na sessão Un Certain Regard do Festival de Cannes do ano passado, o longa tem colecionado prêmios e fortes reações. No Festival do Rio, ganhou melhor direção; em Gramado, conquistou seis prêmios, entre eles, o de melhor filme (público e crítica), ator (Daniel de Oliveira) e fotografia (Lula Carvalho). Ao atingir o circuito comercial, neste fim de semana, o público talvez termine por recebê-lo como a seu autor: querido por muitos, rejeitado por outros. No Recife, ele entra em cartaz no próximo dia 26, no Cinema da Fundação, que hoje promove uma sessão especial aberta ao público, às 19h30.
Mistura de ficção e elementos autobiográficos, o roteiro escrito por Nachtergaele e Hilton Lacerda rendeu uma narrativa visceral, ambientada numa comunidade ribeirinha em plena selva amazônica. Naquela região isolada, a equipe entrou numa imersão que durou meses, e o resultado dessa vivência transborda na tela. Isolamento mais do que necessário para materializar o que há de subjetivo em Santinho (Oliveira, em interpretação que poderia ser do diretor), um jovem tirânico e de personalidade afetada, tratado a pão-de-ló por toda a comunidade, inclusive pelo pai de atitudes incestuosas, desde que um cachorro trouxe até ele o vestido de uma menina morta em circunstâncias misteriosas.
O comportamento afeminado de Santinho se justifica na ausência da mãe, a qual tenta obsessiva e muitas vezes violentamente substituir no contexto familiar. O que torna a história algo bastante particular se revela durante o clímax: na cerimônia religiosa, a menina morta é chamada de Maria Cecília, nome da mãe do diretor.
Em termos estéticos, no entanto, é inevitável uma comparação com filmes de Cláudio Assis, em que, não por acaso, Nachtergaele tem sido presença constante. Aqui há a mesma imagem de tons carregados; atuações marcadas pelo excesso (não só de Oliveira, mas de Jackson Antunes, Conceição Camarotti, Dira Paes e Cássia Kiss); direção de arte de Renata Pinheiro (ela trabalhou em Amarelo manga e Baixio das bestas); fotografia escura e granulada de Carvalho (filho de Walter); e situações escatológicas, como um porco sendo abatido por longos minutos.
Nada disso chega a ameaçar a autonomia do projeto. A festa da menina morta e sua densidade que envolve e sufoca, exala a personalidade do criador. E aponta, assim como outros filmes conduzidos por atores (Selton Mello, Marco Ricca), para uma nova safra autoral do cinema brasileiro.
*publicado no Diario de Pernambuco
segunda-feira, 15 de junho de 2009
HQ Cachalote, de Daniel Galera e Rafael Coutinho, na revista Piauí deste mês
A revista Piauí nº33 traz uma prévia da HQ Cachalote, escrita por Daniel Galera e desenhada por Rafael Coutinho.
O material é um capítulo do livro a ser lançado em novembro pela Quadrinhos na Cia, selo da Companhia das Letras dedicado ao gênero, e que em maio publicou obras de Gene Yang, Will Eisner, Daniel Craig e Spacca.
O primeiro terço da história será rodado mês que vem, em baixa tiragem. O destino será a convenção de quadrinhos San Diego ComicCon. De acordo com o blog de Coutinho, o intuito é "abrir caminhos em território yankee".
Mês que vem, Coutinho será uma das atrações da mesa de quadrinhos organizada pelo Festa de Literatura de Paraty, ao lado de Rafael Grampá, Fábio Moon e Gabriel Bá.
Uma nova e prodigiosa geração de quadrinistas brasileiros.
domingo, 14 de junho de 2009
Novos contornos para O pagador de promessas
Não muito tempo depois de encenar a peça O pagador de promessas, em 1960, o dramaturgo baiano Dias Gomes enfrentou a nada sutil censura do regime militar. E pouco adiantou a versão para o cinema, dirigida por Anselmo Duarte, ter sido contemplada com a Palma de Ouro em Cannes, dois anos depois. A vigilância em torno de seu trabalho atingiu inclusive as telenovelas - seu Roque Santeiro amargou dez anos para que fosse liberado pela nascente Nova República.
Filiado ao PCB, Gomes fazia parte de um grupo de intelectuais e artistas, entre eles o conterrâneo Jorge Amado, com clara e quase didática determinação de denunciar injustiças sociais e promover uma mobilização popular. Isso sem o ranço panfletário ou maniqueísta de certas obras "engajadas".
Se há dúvida, basta conferir a recém-lançada versão em quadrinhos para O pagador de promessas (Agir, R$ 44,90). Nas palavras de Ferreira Gullar, que assina o prefácio da bela adaptação, trata-se de "levar a um público amplo,em linguagem teatral despojada e comunicativa, um tema de grande complexidade ideológica e social". Nos traços do artista gráfico gaúcho Eloar Guazzelli, a força do texto de Gomes ganha apelo visual inédito nos palcos ou telas (além do cinema, há a minissérie para TV exibida em 1988).
Na HQ (ou graphic novel, como preferem os editores), a história do caboclo ignorante que, para cumprir promessa feita a Santa Bárbara / Iansã, desafia a igreja e a polícia, ganha novos e interessantes contornos. Usando técnicas de nanquim e colorização digital, o desenhista transportou a obra original para uma linguagem pictórica que a aproxima das artes plásticas, e traz em si o frescor de projetos com identidade própria. "Procurei um caminho mais difícil, fugi intencionalmente. Dado o valor desses trabalhos, o peso da tradição poderia me sufocar", conta Guazzelli, em entrevista exclusiva ao Diario.
Para ele, a via-crucis de Zé do Burro, que após ter seu animal milagrosamente curado, insiste em entrar na Igreja com uma cruz parecida com a carregada por Cristo, é o drama da intolerância e exclusão que não perdeu sua atualidade. "O recente e lamentável episódio da excomunhão da menina violentada pelo padastro é um exemplo do caráter perene desse texto", acredita o artista.
O tratamento dado a Salvador e seus habitantes é outro ponto positivo, já exercitado por Guazzelli em Florianópolis (sua contribuição para a série Cidades Ilustradas). Uma concepção um tanto subjetiva de representação urbana, hoje desenvolvida em torno da capital boliviana, La Paz (onde esteve a convite do festival de quadrinhos Viñetas con Altura), em material a ser publicado em breve, na próxima edição da coletânea Ragú. "Procurei realçar esse personagem subliminar que é a própria cidade. Procurei inserir tipos humanos e um pouco da paisagem com planos aéreos da cidade. É o espaço que criei para mostrar meu trabalho, que passa longe do registro fotográfico".
* publicado no Diario de Pernambuco
Jubiabá ganha vida nos quadrinhos
Outra obra baiana acaba de ganhar versão para os quadrinhos. Jubiabá (Quadrinhos na Cia., R$ 33), de Jorge Amado, é um dos primeiros títulos do selo criado pela Companhia das Letras especialmente para publicações voltadas à essa linguagem híbrida, que oscila entre literatura e artes gráficas. Quem assina a adaptação é João Spacca de Oliveira, cartunista e ilustrador que nos últimos anos tem se dedicado a produzir HQs sobre personagens históricos, como Santos Dumont (Santô e os pais da aviação), Regis Debret (Viagem quadrinhesca ao Brasil) e Dom João VI (D. João Carioca).
O livro, um dos mais famosos do célebre escritor, acompanha a formação afetiva e social do negro rebelde Antônio Balduíno, sempre sob a proteção do velho Jubiabá, que substitui o pai que nunca conheceu. Sob os cuidados de Spacca, as aventuras de Baldo ganharam dinamismo, cor e detalhes precisos de uma época que não existe mais.
"Jubiabá reúne muitos temas que, mais tarde, ganhariam livros próprios. É um grande painel dos personagens e cenários de Jorge Amado. Essa variedade de ambientes, tipos - malandro, prostituta, capoeirista, boxeador, artista de circo - e situações - a vida nas ruas, a greve portuária - é muito estimulante de desenhar", conta Spacca, no posfácio à obra, que levou um ano e meio para ficar pronto, entre pesquisa e a arte final.
Entre as fontes, o artista recorreu à Bahia fotografada por Pierre Verger, a pintura Favela, de Di Cavalcanti e um guia de Salvador escrito pelo próprio Jorge Amado. Este universo do Brasil dos anos 30 lhe pareceu atraente, inclusive como preparação para seu próximo projeto, a biografia ilustrada de Monteiro Lobato.
*publicado no Diario de Pernambuco
sábado, 13 de junho de 2009
Cumade Fulozinha em versão para o cinema
Ademir e equipe nas locações de Nossa Senhora do Ó
Na tarde de hoje, a procissão de Santo Antônio da comunidade de Chã de Tábua, São Lourenço da Mata, servirá de pano de fundo para a produção de um longa-metragem. O tradicional evento religioso será a última locação trabalhada pela equipe de Cumade Fulozinha e a rabeca encantada, filme que mostra a origem desse personagem do folclore nordestino, e deve ser lançado ainda em setembro.
Para contar essa história, o diretor Ademir Di Paula utiliza atores em cenários rurais, que contracenam com personagens criados digitalmente como um cachorro falante e um dragão de São Jorge. Além de animações 3D, há uma série de efeitos especiais, realizados pela Studio 3, a produtora do filme.
Noventa por cento das gravações foram feitas no Engenho de Canoas, no distrito de Nossa Senhora do Ó, município de Ipojuca. Lá, a equipe encontrou tudo o que precisava para colocar em prática o roteiro que, de acordo com o diretor, tem forte inclinação católica. "Partimos da lenda do dragão que seca os rios, porque o caipora roubou uma rabeca". Preocupada com a situação, Cumade Fulozinha pede ajuda a outros personagens folclóricos, como o Ceguinho e Seu Lunga.
Ao longo do processo de pesquisa, Ademir encontrou diferentes versões para a personagem, inclusive na Europa. "Lá fora, a bruxa de Blair é uma versão da Cumadre Fulozinha. No Brasil, tem regiões que ela se mistura com o curupira".
Formado em artes cênicas, Ademir Di Paula tem um currículo de 14 curtas, todos feitos com dinheiro do próprio bolso, ou melhor, do caixa da Studio 3, que faz peças de publicidade. Em 2006, dirigiu seu primeiro longa, intitulado Cumade Fulozinha. Agora ele volta ao tema com outra abordagem, mais voltada para a comédia. "Quero tirar essa imagem negativa da personagem, geralmente vista como assombração. No filme, ela protege os animais e a natureza. Até o caipora rouba a rabeca de forma inocente".
Até o momento o filme está sendo feito "na raça". Para conseguir os recursos necessários (R$ 461,5 mil), a produtora batalha parceria com instituições públicas, e apoio da iniciativa privada, através da Lei Rouanet. Além disso, o projeto será inscrito em editais de patrocínio direto. Enquanto o patrocínio não vem, nada de reclamar e cruzar os braços. Há trabalho pela frente e Cumade Fulozinha não tem tempo a perder.
sexta-feira, 12 de junho de 2009
Hoje, às 21h - Valsa com Bashir em debate
Hoje, às 21h, eu participo de sessão-debate de Valsa com Bashir.
Será no Multiplex Boa Vista.
Uma ocasião especial, não somente para aprofundar a discussão sobre os conflitos entre israelenses e palestinos, mas também para refletir sobre a ousada proposta estética deste documentário.
Para tanto, foram convocados o documentarista Gualberto Ferrari, representando a Les Films d'Ici (co-produtora do filme); os professores Jáder Tachlitsky (especialista em história judaica) e Suzana Cavani Rosas (chefe do departamento de História da UFPE); e dos jornalistas André Dib, Thiago Soares, Luís Fernando Moura e Fernando Vasconcelos.
Valsa com Bashir é um desenho animado para adultos, em que soldados israelenses (entre eles, o próprio diretor do filme, Ari Folman) contam histórias sobre a Guerra do Líbano de 1982.
Leia aqui matéria que escrevi para o Diario de Pernambuco sobre Valsa com Bashir.
Reflexões sobre o ciclo da vida - "A Janela", em cartaz no Cine Rosa e Silva
A simplicidade talvez seja uma das mais admiráveis qualidades de um filme. É o caso de A janela (La ventana, Argentina/Espanha, 2009), que estreia hoje no Cine Rosa e Silva, em dois horários diários: 19h e 20h40. Uma obra que oscila entre prosa e poesia, marcada por reflexões sobre o ciclo da vida humana, sensível fruto da maturidade artística do diretor Carlos Sorin.
Entre a aurora e os últimos raios de sol, certo número de eventos se passam numa fazenda secular no norte da Patagônia. Tudo gira em torno de Antonio que, devido a um recente problema no coração, vive sob cuidados de serviçais, e se restringe a olhar o mundo através da grande janela de seu quarto. Ansioso, ele aguarda a visita do filho, pianista de sucesso há muito tempo radicado na Espanha.
Enquanto o filho não chega, preparativos tomam conta do belo casarão colonial: um técnico afina o piano há anos abandonado; o médico faz um exame de rotina. Até que, inconformado com a condição de enfermo, Antonio (não por acaso interpretado pelo veterano escritor Antonio Larreta) desafia as recomendações médicas e parte para um passeio no campo, momento máximo da beleza fotográfica dos 85 minutos de película.
Objetivamente há um tempo narrativo que percorre o dia. No entanto, para o protagonista há uma dimensão além, uma imersão subjetiva desencadeada a partir de um sonho em que relembra situações da mais tenra idade. Momentos construídos de tal forma que só o cinema poderia revelar.
* publicado no Diario de Pernambuco
quarta-feira, 10 de junho de 2009
Memória da luta operária
Ilustração publicada em 1º de maio de 1915, no jornal A voz do trabalhador, da Confederação Operária Brasileira
Os primeiros registros de movimentos socialistas em Pernambuco remontam há mais de 160 anos. Essa história será contada hoje, às 14h, durante o evento Manifestações operárias e socialistas em Pernambuco - das origens aos anos 60. A programação inclui um amplo debate e exposição iconográfica. Aberto ao público, o evento é promovido pelo Núcleo de Estudos Eleitorais Partidários e da Democracia, vinculado ao Programa de Pós-graduação em Ciência Política da UFPE.
As palestras contam com a presença de historiadores que produziram teses, livros e artigos sobre esses temas. "Vamos destacar a produção historiográfica da UFPE, mas haverá exposição de trabalhos de outros lugares do país", diz o coordenador do NNEPD, professor Michel Zaidan Filho.
Ele explica que a gênese do movimento socialista no Estado surgiu no século 19, com a deflagração da Revolução Praieira, em 1848. Além do livro O socialismo (reeditado pela Paz e Terra), escrito pelo general Abreu e Lima (um dos ideólogos da revolta), há documentos da época, como a revista O Progresso (reeditado pela Cepe) e os jornais O Diario Novo e A Barca de São Pedro.
Já a exposição traz jornais, panfletos, brochuras, fotos e livros da época, inclusive de material ligado à imprensa operária. Uma das imagens, a mesma usada no material de divulgação do evento, foi publicada originalmente 1º de maio de 1915, no jornal A voz do trabalhador, da Confederação Operária Brasileira. "A figura do trabalhador se libertando dos grilhões, olhando pro sol da liberdade, marca o imaginário de uma época. É uma alegoria do que seria o avanço do homem trabalhador, a construção de uma nova sociedade", interpreta Zaidan.
No entanto, o decorrer do século 20 guardaria para os movimentos operários pernambucanos certo número de conquistas (como as das lutas das Ligas Camponesas) e reveses (nos anos 30 Getúlio Vargas controlou os sindicatos). "A repressão política do regime militar perseguiu, prendeu e torturou, mas hoje a situação é outra, ossindicatos se reorganizaram. Como a situação política mudou, há organizações que são quase parte do governo, pois se tornaram uma espécie de gestores do dinheiro público voltado para as ações. Uma delas é a Fetape (Federação dos Trabalhadores na Agricultura de Pernambuco), que agrega os sindicatos rurais", conta Zaidan.
O ciclo de palestras terá participação de seis professores do NNEPD, e tratará dos seguintes temas: aspectos do movimento operário e sindical em Pernambuco (Antonio Rezende); panorama da década de 20, com foco na fundação do Partido Comunista Brasileiro e os pioneiros no Estado (Zaidan); trabalhadores e a Revolução de 30 em Pernambuco (Brasília Carlo Ferreira); manifestações operárias nas décadas de 30 e 40 (Nadja Brayner); o partido comunista na década de 60 (Flávio Brayner); e o sindicalismo rural em Pernambuco na década de 60 (Maria do Socorro Abreu).
Zaidan revela que o interesse do evento é apresentar as lutas que já existiram em Pernambuco. E apontar a atual crise de identidade nestas organizações. "Hoje elas estão amortecidas pelo atrelamento à política governamental. E o movimento só anda quando é de oposição".
Serviço
Manifestações operárias e socialistas em Pernambuco
Quando: Hoje, às 14h
Onde: Auditório do Programa de Pós-graduação em Ciência Política (14º andar do Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFPE)
Informações e inscrições: 2126-7351
Entrada franca
*publicado no Diario de Pernambuco
terça-feira, 9 de junho de 2009
João Silva e Jackson do Pandeiro afinados com São João
João Silva, autor do forró Pagode Russo: um dos homenageados do São João 2009 do Recife
As comemorações em torno de João Silva e Jackson do Pandeiro, homenageados do São João da prefeitura do Recife, começam a ganhar maior dimensão a partir de hoje, em diferentes endereços da cidade. Às 9h, na Casa do Carnaval (Pátio de São Pedro), será inaugurada a exposição interativa e itinerante sobre os artistas. Às 15h30, na Livraria Cultura (Paço Alfândega - Recife Antigo), haverá a segunda etapa do ciclo de palestras Jornadas Gonzagueanas. E às 20h, no Teatro de Santa Isabel, a Orquestra Sinfônica do Recife apresenta arranjos especiais para músicas de João e Jackson, entre outros compositores. Todos os eventos têm entrada franca.
Nascido em Arcoverde, João Silva voltou a Pernambuco há apenas oito meses, e diz que nem tão cedo pretende "arredar" o pé da capital que, no próximo dia 18, concederá a ele título de cidadão recifense. No encontro de hoje na Livraria Cultura, ele se encontra com os pesquisadores Ademário King e Mávio Holanda (a quem a prefeitura comprou o atual acervo do Memorial Luiz Gonzaga). "João Silva foi a pessoa que mais compôs para Gonzaga. Conversando com ele, poderemos saber detalhes dessa parceria", disse King, que mora em Caruaru e viaja especialmente para o evento.
Aos 73 anos de vida e mais de 2 mil composições gravadas por Gonzaga, Jackson, Quarteto em Cy, Núbia Lafayette, Ari Lobo, Simone, Ney Matogrosso, entre outros, João Silva tem sua vida contada em livro de José Maria Almeida Marques, intitulado Pra não morrer de tristeza, e filme de Deby Brennand, Recordações nordestinas (em fase de produção). Ele mesmo explica que, das 114 canções feitas para o Rei do Baião, 26 são instrumentais. "São músicas soladas por Gonzaga, e foram lançadas num disco da gravadora Copacabana", explica o veterano compositor de Pagode russo e Danado de bom, que às 20h terá parte de sua obra tocada no palco do Santa Isabel, em arranjos sinfônicos de Nilson Lopes.
O Concerto de São João apresenta arranjos inéditos para orquestra e sanfona, em que o forrozeiro Genaro será o solista. Às 9h, no mesmo local, haverá ensaio aberto ao público. "Já fizemos algo parecido no projeto Sivuca Sinfônico, mas essa é a primeira vez que a Orquestra do Recife se envolve diretamente com o São João", conta o maestro Osman Gioia. No repertório também haverá novas versões para Sebastiana e Vou me casar, em arranjos assinados por Sérgio Campello, do grupo SaGrama, e a execução de Concerto Sinfônico para Asa Branca, criação de Sivuca, agora tocado por Gennaro. O sanfoneiro, que hoje interpreta o mestre Sivuca, também tem uma história especial com Jackson do Pandeiro, com quem iniciou carreira. "Conheci Jackson no Rio de Janeiro em 1975, quando ele tinha um programa de rádio. Tive a felicidade de tocar com ele nos meus primeiros discos, antes de entrar no Trio Nordestino", lembra Gennaro.
A exposição que abre hoje na Casa do Carnaval é boa oportunidade para conhecer melhor a vida e obra dos homenageados. Às 9h, a solenidade de abertura conta com a presença de Dona Almira Castilho e Dona Neusa Flores, respectivamente: a segunda esposa e parceira de trabalho, e a viúva de Jackson do Pandeiro. A partir do dia 12, a exposição prossegue no Shopping Tacaruna.
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segunda-feira, 8 de junho de 2009
Toca Raul!!
Grande Raul Seixas. Humor, sinceridade, rebeldia rock'n'roll. E tá passando na TV.
No programa De Lá pra Cá, de Ancelmo Gois. Canal Brasil.
Depoimentos de Marcelo Nova, Sylvio Passos (desmantelou fã-clube do Led Zeppelin para fundar o Raul Rock Club), Nelson Motta, e a DJ Vivi Seixas, a filha que Raul teve com a última mulher, Kika.
E a informação de que no Brasil há pelo menos 150 covers de Raul.
"Meu testamento eu deixei. É a minha lucidez", lembra Vivi, hoje com 28 anos.
Um dia a gente chega lá.
Matéria primordial da sétima arte - entrevista com Carlos Ebert
Carlos Ebert, Lúcio Kodato e Flávio Ferreira, três experientes diretores de fotografia do cinema nacional, se encontram no Recife para ministrar uma das oficinas do Centro Audiovisual Norte-Nordeste (Canne). Será amanhã pela manhã, somente para convidados. Logo depois, é a vez do público interessado receber uma superaula sobre o tema, na palestra gratuita Novos horizontes do cinema nacional, marcada para as 15h no Cinema da Fundação (Fundaj - Derby).
Na pauta estão as novas perspectivas da cinematografia contemporânea, inclusive no que diz respeito à interação entre linguagens, gêneros e mídias. A união de forças entre os três "cinematógrafos", para usar um termo mais específico, faz da palestra uma ótima oportunidade para compreender o cinema a partir de sua matéria primordial: a luz.
O evento é promovido pela diretoria de cultura da Fundaj, em parceria com a gerência de audiovisual da Fundarpe. A organização é de Flávio Ferreira que, entre outros trabalhos, é responsável pela fotografia da novela Xica da Silva (TV Manchete) e dos programas Brasil legal e Brava gente brasileira (Globo). Já Kodato trabalhou com uma infinidade de diretores, entre eles Leon Hirszman, Roberto Santos, Maurice Capovilla e Silvio Tendler, e John Boorman, na produção internacional Floresta das esmeraldas (1985).
Completa a tríade o carioca Carlos Ebert, que começou aos 19 anos como um dos fotógrafos do clássico O bandido da luz vermelha (1968), de Rogério Sganzerla, e nos últimos anos vem trabalhando com talentos como o paranaense Rodrigo Grota (Satori Uso, Booker Pittman) e o pernambucano Marcos Enrique Lopes, com quem desenvolve o curta-metragem Janela molhada. Em entrevista ao Diario, ele antecipa alguns temas que serão tratados no encontro de amanhã.
Entrevista // Carlos Ebert: "A sensibilidade e conhecimento de cada fotógrafo levam a uma imagem única"
Como o senhor define uma profissão como a sua, situada entre a técnica e a criatividade?
Costumo dizer que o diretor de fotografia é uma espécie de demiurgo entre o roteiro escrito e a criação das imagens. É um trabalho mais de transcriação que de transposição. Por isso, a escolha de um diretor de fotografia é uma espécie de eleição por afinidade estética e também de afetividade, pois é preciso se dar bem com a pessoa. Claro que fazer um filme é trabalho de equipe, mas a sensibilidade e conhecimento de cada fotógrafo levam a uma imagem única. Por isso, há diretores que gostam de trabalhar com determinados fotógrafos, mas em determinados filmes percebem que não é o fotógrafo ideal. Cada caso é um caso. Nos grandes filmes da história do cinema, o "casamento" entre diretor e fotógrafo sempre é muito bom.
Qual a diferença do seu trabalho com Sganzerla, e o que você vem desenvolvendo com novos diretores?
É diferente sim. Com o Sganzerla nós tinhamos a mesma idade, estavámos descobrindo como fazer cinema juntos. Aos 42 anos de carreira, prefiro trabalhar com os mais novos porque já conheço as demandas da minha geração. Gosto dos jovens porque seus pedidos constituem um desafio. Por essa experiênca, posso ajudá-los a realizar suas ideias.
Nos filmes feitos hoje no país, há o que possa ser classificado como uma fotografia "brasileira"?
Não. As ferramentas de captação digital aumentam em número e qualidade, o que deu espaço para o surgimento de uma diversidade de estilos. Mais do que isso, as fotografias estão se tornando cada vez mais específicas para cada história.
As possibilidades digitais permitem simular a textura da película de forma satisfatória, ou isso permanece um desafio?
É possível simular qualquer coisa digitalmente, inclusive riscos e outras "sujeiras" de filmes mal conservados. O suporte digital já chegou na mesma resolução que o fotoquímico, mas isso não significa o fim da película, pois ela ainda é a melhor forma de conservar um filme. Se bem cuidada, a película pode durar até 150 anos, e nenhum arquivo digital chega a tanto. Nisso ela é superior, e essa é uma função muito nobre.
Quais vantagens e desvantagens da nova geração de fotógrafos, que começa trabalhando no suporte digital?
A vantagem deles é desfrutar dessa diversidade de formatos e possibilidades infinitas de manipulação da imagem, algo inédito para qualquer outra geração. A desvantagem é que, para desfrutar disso com bom rendimento, é preciso mais disciplina na definição da linguagem. Pois é muito fácil se seduzir com os efeitos e perder o foco narrativo do filme.
* publicado no Diario de Pernambuco
Cineclube no reduto da boemia
"Adeus lar, doce lar", em cartaz hoje, no Bar Central
Nos últimos anos, o Bar Central tem sido endereço certo da boemia. Agora é também o mais novo reduto cineclubista da cidade. Desde a semana passada, ele abriga o Cineclube Amoeda Digital, que toda segunda-feira exibirá um filme dentro do tema, estranho, a princípio, "Coisa e tal". A sessão de hoje traz a produção francesa Adeus lar, doce lar (1999), de Otar Iosseliane, que ao apresentar os dramas de uma família incomum, contempla o objetivo de, nas palavras do manifesto de divulgação do projeto, "exibir filmes com narrativas indefinidas, libertárias e que exploram temas arremessando-os ao ar".
Ainda este mês estão programados os filmes 4 meses, 3 semanas e 2 dias (Romênia, 2007), de Cristian Mungiu, Limite (Brasil, 1931), de Mário Peixoto e um último filme a ser definido por um convidado, sob o critério de propor diálogo com os filmes anteriores e conduzir a uma conversa reflexiva após a sessão. A seleção está de acordo com a proposta original do cineclube, a de oferecer uma programação de nacionalidade e época variadas, sempre no suporte digital (eles ficam armazenados um super-HD externo).
"Limite é o filme mais 'coisa e tal' do cinema brasileiro. Ele é um mito do qual muito se fala, mas ainda é um grande mistério. Representa onde o cinema poderia ir mas não foi, pela linguagem fundamentada na montagem e na experimentação. Glauber dizia que Limite era que os russos gostariam de ter feito", diz Gê Carvalho, coordenador do Amoeda ao lado de Francisco Bragança e Ana Cláudia Vasconcelos.
Carvalho conta que a parceria com André Rosemberg, proprietário do Central, começou naturalmente, numa noite em que ele assumiu as vezes de VJ, projetando imagens aleatórias e filmes antigos. A empreitada pretende interferir na dinâmica do local, de forma a integrar dois hábitos: o de assistir filmes e o da boemia. "O ambiente incita a conversa. Após o filme dá pra trocar uma ideia, tomar uma cerveja. Esperamos que o público esteja aberto não só para assistir, mas para participar daorganização e discussão do cineclube. Não queremos apenas passar e ver filmes, mas sim, trazer à tona o Cinema".
Serviço
Cineclube Amoeda Digital
Onde: Bar Central (Rua Mamede Simões, 144 - Boa Vista)
Quando: Hoje, às 18h.
Informações: 8741-1615
Entrada franca
*publicado no Diario de Pernambuco
quinta-feira, 4 de junho de 2009
Valsa com Bashir e as memórias da Guerra do Líbano
Um documentário nada convencional está em cartaz no Recife. Provocativo seria mais exato, por um certo número de motivos, mas principalmente por narrar uma guerra a partir de memórias, sonhos e delírios. E por fazê-lo na forma de desenho animado - recomendado para adultos, é bom que se diga. Seu nome é Valsa com Bashir (Waltz with Bashir, 2008), vencedor do Globo de Ouro de melhor filme estrangeiro, entre outros 15 prêmios ao redor do mundo. Valsa com Bashir pode ser visto nos horários reservados à Sessão de Arte do sistema Severiano Ribeiro (hoje às 19h, amanhã às 11h, no Multiplex Boa Vista; segunda, às 19h20 no UCI Tacaruna; dias 12 e 13 de junho, novamente no Boa Vista; e de 15 a 18 de junho no UCI Boa Viagem).
O diretor do projeto, o israelense Ari Folman, é também o personagem principal. Aos 19 anos de idade, ele participou como soldado na Guerra do Líbano, deflagrada por Israel em 1982. O filme apresenta Folman como alguém bastante intrigado com o fato de não guardar lembrança alguma de sua experiência. A única imagem que resta em sua mente é uma situação etérea em que, envolto de água do mar, observa uma cidade destruída sob a luz de sinalizadores noturnos.
O que os próximos 75 minutos mostram é a busca de Folman pela memória reprimida, o que faz do filme uma espécie de divã. Antes, ele procurou seu melhor amigo, o terapeuta Ori Sivan. Ele explicou que a memória é fluida, portanto, passível de ser recriada a cada momento. Ou seja: aos poucos, vira ficção. E que, 25 anos depois, a única forma de ter certeza do que se passou naquele episódio, seria ouvir o relato de outras pessoas que também estiveram lá.
Folman parte então para uma investigação não exatamente jornalística, pois passa por seqüências lisérgicas (a opção pelo formato desenho animado ajuda muito no resultado) e musicais – a trilha sonora pop traz canções de OMD, PIL e um remake do grupo Cake para Korea, rebatizada Beiruth.
Uma pegada “rock’n’roll” já vista anteriormente nas histórias de Joe Sacco, autor de várias reportagens em quadrinhos, inclusive no front árabe-israelense. Outro antecedente é Persépolis, HQ/desenho animado baseado nas memórias da iraniana Marjani Satrapi sobre a revolução islâmica de 1980. Bashir, aliás, também virou livro em quadrinhos, lançado no mês de abril pela L&PM Editora.
Valsa com Bashir é um marco no cinema de animação, não somente por ter sido a primeira produção do gênero a ser indicada ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Mas porque provavelmente é o exemplar mais bem acabado do que pode ser um novo gênero: o documentário de animação (no Brasil temos um ótimo exemplo em curta-metragem, a produção paulista Dossiê Rê Bordosa).
Para tanto, ele conciliou técnicas de produção diferentes, como a animação vetorial (ou em “flash”), 3D e a convencional, com desenhos feitos à mão. O resultado final é parecido com as experiências de Richard Linklater em Waking life (2001) e O homem duplo (2006), em que cenários são mais “reais”, e os personagens, mais perto do cartoon. O que, na prática, e dependendo do grau de envolvimento do espectador, pode gerar uma identificação bem próxima da hipnose.
Aqui é bom diferenciar as técnicas usadas por Forman e Linklater. Enquanto o primeiro utiliza personagens filmados apenas como referência para a criação do movimento, o segundo transforma a imagem gravada em animação, de acordo com o processo batizado de rotoscopia.
Estetização da violência - Guerras são tidas como o principal elemento motivador do desenvolvimento tecnológico. No campo da arte, ela tem sido tema de obras com alto teor de deleite visual e pesquisa de linguagem. Exemplo recente é a série O fotógrafo, uma espécie de híbrido entre HQ e imagens fotografadas por Didier Lefreve durante a invasão russa ao Afeganistão, em 1985.
Ao espetacularizar os efeitos de tanques esmagando carros e soldados atirando aleatoriamente nas ruas de Beirute, a estética de Valsa com Bashir também experimenta e expande os limites do documentário. Inclusive ao inserir imagens de arquivo em que mulheres confinadas ao extermínio gritam em desespero. Elas estão lá, estrategicamente posicionadas para nos lembrar de que aquelas situações foram, e continuam bastante reais.
É verdade que o trauma fortemente reprimido pelo diretor Ari Folman pode ser entendido como sintoma de qualquer guerra, mas é preciso considerar o caso específico aqui levantado. Israel invadiu o Líbano em junho de 1982, como resposta a mísseis disparados em Israel por extremistas palestinos radicados no país. Foram três anos de sangrenta ocupação. Nesse período, o país se tornou um campo de extermínio de palestinos, promovido por falanges cristãs. Se não há como provar o envolvimento direto de Israel, é possível concluir que ao menos houve conivência de suas autoridades, lideradas pelo então secretário de defesa Ariel Sharon. A matança foi deflagrada após Bashir Gemayel, candidato cristão à presidência do Líbano, ter sido vítima de um atentado a bomba.
Nesse contexto, fica simples compreender a postura ambígua dos cidadãos israelenses perante o drama do povo palestino, assentado em países vizinhos após serem expulsos de suas terras em prol da criação do estado de Israel. Tome o exemplo de Folman. Seus pais, como os de seus companheiros de geração, sobreviveram ao nazismo, cuja prática fez dos judeus as maiores vítimas do século 20. Por outro lado, há o sentimento de culpa pelo que desde 1948 seus líderes vêm fazendo – e ele mesmo fez ao pegar em armas – contra o povo palestino. A desproporção de forças se reflete no número de vítimas do conflito de 1982: entre 17 e 25 mil árabes mortos, contra 344 do lado israelense.
Produzir este filme pode ter sido um processo terapêutico para o diretor, que sentiu na pele o horror do massacre. Completamente compreensível enquanto manifesto individual. Enquanto produto internacional (uma co-produção entre oito países, entre eles Israel e Estados Unidos) distribuído pela Sony, a coisa ganha outra dimensão, ideológica, inclusive. Para os palestinos, no entanto, trata-se apenas de um suspiro reflexivo que, se não vier acompanhado de atitudes conciliatórias, não fará muita diferença na contagem dos corpos.
*publicado no Diario de Pernambuco, com alterações
O humano tratado com leveza e humor
Ao longo do tempo, o psiquiatra José Ângelo Gaiarsa desenvolveu um admirável talento: o de tratar de temas complicados, geralmente ligados ao comportamento humano, com leveza, humor e clareza. Enquanto fala, ele chama a atenção não somente pela força do discurso, como pela forma jovial e franca de expressá-lo.
Há quem o reconheça graças à TV - durante cerca de dez anos, ele apresentava todas as manhãs o quadro matinal Quebra-cabeça, transmitido pela Band. Sua carreira, no entanto, data de muito tempo antes, e já ultrapassa seis décadas de dedicação e mais de 30 livros publicados.
Aos 88 anos "e meio", faz questão de ressaltar, ele acaba de lançar A inconsciência coletiva (Ágora, R$ 51,90), em que analisa e atualiza o trabalho do psicanalista Wilhelm Reich, o criador da análise bioenergética.
Dr. Gaiarsa está no Recife e apresenta hoje a palestra Por que é tão difícil amar o próximo?. Será às 19h, no Libertas Socializante (Rua Rodrigues Sette, 80 - Casa Amarela). Inscrições custam R$ 20 e devem ser feitas pelo telefone 3441-7462.
Em entrevista ao Diario, ele trata das razões, sintomas e consequências dessa dificuldade em lidar com "o outro" e aborda temas pessoais sem muitas abstrações: sua capacidade de traduzir grandes verdades para o cotidiano continua impecável.
Entrevista // José Ângelo Gaiarsa: "Somos muito mais versáteis e precisamos desenvolver isso"
Por que "amar o próximo" é algo que fica mais no discurso que na prática?
O "próximo" é sempre algo coletivo, pois na prática ele é meu inimigo, meu competidor. Eu posso até amar o próximo, desde que ele seja sempre o mesmo. É fato que estamos todos "emoldurados", não usamos 10% de nossa aptidão de movimento. Todo mundo sabe qual o seu jeito. Se você sai dele, os conhecidos falam: "como assim?" E a paralisia que você aprendeu na infância está fadada a ser eterna.
As pessoas se sentem mais seguras quando "o outro" é sempre o mesmo...
Sim, pois é preferível ter o outro sob controle que amá-lo. A "educação" consiste em limitar movimentos. Você não faz ideia das possibilidades do nosso aparelho locomotor, a nossa capacidade de movimento é infinita. A soma de todas as danças, lutas, esportes e artes circenses é o que o corpo humano pode fazer. E a restrição de movimentos é mortífera. É ser morto em vida, virar um paspalho bem comportado, com meia dúzia de movimentos repetidos. Como duas estátuas podem se amar, ou dois bonecos articulados podem se amar, dançar, ter relações sexuais, a não ser de formas pré-estabelecidas? Somos muito mais versáteis e precisamos desenvolver isso.
Como?
Para bem amar é preciso repensar a posição machista da sociedade. Sexo para o homem começa quando ele entra na gangue, que é a pior forma de "machice". E para me aproximar de uma mulher com amor, preciso perder 80 % da minha "machice". Antes de mais nada, amar envolve um profundo respeito pela mulher. Coisa que o machão não tem nem de longe. Das inversões mais radicais da espécie humana, a maior é a opressão da fêmea. A mulher vive para manter a vida, é dona indiscutível da natureza. O melhor que o homem pode fazer é pôr-se a serviço dela. E experimentar prazeres como nunca sentiu na vida, em vez da vulgaríssima trepada. Talvez a maior revolução seja o avanço da mulher na representação social. Sempre falo de um partido das mães e de uma escola para a família. Sei que a mulher corre o sério risco de se contaminar e virar "macho". Eu espero que não, pois a mulher não é inerentemente agressiva. O macho é. Enquanto os machos dominarem o mundo, a humanidade será a catástrofe que já tem sido.
Do que trata seu último livro, A inconsciência coletiva?
Ele tem muito do Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago. Tem a ver com não querer olhar a si, não se deixar influir pelo outros.
Qual a importância do trabalho de Wilhelm Reich, tema que o senhor desenvolve não só na nova obra, mas ao longo de sua carreira?
Podemos entender a partir da diferença entre Freud e Reich. Freud disse: "deita aí e fala. Eu não quero te ver". Após certo número de encontros, ele se sentia um pouco embaraçado de ficar diante da pessoa, pois é difícil ficar sem interagir. O jeito é só escutar. É a antecipação da psicologia pelo celular. Por sua vez, Reich começou a reparar no paciente e viu que tudo o que havia de inconsciente nele está expresso pelo corpo. E assim começou a psicologia do corpo.
O senhor ganhou fama nacional com um programa de TV bastante assistido por mães que não sabem o que fazer com seus filhos. Hoje, o que diria para essa audiência?
É difícil, não gosto de dar conselhos, pois a criança é um produto que aparece no mundo sem instruções para uso. Mas posso dizer o seguinte: seu filho não é nada do que você pensa. Ele não é bobo, não é inocente, não é ingênuo. Ele é muito esperto, muito atento, aprende dez vezes mais depressa que você. Em vez de tratá-lo como criança, o melhor que você pode fazer por ele é respeitá-lo. Isso é até mais importante que amá-lo.
segunda-feira, 1 de junho de 2009
Uma rua que mudou vidas
Avenida Brasília Formosa, novo filme de Gabriel Mascaro, será lançado hoje, às 18h, em evento na Associação dos Moradores de Brasília Teimosa (Rua Paru, 291). Quem promove a projeção é a TV Universitária, parceira local do Doc TV, programa que em sua quarta edição contemplou 55 roteiros de todo o Brasil, entre eles, o escrito por Mascaro. O resultado começa a ser mostrado a partir da próxima quinta-feira, em programas semanais. Na telinha, o filme de Mascaro será exibido somente em setembro, o que faz da sessão de hoje uma avant-première especial, inclusive pelo fato de ser um retorno à população do bairro-objeto do filme.
Esta não é a primeira produção do diretor a ser exibida em rede nacional. Em 2007, uma versão reduzida de KFZ - 1348 (dirigido com Marcelo Pedroso) entrou na grade do SBT através do projeto Documenta Brasil. "Me sinto contemplado ao fazer um filme com total independência e liberdade de criação, e ver esse trabalho na TV", diz Mascaro, por telefone. "Até porque escolhi um roteiro ficcional, que foi aprovado num edital para documentários".
Antes que a declaração provoque celeumas, explica-se: em Brasília Formosa não há território delimitado entre linguagens. Longe do conceito de "câmera invisível" proposto pelo cinema direto, o filme promove encontros entre pessoas que tiveram as vidas alteradas pela construção da avenida que substituiu as palafitas. Segundo o realizador, tais encontros de inclinação ficcional se tornaram a "matéria fílmica".
"É um projeto arriscado e ao mesmo tempo despretensioso", comenta o diretor, ao descrever as opções estéticas adotadas com o diretor de fotografia Ivo Lopes de Araújo, diretor de Sábado à noite (também contemplado pelo DocTV) e fotógrafo do curta Grão, de Petrus Cariry. "Optamos por planos fixos e distantes dos personagens. Além disso, usamos jogo de espelhos para direcionar a luz em ambientes fechados. Resolvemos nos aproximar daquela realidade a partir dos sons. Isso trouxe uma complexidade interessante, que mistura ruídos com vozes nem sempre compreensíveis. Há momentos em que colocamos três faixas de música ao mesmo tempo", descreve Mascaro.
O projeto do média-metragem de 52 minutos começou a ser filmado em setembro de 2008, mas a história entre diretor e locação é anterior. "Tenho uma relação pessoal com Brasília Teimosa, sempre estou por lá". A ideia para o roteiro surgiu quando ele percebeu que havia uma "conexão sonora" na comunidade. Essa sinfonia que vem de vários lugares foi entendida como um espaço de coletividade e intimidade diferente do vivido pela classe média.
Assim como em KFZ, o plano a médio prazo é lançar a versão para cinema de Avenida Brasília Formosa, que já está montada e terá 1h35 de duração. Antes, porém, Mascaro se dedica à promoção do longa Um lugar ao sol, documentário que enfoca nos moradores das coberturas do Recife, São Paulo e Rio de Janeiro.
Orquestra do Coque ganha mais projeção
O Teatro da UFPE estava repleto de integrantes da sociedade pernambucana, reunida para a entrega do 5º Prêmio Odebrecht de Engenharia. Se as estrelas da noite foram os três futuros engenheiros agraciados com a comenda, a "cereja do bolo" foi um show promovido especialmente para a ocasião, em que a Orquestra Cidadã dos Meninos do Coque receberam três convidados de peso: Dominguinhos, Yamandú Costa e Silvério Pessoa. Imagens e sons do encontro foram documentados para gerar um CD/DVD com renda revertida para a manutenção do projeto.
O namoro entre a Orquestra Cidadã com uma das maiores empreiteiras do País começou na Bahia, quando o presidente Lula pediu ao presidente da empresa para apoiar o projeto. O primeiro compromisso é a construção de uma sede própria. "Sempre que abraçamos um projeto procuramos deixar algo de sustentabilidade", disse Érico Dantas, diretor de engenharia da Odebrecht e curador do evento. Ele disse à reportagem que conhece a realidade do Coque, pois há25 anos trabalhou no local para a construção do metrô. "Meu canteiro de obras era dentro do Coque". E que o "caso" da Orquestra deve ser transformado em "causa", e ser replicada como exemplo em outras comunidades pobres.
"Esse é um dos melhores projetos que já vi. Estão dando um caminho pra essa meninada que vem da favela. Eles estão lendo música como quem bebe água", disse Dominguinhos, pouco antes de subir ao palco com o guitarrista Sandro Haick, com quem tocou Princesinha no choro, Molambo (mais Yamandu Costa), Légua tirana e Tenho sede. O sanfoneiro também lembrou da própria trajetória, de origem humilde, e do papel determinante do "padrinho" Luiz Gonzaga para o grande artista que ele veio a se tornar. "A situação hoje é pior, porque antes o comando era da família", compara. Dominguinhos ainda disse que, de certa forma, a "mão de ferro" de Cussy assume a função atualmente tão rara de estabelecer disciplina.
Silvério, que já se apresentou com a Orquestra Sinfônica da Cidade do Recife e também do Rio de Janeiro, falou nos bastidores sobre o valor estético do diálogo entre popular e erudito. "É um tempero bem aceito pelo público", disse o compositor. Ele acredita que o valor do encontro ali promovido está não só no repertório e arranjos, mas no olhar particular de cada um dos artistas envolvidos. O maestro Cussy de Almeida vê como positiva a presença da música popular no repertório da Orquestra. "Ela ensina a dimensão rítmica maravilhosamente bem. É importante que eles, como futuros profissionais, tenham um leque aberto de opções de trabalho".
A Orquestra Cidadã nasceu sob auspícios do desembargador Nildo Nery e do Juiz de direito, João Targino, que convidaram Cussy de Almeida para assumir a direção artística. A primeira empresa a abraçar o projeto foi a Chesf. Depois vieram a Caixa, a Confederação Nacional das Indústrias, a Celpe, a Pamesa, a Unimed (através de planos de saúde gratuitos para os meninos), a Center Produções e agora, a Odebrecht. O grande objetivo é cobrir os custos da primeira etapa do curso, que custa cerca de R$ 1,5 milhão por ano (hoje são 130 alunos). "Dentro de dois ou três anos teremos 20 ou 30 músicos profissionais. Destes, pelo menos 10 deles terão condições de estudar fora do país", disse o maestro.
Antes da apresentação dos meninos, foi exibido uma espécie de vídeo institucional em que, entre outros momentos, uma garota se alimenta após ser aprovada no teste de admissão. "Agora ela tem a chance de ter um futuro", diz a voz do narrador; "são meninos que vêm do nada", diz um militar; "sinto emoção de ver um filho da favela crescendo", diz a mãe de um menino que vai se apresentar no programa do Faustão. Há também o encantamento do presidente Lula com a Orquestra. "Com o apoio de gente importante como Fausão e o presidente Lula, a Orquestra Cidadã está se tornando um marco da cultura pernambucana", diz a peça de divulgação, que convida o público a "adotar" um menino ao custo de R$ 1 mil por mês, valor menor do que os R$ 2,6 mil necessários para manter um bandido na cadeia. "A escolha é sua",completa a narração.
Uma matemática que pode não ser tão simples quanto parece, pois aqui não tratamos de números, mas de gente. Até porque, sem desmerecer o trabalho da Orquestra, deve haver mais opções na vida de um menino do Coque do que entrar para o projeto ou se tornar um bandido.
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