terça-feira, 31 de agosto de 2010
Cláudio Assis e a Febre do Rato
Nove anos depois de Amarelo manga, Cláudio Assis volta a filmar em Olinda e Recife. A partir de hoje, a produção de Febre do rato, terceiro longa-metragem do diretor pernambucano, movimenta a cidade com uma equipe de profissionais cariocas e pernambucanos. Durante a semana de ensaios, o elenco formado por Irandhir Santos, Nanda Costa, Matheus Nachtergaele, Mariana Nunes e Juliano Cazarré circulou em eventos e bares. No que diz o burburinho, Nachtergaele já está com o personagem incorporado, o coveiro Pazinha, e assim deve continuar até o começo de outubro, quando terminam as filmagens.
Apesar do momento ao mesmo tempo tenso e delicado que configura a pré-produção de um longa, Cláudio e Júlia Moraes receberam o Diario no casarão utilizado para os ensaios, no Sítio Histórico. Eles celebram a boa fase do cinema feito em Pernambuco, somente em 2010 contabiliza quatro longas em andamento, com distribuição garantida. Febre do rato será rodado em super 35mm, captado em cores para ser vertido em preto e branco na pós-produção. Como em todos os filmes do diretor, a fotografia é de Walter Carvalho, em formato cinemascope.
Contemplado em 2005 pelo fundo holandês Hubert Bals para desenvolvimento de projetos, Febre do rato tem acumulado patrocínios e apoios nacionais e estrangeiros, como a empresa argentina IMPSA. "Empresários entenderam que dá pra investir no cinema de ideias, independente do retorno financeiro", diz Júlia. "Nesse processo, a Fundarpe foi fundamental para a gente poder andar e ganhar os grandes editais, concorrendo com filmes do Brasil inteiro", complementa Cláudio. Com 90% do orçamento captado, falta garantir a finalização. "A Prefeitura do Recife ainda não oficializou, mas garantiu que vai nos apoiar".
Durante a prova de figurino, encontramos um Irandhir febril, possuído pelo poeta Zizo, personagem principal do novo filme. "Se tem algo que resume Zizo, é a atitude", disse o ator, que acaba de participar de O som ao redor, de Kleber Mendonça Filho, e a partir de outubro poderá ser visto em Tropa de elite 2. Semana passada, Irandhir conheceu Miró, com quem descobriu afinidades. "O destino trouxe Miró e fiquei com ele enquanto pude. Se eu tiver 1/3 dele no meu personagem estarei muito feliz". Para compor Zizo, Irandhir tem dormido e acordado com João Cabral, Drummond, Pedro Tierra e Murilo Mendes. No entanto, todas as poesias do filme são originais, escritas por Hilton Lacerda.
Boa parte de Febre do rato será rodada na Fábrica Tacaruna, que será morada de um triângulo amoroso vivido por Juliano Cazarré, Mariana Nunes e Vítor Araújo, que estreia como ator. Afora o elenco principal, Jones Melo, Paulina Albuquerque, Sâmara Cipriano, Chiquinho Serra Velho, Hugo Gila e a paulista Tânia Moreno prometem gerar cenas que, como nos demais filmes de Cláudio, ainda vão dar o que falar.
Entre atores, figurantes e participações especiais, serão mais de 400 pessoas. Um churrasco de Páscoa na casa de Zizo reunirá Jommard Muniz de Britto, Gaspar Andrade, Fernando Peres e Irma Brown, Wilma Gomes (ex-miss Pernambuco), Lala K e Carlos Carvalho. "Quero pessoas que na vida real seriam amigos do poeta e reunir a nossa cena cultural, uma metalinguagem a serviço do cinema", diz Rutílio de Oliveira, responsável pelo casting. Miró, Xico Sá, Roger de Renor e João do Morro também serão convidados. Evocados no título, ratazanas comuns nas alamedas da cidade não devem faltar. Mas a "febre do rato" não tem nada a ver com a doença provocada pelos roedores, mas com a expressão pernambucana para determinado estado de espírito. "É como se a pessoa azougada, com atitude para o bem ou para o mal, com vontade de lutar por alguma coisa", diz Cláudio.
Inspiração no avô poeta - Neta de Vinicius, Júlia Moraes busca no avô parte da inspiração para o poeta do novo filme de Cláudio Assis. "Ele viveu pra poesia e me deu condições de entender e viajar no universo do poeta. Com certeza estamos trazendo isso para o filme. Para ele a família, as histórias, a obra é uma só". Júlia tinha apenas seis anos quando Vinicius se foi. A breve convivência deixou nela uma imagem clara de entrega que agora ele transpõe para o filme, que ela descreve como "alto astral, de afirmação", de um personagem que não está preocupado com dinheiro ou sucesso, que "não quer se dar bem, mas ser quem ele é".
"Assim como ele, Zizo é um poeta do amor e da dor. E disso todo mundo entende. Seja parnasiana, romântica, escatológica ou concreta, a poesia é capaz de tocar as pessoas de forma profunda. E Zizo carrega consigo essa liberdade, que as pessoas querem viver mas não têm coragem, são amarradas".
Entrevista // Claudio Assis: "Tudo será mostrado com generosidade"
Após quase uma década, você volta a usar Olinda como cenário. Qual sua relação com a cidade?
Minha produtora funciona há 15 anos em Olinda, onde fizemos muitos curtas. Sempre quis fazer um longa aqui, em Amarelo manga filmamos nos Quatro Cantos, que é muito cinematográfico. E quando tive a ideia, imaginei o poeta como sendo de Olinda. Ia trazer o filme todo pra cá, mas queremos falar do Recife, que é um universo de contradições de cidade grande, que contém um mundo.
Como surgiu Febre do rato?
A ideia veio durante a filmagem de Amarelo manga, em Olinda, quando inventei um personagem com um amigo meu. Ele foi crescendo, chamei Hilton Lacerda e as ideias foram chegando, só naquele momento pensamos em 17 sequências.
Você descreve o filme como romântico, sobre pessoas apaixonadas. Seria uma mudança de rota, depois de dirigir dois filmes que mostram a vida cruel?
Pelo contrário, é a afirmação disso tudo. Se as pessoas não viram amor nos meus outros filmes, precisam ver de novo até encontrar. Tudo que já foi dito será mostrado de outra forma, com poesia, de uma maneira elegante, generosa, para que seja um filme prazeiroso. Mas não mudei nada, o assunto é o mesmo, só que contado de forma diferente.
Recife tem uma tradição de poetas de rua, seu poeta se conecta com esse cenário?
Zizo não é marginal, é revolucionário. Existe o Zizo, que é meu amigo desde os anos 1980, a quem estamos fazendo homenagem, mas não tem nada a ver com a vida dele. No filme, Zizo cria um mundo onde as pessoas são iguais: negros, gordos, magros, brancos, putas, travestis. Se eles transam ou casam, se separam de um grande amor ou ficam nele pra sempre, não importa, temos que respeitar as pessoas do jeito que são. E um poeta pode tudo, tem liberdade pra falar e fazer o que quiser.
Cinema é a sua forma de fazer poesia?
Lógico. E o poeta sou eu. Cinema é minha forma de dizer o que eu acho do mundo.
Por dentro do set
Febre do rato, 3º longa-metragem de Cláudio Assis, é uma co-produção entre a Parabólica Brasil e BelaVista Cinema, em associação com a Pacto Audiovisual e República Pureza Filmes.
Elenco:
Irandhir Santos - Zizo
Nanda Costa - Eneida
Matheus Nachtergaele - Pazinho
Ângela Leal - D. Marieta
Conceição Camarotti - Stellamaris
Maria Gladys - Anja
Mariana Nunes - Rosângela
Juliano Cazarré - Boca Mole
Victor Araújo - Oncinha
Tânia Moreno - Vanessa
Direção: Cláudio Assis
Produção: Julia Moraes e Cláudio Assis
Roteiro: Hilton Lacerda
Produção Executiva: Marcello Maia
Direção de Fotografia: Walter Carvalho
Direção de Arte: Renata Pinheiro
Direção de Produção: Joana Araújo
Coordenação de Produção: Barbara Rocha
Figurino: Joana Gatis
Montagem: Karen Harley
Trilha sonora: Jorge du Peixe
Produtor associado: Malu Viana
Distribuidor: Imovision
Orçamento total: R$ 2, 2 milhões
Patrocinadores e investidores: Petrobras / Fundo Setorial do Audiovisual - Finep / Prêmio Adicional de Renda - Ancine /Imovision / Banco do Nordeste / Chesf / IMPSA / Petra Energia / Copergás / Estaleiro Atlântico Sul / Secretaria de Turismo do Governo de Pernambuco / Empetur / Prefeitura de Olinda
Incentivo: Funcultura / Governo do Estado de Pernambuco
(Diario de Pernambuco, 31/08/2010)
sábado, 28 de agosto de 2010
Quadros roubados
Um novo crime envolvendo obras de arte volta a ocorrer no Sítio Histórico de Olinda. De sexta-feira para o sábado, duas telas recentes de Tereza Costa Rego foram levadas de seu ateliê, na Rua do Amparo, 242. A mais importante se chama A rosa amarela. Avaliada em R$ 32 mil, ela tem 1,20 m x 1,40 m e integraria uma exposição em homenagem ao poeta Carlos Pena Filho, que em 2010 completa 50 anos de morte. A outra tela, de 1,50 m x 1,00 m, faz parte da série sobrados e retrata pessoas nas janelas de um casarão de fachada vermelha.
Famosa por criar grandes telas com figuras femininas, animais e cores vívidas, a artista plástica de 81 anos disse ao Diario que A rosa amarela seria o início de uma nova fase em sua carreira. Se a obra não for recuperada, iniciará outra para a exposição sobre Pena Filho. "Estava apaixonada por esse quadro", lamenta a pintora. "Fiquei muito triste porque este é um quadro diferente, parecia flamenco. Sempre faço rostos mas desta vez destaquei as mãos".
Tereza tinha assinado a tela na manhã de sexta-feira, mas ainda estava faltando o toque final: pintar a flor que dá nome à peça, que mostra uma mulher de cabelos vermelhos, apoiada num muro escuro, em fundo verde. Durante o resto do dia, a artista se envolveu com a inauguração de um novo ateliê, que também fica na Rua do Amparo. Na manhã de ontem, quando voltou à sala onde trabalha, nos fundos de sua residência, percebeu as janelas abertas e a ausência desta e da outra obra, que também estava inacabada. Cerca de R$ 10 mil em material, entre de tintas importadas, também foram levadas.
A polícia foi acionada e as investigações ficarão a cargo do Departamento de Repressão a Crimes Patrimoniais. Às 16h de ontem, cinco peritos papiloscopistas do Instituto Tavares Buril iniciaram a procura de evidências no local do roubo, com a coleta de pistas que possam ter sido deixadas pelo ladrão. "De imediato, procuramos fragmentos de impressões digitais, pois elas perdem umidade rapidamente", diz Romero Marinho, do ITB. Por volta das 18h de ontem, o local docrime foi isolado e lacrado. De acordo com o diretor do Depatri, Antônio Barros, está sendo realizada uma investigação completa no local do crime. "Colocamos a mesma equipe de peritos que trabalhou na apuração do roubo do quadro O enterro, de Portinari, no mês passado".
Tereza suspeita que o crime tenha sido realizado por alguém que atuaria como intermediário no mercado de obras de arte, mas Barros não arrisca hipóteses. "Não posso divulgar mais informações para não atrapalhar a apuração do caso". Informações sobre o paradeiro das obras devem ser feitas para o Disque-denúncia, pelo telefone 3421-9595.
Terceiro caso em 45 dias - Em 45 dias, este é o terceiro caso envolvendo obras de arte no Sítio Histórico de Olinda. A tela O enterro, do pintor modernista Cândido Portinari (1903-1962), foi roubada do Museu de Arte Contemporânea de Olinda no dia 14 de julho. Fora do circuito comercial, a tela poderia ser vendida no mercado negro por até R$ 1,5 mihão. A obra foi devolvida ao poder público no último dia 12. Fechado desde o furto, o MAC de Olinda espera as adequações de segurança prometidas pela Fundarpe, o que deve ocorrer em setembro. A promessa é de que o MAC receba 16 câmeras de vídeo, o reforço de 12 seguranças armados com atuação 24 horas por dia e a contratação de quatro monitores. Três dias antes, uma escultura de 120 quilos, do artista Paulo Costa, foi furtada, para 48 horas depois, ser devolvida por um homem que não quis se identificar.
Diario de Pernambuco, 29/08/2010)
Famosa por criar grandes telas com figuras femininas, animais e cores vívidas, a artista plástica de 81 anos disse ao Diario que A rosa amarela seria o início de uma nova fase em sua carreira. Se a obra não for recuperada, iniciará outra para a exposição sobre Pena Filho. "Estava apaixonada por esse quadro", lamenta a pintora. "Fiquei muito triste porque este é um quadro diferente, parecia flamenco. Sempre faço rostos mas desta vez destaquei as mãos".
Tereza tinha assinado a tela na manhã de sexta-feira, mas ainda estava faltando o toque final: pintar a flor que dá nome à peça, que mostra uma mulher de cabelos vermelhos, apoiada num muro escuro, em fundo verde. Durante o resto do dia, a artista se envolveu com a inauguração de um novo ateliê, que também fica na Rua do Amparo. Na manhã de ontem, quando voltou à sala onde trabalha, nos fundos de sua residência, percebeu as janelas abertas e a ausência desta e da outra obra, que também estava inacabada. Cerca de R$ 10 mil em material, entre de tintas importadas, também foram levadas.
A polícia foi acionada e as investigações ficarão a cargo do Departamento de Repressão a Crimes Patrimoniais. Às 16h de ontem, cinco peritos papiloscopistas do Instituto Tavares Buril iniciaram a procura de evidências no local do roubo, com a coleta de pistas que possam ter sido deixadas pelo ladrão. "De imediato, procuramos fragmentos de impressões digitais, pois elas perdem umidade rapidamente", diz Romero Marinho, do ITB. Por volta das 18h de ontem, o local docrime foi isolado e lacrado. De acordo com o diretor do Depatri, Antônio Barros, está sendo realizada uma investigação completa no local do crime. "Colocamos a mesma equipe de peritos que trabalhou na apuração do roubo do quadro O enterro, de Portinari, no mês passado".
Tereza suspeita que o crime tenha sido realizado por alguém que atuaria como intermediário no mercado de obras de arte, mas Barros não arrisca hipóteses. "Não posso divulgar mais informações para não atrapalhar a apuração do caso". Informações sobre o paradeiro das obras devem ser feitas para o Disque-denúncia, pelo telefone 3421-9595.
Terceiro caso em 45 dias - Em 45 dias, este é o terceiro caso envolvendo obras de arte no Sítio Histórico de Olinda. A tela O enterro, do pintor modernista Cândido Portinari (1903-1962), foi roubada do Museu de Arte Contemporânea de Olinda no dia 14 de julho. Fora do circuito comercial, a tela poderia ser vendida no mercado negro por até R$ 1,5 mihão. A obra foi devolvida ao poder público no último dia 12. Fechado desde o furto, o MAC de Olinda espera as adequações de segurança prometidas pela Fundarpe, o que deve ocorrer em setembro. A promessa é de que o MAC receba 16 câmeras de vídeo, o reforço de 12 seguranças armados com atuação 24 horas por dia e a contratação de quatro monitores. Três dias antes, uma escultura de 120 quilos, do artista Paulo Costa, foi furtada, para 48 horas depois, ser devolvida por um homem que não quis se identificar.
Diario de Pernambuco, 29/08/2010)
quinta-feira, 26 de agosto de 2010
Kung Fu Kid
Impossível assistir The Karate Kid (EUA, 2010) sem tecer comparações com a versão original de 1984, onipresente no imaginário dos que cresceram expostos às infinitas Sessões da Tarde. Aos fãs, um alívio: o remake não ofende em nem um tiquinho o "legado" de Daniel Sam (Ralph Macchio) e Sr. Miyagi (Pat Morita).
Ao contrário, atualiza a relação de amizade entre mestre e discípulo. E um conselho: deixem as bandanas com o Sol vermelho em casa. O drama de superação adolescente agora se dá com novos personagens, em novo cenário: a China do século 21, para onde Dre Parker (Jaden Smith), 12 anos, é obrigado a se mudar com a mãe, que arranjou um emprego por lá.
Diferentemente do esperado, a modalidade de luta não é o caratê, mas o kung fu. Nada de propaganda enganosa: "Karate Kid" é a forma jocosa com que os valentões de plantão chamam o garoto franzino, quando tenta se defender com golpes aprendidos em programa de TV. Já o Sr. Han (Jackie Chan) não veio de Okinawa ou conhece a arte do Bonsai. É responsável pela manutenção do condomínio e traz no passado uma história tão triste quanto a de seu antecessor.
Antes de virar herói do kung fu, Dre se livra dos vícios e arrogâncias da cultura norte-americana, treina em locais sagrados e também na Muralha da China. Os produtores não brincaram em serviço, rodaram 100% do filme na atual potência econômica. Um deles é Will Smith, poderoso pai do ator-mirim, empenhado em repassar ao filho a imagem de descolado, engraçadinho, conquistador e bom de briga. Conseguiu.
No tatame, o clima musical meloso de Glory of love é banido em prol do rock'n'roll do AC/DC e Red Hot Chili Peppers. A linguagem dos games de luta fala alto, no placar eletrônico e no esperado golpe final. A precocidade do novo Kid é tanta que ele não faria nada tão ridículo quanto o "chute da garça".
(Diario de Pernambuco, 27/08/2010)
A estética é a vingança do Cangaço
Livro essencial para interessados em cultura nordestina, Estrelas de couro: a estética do cangaço (Escrituras Editora, R$ 150), de Frederico Pernambucano de Mello, investiga em detalhes a vida no cangaço, a partir de objetos, fotografias e relatos acumulados em mais de 25 anos de pesquisa. O projeto gráfico, em capa dura com detalhes em tecido e miolo em papel couché ricamente ilustrado com mais de 300 fotos, foi supervisionado pessoalmente pelo autor. O lançamento será hoje, às 17h30, no Museu do Estado de Pernambuco (Av. Rui Barbosa, 960 - Graças).
"Todo texto é efetivamente abonado pela imagem veraz, histórica", diz Mello, que quando começou a se dedicar ao estudo que hoje vem a público, o cangaço era visto como um "fenômeno à parte, pairando como um cometa no céu ou nos jornais como um bezerro de duas cabeças". Ao colocar a história de Lampião e seu grupo de guerreiros em perspectiva social e esquadrinhar sua herança estética, Mello oferece uma contribuição à altura da importância do cangaço no imaginário nacional.
Com o lançamento de Estrelas de couro, Frederico Pernambucano encerraria sua trilogia sobre o cangaço, da qual fazem parte os títulos Quem foi Lampião e Guerreiros do Sol. No entanto, esse parece ser um tema inesgotável para ele, que pretende lançar o livro Benjamin Abrahão: entre anjos e cangaceiros, biografia do fotógrafo sírio que conseguiu filmar Lampião e seu bando. De acordo com o autor, o livro trará informações inéditas, obtidas a partir de anotações feitas Abrahão em sua caderneta, traduzidas diretamente do árabe. "Do ponto de vista da fabulação romanesca e épica, é uma história de riqueza extraordinária e serve de pretexto para mergulhar no Interior do Nordeste dos anos 1910-30".
Através da caderneta, Mello pode estabelecer a "conversa" que nunca pôde ter com Lampião. "Nesse momento eu tenho a emoção de vestir os sapatos de Benjamin e ouvir Lampião. Ela permite penetrar no universo mental não só no universo de Benjamin como no de Lampião através de Benjamin. Isso é um exercício fantástico, de história íntima, do imaginário". Outro projeto é um livro sobre a morte de Lampião. "Tive acesso a uma testemunha privilegiada e soube que a história não é exatamente como tem sido contada".
Ao Diario, ele diz que sua próxima missão é organizar o futuro Museu do Cangaço. "É um compromisso que assumi com os protagonistas e testemunhas que me confiaram tantas informações, para que um dia eu mostre que esse mundo estranho existiu".
Entrevista // Frederico Pernambucano de Mello: "O cinema não mostrou o verdadeiro Lampião"
Ao contrário de outros levantes, por que o cangaço não foi suprimido da história oficial?
Porque o cangaço gerou conteúdo de permanência. Foi derrotado militarmente, mas se vinga através de sua estética, que oferece ao Nordeste sua marca mais característica: a meia-lua com estrela. E se perpetuará por ter criado uma linguagem que até hoje se expressa na dança, na música, na poesia do cordel, do repente. E no visual, gerando um guarda-roupa sem comparação no Brasil, que vai rivalizar apenas com o samurai japonês ou o cavaleiro medieval europeu.
Deixou valores simbólicos impossíveis de controlar...
Sim, eles não tiveram como impedir. Como Ariano (Suassuna) escreve no prefácio do livro, o tema é um dos mais fortes para projeção da cultura do Nordeste no Brasil e no mundo. Como a figura de Robin Hood, que a Inglaterra usa como ícone. No último capítulo do livro, eu revelo uma batalha simbólica nunca antes mostrada, das autoridades, para impedir que a estética do cangaço "contaminasse" seus subordinados. Há umdocumento do comandante da força militar de Pernambuco dizendo que havia um destacamento de polícia de Buíque trajado como cangaceiro.
Essa estética torna o cangaceiro algo mais do que um bandido comum?
Nesse caso, o conceito de bandidagem se torna insuficiente. A estética do cangaço é tão imponente, o traje é tão carnavalesco que é exatamente o oposto da característica do criminoso, que é se mimetizar até como condição de êxito de sua ação, como o pistoleiro, o capanga. Mais importante do que criminalizar aquela atitude é situá-la no que chamo de mito primordial brasileiro, que está na base do levante indígena, do quilombo negro e na revolta social branca ou mestiça, que não se dobraram aos valores coloniais.
Você planeja um Museu do Cangaço. Qual seria seu papel, já que há outros projetos com a mesma finalidade no Nordeste?
Criaremos um museu central, que dialogaria com acervos que não configuram a ideia de museu, pois são coleções de peças, desprovidas de biblioteca, arquivos especializados ou massa crítica de pesquisa. Além das peças históricas, teríamos um acervo de reconstituição rigoroso, etnográfico, com manequins com reproduções fiéis ao traje completo do cangaceiro, do coronel, dos tipos humanos do cangaço. A sede seria no Recife, com uma subsede rural, no Interior. Assim, as pessoas estudariam o fenômeno na capital para depois vivenciar uma recomposição integral do universo do cangaço em trilhas na caatinga.
O que você acha do Lampião que o cinema brasileiro tem mostrado?
O cinema ainda não mostrou o verdadeiro Lampião. Depoimentos de quem esteve com ele apontam para um homem alto, moreno, calmo, agradável e sedutor. Que pensava em bases positivas, nunca emocionais. E que assim conquistou a confiança dos coronéis, com quem conversava de igual para igual. Isso não está no Lampião composto por Milton Ribeiro no filme O cangaceiro (1953), que fez escola e arrastou o Luis Carlos Vasconcelos em Baile perfumado (1997). No cinema, ele aparece como o cafajeste em tempo integral. Ele estava mais para o Don Corleone de Marlon Brando, sussurrante e perigosíssimo.
(Diario de Pernambuco, 26/08/2010)
Lançamentos, bastidores, "eu indico" e ranking da semana
Lançamentos DVD
À distância - Uma garota complexada na Austrália e um melancólico senhor escondido num pequeno apartamento em Nova York vivem uma improvável e longeva amizade. Se começa aleatória, fisgada em catálogo telefônico, cresce à medida que solidão, sinceridade e paixão por chocolate movimentam as caixas de correio. Animação para adultos, a história transborda nostalgia não só por se passar há 30 anos, mas pela predileção do diretor por músicas e cenários à moda antiga. Com o filme, Elliot demonstra habilidade em abordar assuntos difíceis de forma leve e sem melodramas.
Mary & Max (Australia, 2009). De Adam Elliot. 92 minutos. Playarte.
Remake - Deuses do Olimpo, imperfeitos e vingativos, libertam um parente do Godzilla para ensinar humildade aos mortais. Mas Hades (Ralph Fiennes) não contava com a determinação de Perseu (Sam Worthington), filho de Zeus (Liam Neeson) com uma mortal, enfrentando escorpiões gigantes, bruxas e medusas para salvar a princesa Andrômeda (Alexa Davalos) e o resto do mundo. Como no original de 1981, o filme tem efeitos toscos e interpretações idem. Só pega bem se assistido sem compromisso, como sessão da tarde que é.
Fúria de Titãs (Clash of titans, EUA, 2010). De Louis Leterrier. 106 minutos. Warner.
Luto - Após a morte do companheiro, George (Colin Firth) procura conforto na amiga Charley (Juliane Moore), com quem, em noite chuvosa, divide drinks e músicas. Na ausência do amante, seu olhar transtornado busca, em vão, beleza nas mulheres ao redor e no desfile de garotos de 20. Indicado ao Oscar, Firth é a alma de um filme visualmente artificial, com espectro cromático entre o "lavado", quase preto-e-branco, e o ultracolorido. Sem ele, a estreia do estilista Tom Ford estaria mais para catálogo de moda que para uma história de amor e luto.
Direito de amar (A Single Man, 2009). De Tom Ford. 99 minutos. Paris.
Bastidores
Avenida Brasília Formosa, de Gabriel Mascaro e Pacific, de Marcelo Pedroso participam da 2ª Semana dos Realizadores, no Rio de Janeiro. Sob curadoria de Eduardo Valente, a programação 2010 abre com Desassossego (direção coletiva), em 9 de setembro e se encerra com O último romance de Balzac, de Geraldo Sarno, no dia 16. Outros filmes que instigam: Chantal Akerman, de cá, de Gustavo Beck e Leonardo Luiz Ferreira; Estrada para Ythaca, de Guto Parente, Pedro Diógenes, Luiz e Ricardo Pretti e A falta que me faz, de Marília Rocha.
Pacific, aliás, será o único pernambucano na programação da 29ª Bienal de São Paulo, que ocorre entre 25 de setembro e 12 de dezembro. O longa de Pedroso integra um dos dez programas de cinema do evento, que inclui filmes de Chantal Akerman, Apichatpong Weerasethakul, Eryk Rocha, Jonas Mekas, Eduardo Coutinho e Agnès Varda.
Hoje, às 15h, a 1ª Mostra Nacional Curta Sertão realiza sessão especial para selecionar os filmes de sua mostra competitiva. Será na Faculdades Integradas Barros Melo (Aeso), em Olinda, com entrada aberta ao público. O evento será entre os dias 15 e 18 de setembro, nas aldeias indígenas dos Pipipã e dos Pankararu, município de Floresta. O curta Ave sangria - Sons de gaitas, violões e pés está entre os 24 candidatos. A lista completa está em www.sertaoitaparicamundo.blogspot.com.
A Aurora Filmes faz última chamada para curso gratuito de cinema digital para estudantes de 16 a 24 anos matriculados na Rede Pública de Ensino. Informações: 3091-9338.
Irandhir Santos (Olhos azuis) e Nanda Costa (Sonhos roubados) foram premiados no 14º Brazilian Film Festival, em Miami. Os dois estão no elenco de Febre do rato, novo filme de Cláudio Assis, que começa a ser rodado semana que vem, em Olinda. Mais premiados em Miami: Juliano Dornelles, por direção de arte em Recife frio, e Pedro Urano, por fotografia de Superbarroco
Eu indico
Recomendo Ichi the Killer (Japão, 2001), de Takashi Miike. Como Gomorra faz com a máfia italiana, o diretor desglamouriza a Yakuza. Mas é para estômagos fortes. Muito sadismo e jatos de sangue. A cena em que Ichi corta a própria língua e depois atende o celular é das melhores do gênero gângster.
Shiko, artista plástico
Mais alugados (download)
Sherlock Holmes (EUA, 2009), de Guy Ritchie
Idas e vindas do amor (Valentine's Day, EUA, 2010), Garry Marshall
Onde vivem os monstros (Where the Wild Things Are, EUA, 2009), de Spike Jonze
Os fantasmas de Scrooge (The Ghosts of Scrooge, EUA, 2009), de Robert Zemeckis
A proposta (The proposal, EUA, 2009), de Anne Fletcher
Um sonho possível (The blind side, EUA, 2010), de John Lee Hancock
Coco antes de Chanel (Coco avant Chanel, França, 2009), de Christian Duguay
Alice no País das Maravilhas (Alice in Wonderland, EUA, 2010), de Tim Burton
Invictus (EUA, 2009), de Clint Eastwood
Um faz de conta que acontece (Bedtime stories, EUA, 2008), de Adam Shankman
Fonte: www.saraiva.com.br
À distância - Uma garota complexada na Austrália e um melancólico senhor escondido num pequeno apartamento em Nova York vivem uma improvável e longeva amizade. Se começa aleatória, fisgada em catálogo telefônico, cresce à medida que solidão, sinceridade e paixão por chocolate movimentam as caixas de correio. Animação para adultos, a história transborda nostalgia não só por se passar há 30 anos, mas pela predileção do diretor por músicas e cenários à moda antiga. Com o filme, Elliot demonstra habilidade em abordar assuntos difíceis de forma leve e sem melodramas.
Mary & Max (Australia, 2009). De Adam Elliot. 92 minutos. Playarte.
Remake - Deuses do Olimpo, imperfeitos e vingativos, libertam um parente do Godzilla para ensinar humildade aos mortais. Mas Hades (Ralph Fiennes) não contava com a determinação de Perseu (Sam Worthington), filho de Zeus (Liam Neeson) com uma mortal, enfrentando escorpiões gigantes, bruxas e medusas para salvar a princesa Andrômeda (Alexa Davalos) e o resto do mundo. Como no original de 1981, o filme tem efeitos toscos e interpretações idem. Só pega bem se assistido sem compromisso, como sessão da tarde que é.
Fúria de Titãs (Clash of titans, EUA, 2010). De Louis Leterrier. 106 minutos. Warner.
Luto - Após a morte do companheiro, George (Colin Firth) procura conforto na amiga Charley (Juliane Moore), com quem, em noite chuvosa, divide drinks e músicas. Na ausência do amante, seu olhar transtornado busca, em vão, beleza nas mulheres ao redor e no desfile de garotos de 20. Indicado ao Oscar, Firth é a alma de um filme visualmente artificial, com espectro cromático entre o "lavado", quase preto-e-branco, e o ultracolorido. Sem ele, a estreia do estilista Tom Ford estaria mais para catálogo de moda que para uma história de amor e luto.
Direito de amar (A Single Man, 2009). De Tom Ford. 99 minutos. Paris.
Bastidores
Avenida Brasília Formosa, de Gabriel Mascaro e Pacific, de Marcelo Pedroso participam da 2ª Semana dos Realizadores, no Rio de Janeiro. Sob curadoria de Eduardo Valente, a programação 2010 abre com Desassossego (direção coletiva), em 9 de setembro e se encerra com O último romance de Balzac, de Geraldo Sarno, no dia 16. Outros filmes que instigam: Chantal Akerman, de cá, de Gustavo Beck e Leonardo Luiz Ferreira; Estrada para Ythaca, de Guto Parente, Pedro Diógenes, Luiz e Ricardo Pretti e A falta que me faz, de Marília Rocha.
Pacific, aliás, será o único pernambucano na programação da 29ª Bienal de São Paulo, que ocorre entre 25 de setembro e 12 de dezembro. O longa de Pedroso integra um dos dez programas de cinema do evento, que inclui filmes de Chantal Akerman, Apichatpong Weerasethakul, Eryk Rocha, Jonas Mekas, Eduardo Coutinho e Agnès Varda.
Hoje, às 15h, a 1ª Mostra Nacional Curta Sertão realiza sessão especial para selecionar os filmes de sua mostra competitiva. Será na Faculdades Integradas Barros Melo (Aeso), em Olinda, com entrada aberta ao público. O evento será entre os dias 15 e 18 de setembro, nas aldeias indígenas dos Pipipã e dos Pankararu, município de Floresta. O curta Ave sangria - Sons de gaitas, violões e pés está entre os 24 candidatos. A lista completa está em www.sertaoitaparicamundo.blogspot.com.
A Aurora Filmes faz última chamada para curso gratuito de cinema digital para estudantes de 16 a 24 anos matriculados na Rede Pública de Ensino. Informações: 3091-9338.
Irandhir Santos (Olhos azuis) e Nanda Costa (Sonhos roubados) foram premiados no 14º Brazilian Film Festival, em Miami. Os dois estão no elenco de Febre do rato, novo filme de Cláudio Assis, que começa a ser rodado semana que vem, em Olinda. Mais premiados em Miami: Juliano Dornelles, por direção de arte em Recife frio, e Pedro Urano, por fotografia de Superbarroco
Eu indico
Recomendo Ichi the Killer (Japão, 2001), de Takashi Miike. Como Gomorra faz com a máfia italiana, o diretor desglamouriza a Yakuza. Mas é para estômagos fortes. Muito sadismo e jatos de sangue. A cena em que Ichi corta a própria língua e depois atende o celular é das melhores do gênero gângster.
Shiko, artista plástico
Mais alugados (download)
Sherlock Holmes (EUA, 2009), de Guy Ritchie
Idas e vindas do amor (Valentine's Day, EUA, 2010), Garry Marshall
Onde vivem os monstros (Where the Wild Things Are, EUA, 2009), de Spike Jonze
Os fantasmas de Scrooge (The Ghosts of Scrooge, EUA, 2009), de Robert Zemeckis
A proposta (The proposal, EUA, 2009), de Anne Fletcher
Um sonho possível (The blind side, EUA, 2010), de John Lee Hancock
Coco antes de Chanel (Coco avant Chanel, França, 2009), de Christian Duguay
Alice no País das Maravilhas (Alice in Wonderland, EUA, 2010), de Tim Burton
Invictus (EUA, 2009), de Clint Eastwood
Um faz de conta que acontece (Bedtime stories, EUA, 2008), de Adam Shankman
Fonte: www.saraiva.com.br
domingo, 22 de agosto de 2010
História íntima do cangaço
Uma vez derrotados, os cangaceiros deixaram de representar uma ameaça para se tornar o primeiro símbolo nacionalmente reconhecido da cultura nordestina. Pela primeira vez, um livro se dedica estudar essa herança em detalhes. Ricamente ilustrado, Estrelas de couro (Escrituras, 258 páginas, R$ 150) é essencial para entender esse momento singular de nossa história através da arte desenvolvida por valentes - e vaidosos - rebeldes do Sertão. Organizado e escrito por Frederico Pernambucano de Mello, o livro traz imagens e textos que descrevem, contextualizam e analisam a vida íntima de ícones como Lampião e Maria Bonita. Com apresentação de Eduardo Campos e prefácio de Ariano Suassuna, o livro será lançado no Recife na próxima quinta-feira (26), no Museu do Estado (Av. Rui Barbosa, 960 - Graças).
Mergulho na história íntima, do imaginário e das mentalidades que regeram o cangaço, sem as quais, para o autor, não há a verdadeira história, Estrelas de couro traz fotografias (algumas inéditas) e imagens das roupas, acessórios, armas, joias e cartões de visita, estudadas por Mello desde 1997 e obtidas a partir do acervo do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas, da Universidade Federal da Bahia e de outras instituições e coleções particulares. Transplantados em desenhos de Antonio Montenegro, os objetos são detalhados em nomes específicos, o que oferece ao leitor um vocabulário inacessível para não-iniciados. Encerra o livro um apêndice com bibliografia detalhada e um sumário traduzido para o inglês por Paulo Henriques Brito, do departamento de letras da PUC-RJ.
Cantil de viagem longa (três litros) de Lampião, 1932. Coleção Pernambucano de Mello. Foto: Valentino Fialdini.
Chapéu de Lampião, 1934. Coleção Pernambucano de Mello. Foto: Valentino Fialdini.
Lançado esta semana na Bienal de São Paulo, a publicação tem despertado o interesse da imprensa escrita e televisiva, que aposta no fascínio provocado pela "moda do cangaço". "Estilistas e fashionistas podem se debruçar sobre essa estética singela mas muito significativa", diz Mello. Ao longo do livro, é possível inclusive acompanhar essa evolução, que em menos de dez anos atingiu o que o historiador chama de "apoteose da estética do cangaço". Para tanto, basta comparar duas fotos, uma do bando de Lampião em 1929 e outra, de um subgrupo em 1938, para perceber a profusão de símbolos nos chapéus e de bordados nas roupas e bornais. Outra foto inédita mostra Corisco quando assume o posto de rei, após a morte de Lampião. "Como na moda dos cavaleiros medievais, a maneira de se vestir dos cangaceiros se tornou tão afetada que isso prejudicou a funcionalidade guerreira".
Subgrupo de Pancada na rendição à volante, 1938. Coleção Pernambucano de Mello.
1939: morto Lampião, Corisco passa a Rei do Cangaço. Cortesia de Sílvio Hermano Bulhões, Santana do Ipanema, Alagoas
Conceitualmente, Mello define o fenômeno do cangaço como uma "tradição rural de resistência popular armada, contínua no tempo e metarracial", baseada no "mito primordial de que no Brasil é possível viver sem lei, nem rei e ser feliz", estabelecido pelo olhar europeu aos índios, negros e demais grupos que promoveram levantes e revoltas. "Os colonizadores, que eram subjugados à coroa portuguesa e ao papado de Roma, caracterizaram o Brasil como o paraíso real", diz o historiador.
Com o lançamento de Estrelas de couro, não se encerra o interesse de Mello pelo universo docangaço. Neste momento, o pesquisador escreve o penúltimo capítulo de seu próximo livro, Benjamin Abrahão: entre anjos e cangaceiros, sobre os anos em que o fotógrafo libanês, o único a filmar Lampião e seu bando, viveu no Brasil. A fonte principal é a caderneta de campo na qual Abrahão descreve, em árabe, as injustiças cometidas por coronéis e volantes no Sertão.
Mello também considera o livro o marco zero para o futuro Museu do Cangaço do Nordeste. "Estou em contato com colecionadores, que pela seriedade de meu trabalho, cederam suas peças. Acredito que o museu deva funcionar em Pernambuco, onde eminentemente o cangaço começou, para depois ser transplantado para a Paraíba e depois para outros estados".
(Diario de Pernambuco, 22/08/2010)
sexta-feira, 20 de agosto de 2010
"Noites de Cabíria" na Cinemateca do São Luiz
A Sessão Cinemateca do Cine São Luiz traz Noites de Cabíria (Le notti di Cabiria, Itália, 1957), um dos melhores filmes de Federico Fellini, em cópia restaurada 35mm.
Nele, Giulietta Masina interpreta Maria "Cabíria" Ceccarelli, uma garota de programa que, a despeito das colegas desencantadas, acredita no amor. Porém, dada a natureza de sua profissão, ela termina por se iludir com homens mentirosos e sem escrúpulo. Às decepções, soma-se a dura sina de sobreviver na Itália do pós-guerra.
Adaptado à personalidade da atriz, o papel se tornou o mais memorável de sua carreira e rendeu à Masina o prêmio máximo em Cannes. O carisma do filme resisde na personagem que, mesmo sob situações adversas, insiste em sonhar.
O Avatar de Shyamalan
Pouco tempo atrás, Hollywood foi palco de uma guerra oculta pelos direitos de uso do título Avatar. O vencedor foi James Cameron, que registrou o nome primeiro e pode assim batizar a fábula ecotecnológica que movimentou bilhões. Por isso, a versão para o cinema do desenho animado homônimo chega às telas como O último Mestre do Ar (The last Airbender, EUA, 2010).
O filme de M. Night Shyamalan (Sexto sentido)apresenta o Avatar de acordo com conceitos da religião hindu: um ser supremo, que controla os quatro elementos da natureza e se materializa a cada cem anos para unificar os povos. No momento em que ele toma a forma do garoto Aang (Noah Ringer), há uma guerra provocada pelos mestres do fogo, que dizimaram os mestres do ar e agora atacam os mestres da água. O novo Avatar domina o ar, mas ainda precisa perder o medo da água para controlar todos os elementos. Por isso, o povo do fogo tenta capturá-lo. Aliado de última hora, o Príncipe Zuko (Dev Patel, de Quem quer ser um milionário?), filho do rei do fogo, é mão na roda.
Comparado aos efeitos visuais e o 3D de primeira linha do Avatar de Cameron, O último Mestre do Ar, convertido de última hora ao formato, se reduz a uma pálida tentativa embalada por coreografias de tai chi chuan. Ou escura demais, dependendo da sala em que se assistirá ao filme. Quanto ao discurso, ele se iguala na superficialidade infantil. Para essa fatia do público, há a boa mensagem de que uma guerra pode terminar não com a morte ou domínio do "inimigo", como o cinema norte-americano adora reafirmar, mas pela compreensão de que há uma força maior que precisa ser respeitada.
(Diario de Pernambuco, 20/08/2010)
Estreia // "A epidemia", de Breck Eisner
Em A epidemia (The crazies, EUA, 2009), habitantes de uma pequena e pacífica cidade do interior norte-americano enlouquecem após beber água contaminada e, um a um, se voltam contra os demais. Enquanto o sangue se espalha, o policial Dutten (Timothy Olyphant) e sua esposa Judy (Radha Mitchell) tentam conter o caos e sobreviver.
O remake de Breck Eisner para clássico de George Romero de 1973 (que volta a assinar a nova produção), não é um filme de zumbis propriamente dito, já que vítimas e algozes não se tornam mortos-vivos. Mas é como se fosse, pois usa da mesma estética do medo, mortes explícitas e vísceras à mostra. E, assim como os melhores filmes do gênero, coloca em xeque o sonho americano e seus símbolos, consumidos pela loucura e autodestruição.
quinta-feira, 19 de agosto de 2010
Coluna Lançamentos / Bastidores / Eu indico e Ranking da semana
Desolação - Após cataclisma que cobriu o Sol e acabou com 99% da vida do planeta, pai (Viggo Mortensen) e filho (Kodi Smit-McPhee) fogem do frio em direção ao Sul. Enquanto procuram abrigo e comida, precisam se defender dos que comem carne humana para sobreviver. Sonhos e lembranças se resumem a poucos segundos. Em tons de sépia, o mundo de Hillcoat pode servir de metáfora para o nosso, que pode ser tão solitário, inóspito e perigoso quanto. Nesse sentido, o encontro com um peregrino é determinante para salvar o filme da completa descrença na humanidade.
A estrada (The road, EUA, 2010). De John Hillcoat. 111 minutos. Paris.
Bastidores
Marta Machado e Ana Adams de Almeida lançam esta semana o livro Tudo sobre filme nacional. O foco principal é o da comercialização e distribuição, atualmente um dos maiores problemas do cinema nacional. No currículo das autoras está o lançamento dos filmes Wood & Stock, O céu de Suely e Saneamento básico - o filme. As 20 primeiras páginas podem ser lidas (ou ouvidas) online, no site www.tudosobrefilmenacional.com.br
Duas estudantes de Rádio e TV da UFPE representam Penambuco no Festival Perro Loco - Festival de Cinema Universitário Latino Americano, que acontece entre os dias 23 e 29 de agosto de 2010 em Goiânia. O curta se chama O Vizinho da frente e foi produzido e dirigido por Júlia Araújo e Nathália D´Emery.
A Coleção Cinema Marginal Brasileiro em DVD, parceria da Heco Produções e Lume Filmes lança mais dois títulos: Lilian M. Relatório confidencial (1975), de Carlos Reichenbach e Hitler do terceiro mundo (1986), de José Agrippino de Paula.
Eu indico
"Vi recentemente com a minha filha Nina o filme de animação Ponyo - uma amizade que veio do mar. É um filme muito bonito do diretor Hayao Miyazaki, o mesmo de A viagem de Chihiro. Como toda produção do estúdio dele, é muito bem feito. Fala de natureza, mas de uma forma que não é chata, mostrando que o equilíbrio ecológico é muito importante e é algo que tem que partir da gente"
Fernanda Takai, cantora
Mais locados
Um sonho possível (The blind side, EUA, 2010), de John Lee Hancock
Chico Xavier (Brasil, 2010), de Daniel Filho
Ilha do medo (Shutter Island, EUA, 2010), de Martin Scorsese
Alice no País das Maravilhas (Alice in Wonderland, EUA, 2010), de Tim Burton
Zona Verde (Green Zone, EUA, 2009), de Paul Greengrass
Dupla implacável (From Paris With Love, França, 2010), de Pierre Morel
Lembranças (Remember me, EUA, 2010), de Allen Coulter
O livro de Eli (The book of Eli, EUA, 2010), de Albert e Allen Hughes
Legião (Legion, EUA, 2010), de Scott Stewart
Simplesmente complicado (It's complicated, EUA, 2009), de Nancy Meyers
Fonte: Classic Video (81) 3228-4302
quarta-feira, 18 de agosto de 2010
Iza sai do ninho, no Amparo, e expõe no Recife
Fotos: Joel Veiga
Há 30 anos, o casarão de número 159 da Rua do Amparo passou a abrigar o ateliê de Maria Luíza Mendes Lins, que veio a se tornar uma das artistas mais queridas de Olinda. Naquele tempo, aquele quadrante era um reduto para os que buscavam nas ladeiras o antídoto para os desvarios da ditadura militar. Os vastos quintais, sem a atual divisão por muros, eram explorados pelos filhos, Paulinho e Catarina. Por volta de 1990, Maria Luíza passa a assinar como Iza do Amparo, nome com o qual se estabeleceu no circuito artístico da cidade. Ao longo dos anos, seu ateliê se tornou referência, atraindo artistas e turistas do mundo todo.
A novidade é que, aos 63 anos, Iza sai do "ninho" para sua primeira exposição individual. Luz e movimento traz para o Espaço Muda uma coleção de dez telas inéditas, produzidas em diferentes fases. "Quero causar surpresa com uma proposta nova ao público, que pode guardar uma ideia estereotipada de mim", diz a artista, cuja obra integrou em 2009 a exposição coletiva Pintores Naïf na Torre, ao lado de Bajado e Sérgio Vilanova. "Como quem abre um computador, uso linguagens como ferramenta. Mas o meu trabalho se orienta por um princípio único de não buscar tendências, de exprimir algo que fuja do lugar comum".
Além dos quadros em acrílico, que apresentam o lado mais experimental e conceitual de Iza, a exposição reúne os já conhecidos utilitários como toalhas de mesa e jogos americanos, que ficarão no ambiente do bistrô. No galpão, Erasto Vasconcelos lança o CD de poesias Fazenda rosa, gravado no começo do ano no Estúdio Musak, com capa de Paulinho do Amparo, que imprimiu a mesma arte em papel canson, gravuras, camisetas serigrafadas.
O disco é dividido em três poemas, inspirados em passarinhos. Ainda na programação estão projeções de Fernando Peres e discotecagem de Catarina Dee Jah, que colocará os discos de vinil que foram ouvidos no processo, para recriar a atmosfera do ateliê do Amparo.
Nascida no Conde, cidade litorânea a 200 km de Salvador, Iza é filha de um baiano do interior com uma filha de imigrantes italianos, que se tornou sua primeira referência na pintura. "Consta a lenda que meu avô era um anarquista que precisou fugir para o Brasil", diz a artista. Na escola primária, quando observou ter feito algo original, foi "rejeitada em prol de uma cópia". Da experiência, surgiu uma lição de vida. "Notei que as pessoas trocam arte em favor dos cânones. Por isso, seguir o próprio caminho é perigoso. Tudo que foge do lugar comum não é suportado. E sair do banal implica numa série de riscos, comerciais e conceituais".
Na exposição que abre hoje, Iza também apresenta o trabalho Resíduos, em que os restos de tinta que ficam em pinceis e canecos são reaproveitados . "Desde que comecei a pintar venho pesquisando como usar esses resíduos. Com influência em Jackson Pollock, vou usá-los para compor uma grande tela com quem quiser pintar junto".
Nova fase no Espaço Muda
Luz e Movimento inaugura uma nova fase no Espaço Muda, em que a curadoria passa de Giovanna Simões para as mãos da produtora e publicitária Cláudia Aires. "A escolha de Iza foi pra fugir um pouco da temática street art que estava acontecendo desde a inauguração da galeria. A ideia é levar algo mais leve, figurativo, feminino. E com isso mudar, como a casa se propõe", diz a nova curadora.
Até então, Cláudia fez a "ponte" entre o Muda e artistas paraibanos Verdee e Shiko. Para os próximos meses, a conexão com o estado vizinho deve continuar forte, com uma exposição individual de Marcelo Martins. Antes, em curadoria mista com o Muda, haverá exposição de Daniel Andrade (filho de Gaspar Andrade), que trabalha com caneta nanquim e esferográfica, e outra coletiva do grupo Bentevi.
Ao trazer Iza para o Recife, pretende apresentar a artista a um público que não costuma frequentar Olinda. "A ideia primordial é fazer com que ela descesse as ladeiras e viesse pra um espaço que faz bem o seu estilo, amplo, cheio de possibilidades artísticas. Queremos ressaltar a importância dela como artista, por ser uma verdadeira matriarca que mantém uma casa que respira arte".
Serviço
Exposição Luz e Movimento - Iza do Amparo
Quando: Abertura hoje, às 19h30; em cartaz até 13 de setembro
Onde: Espaço Muda (Rua do Lima, 280 - Santo Amaro)
Informações: 3032-1347
Entrada franca
(Diario de Pernambuco, 18/08/2010)
terça-feira, 17 de agosto de 2010
René Descartes descobre o Recife
Um filme incomum encerrou o 38º Festival de Cinema de Gramado. Ex-isto, de Cao Guimarães (Rua de mão dupla, Da janela do meu quarto), reforça as relações Minas-Paraná-Pernambuco em um viés radicalmente poético e experimental. O ponto convergente é o livro Catatau, publicado em 1975 por Paulo Leminski. Nele, o escritor curitibano coloca o filósofo e matemático francês René Descartes na comitiva trazida por Maurício de Nassau ao Recife. A hipótese não é toda descabida. Contemporâneo de Nassau, Descartes viveu por 20 anos em território holandês.
Rodado em 15 dias nos estados do Amapá, Alagoas, Pernambuco e Distrito Federal, o longa conta com João Miguel (Estômago) no papel de Descartes, ou como Leminski o batizou, Renato Cartesius. O que o diretor mineiro faz é trazê-lo do século 17 ao 21, onde, consternado, transita entre o povo nas ruas sujas, entre trabalhadores no terminal de ônibus e estuda os ângulos da arquitetura de Niemeyer. Quase no fim do filme, o próprio Leminski traduz as imagens em palavras: Catatau é sobre "o fracasso da lógica cartesiana branca no calor, emblema do fracasso do projeto batavo no trópico". Em diálogo com o Discurso do método, em que Descartes enuncia o célebre Cogito ergo sum (Penso, logo existo), temos mais explicações para Ex-isto (o próprio Leminski assina um livro póstumo chamado O Ex-estranho).
Ao Diario, Guimarães diz que não se trata de uma adaptação literária, mas de uma reinvenção a partir da obra, publicada em 1975. "Leminski é nosso guia, ele dá o espírito que nos permite apostar em algo criativo, forte, impregnada no autor". Para filmar as cenas de Ex-isto, foram utilizadas câmeras fotográficas Canon 5D, equipamento cada vez mais adotado em produções de baixo custo. "É a evolução tecnológica. Já trabalhei com Super 8, 16mm e Vídeo. É perfeito para o tipo de cinema que faço, porque dá para acompanhar de perto todas as fases".
Para filmar a etapa local, Guimarães contou com o apoio de João Júnior, da Rec Produções. Outro parceiro e amigo da "Mauristad" presente no filme é Marcelo Gomes (Cinema, aspirinas e urubus), com quem foi dividida a montagem. "Geralmente edito meus filmes sozinho, mas após 20 dias de trabalho, precisei de um olhar de fora e convidei o Marcelo para vir a Minas", diz Guimarães, que já dirigiu com Gomes o curta Concerto para clorofila e desenvolve com ele o terceiro filme da Trilogia da solidão (A alma do osso e O andarilho), que se chamará Homem das solidões, inspirado em Edgar Allan Poe.
Ao navegar pelo Capibaribe, o visitante europeu cumprimenta turistas no Catamarã. No Gabinete Português de Leitura, procura suporte intelectual para o caos em que se tornou a cidade maurícia. O movimento de câmera repousa na fachada do Cine São Luiz. No Mercado de São José, se inebria com o barroquismo de visões e odores díspares. No fim da noite, embriagado numa gafieira em Brasília Teimosa, suas certezas estão há muito abaladas. E abre um sorriso. "Sei mais de mim que de outros mas tem muitos outros em mim, que eu não sei", conclui Renato, no livro. "Quis apresentar a cidade através do rio, de dentro pra fora. Por isso, é como se o personagem estivesse sempre flutuando. Propositadamente, ele não se relaciona com as pessoas. Quis colocá-lo onírico, contemplativo".
A metrópole reinventada por Guimarães representa não só uma cidade, mas todo o Brasil. "Não é à toa que o Recife está misturado com Brasília, que simboliza a utopia brasileira, que vinha da ideia da razão. E optei por filmar a pororoca do Amazonas pelo simples fato do Leminski citá-la como o encontro do tropicalismo com a poesia concreta, uma pororoca cultural".
Iconoclássicos - Primeira incursão do Instituto Itaú Cultural no âmbito da produção cinematográfica, Ex-isto inaugura o projeto Iconoclássicos, dedicado a explorar o universo de artistas brasileiros contemporâneos que causaram e continuam causando turbulências. A caminho estão quatro outros filmes, sobre Zé Celso Martinez Corrêa, por Tadeu Jungle; Nelson Leirner, por Carla Gallo; Rogério Sganzerla, por Joel Pizzini; e Itamar Assumpção, por Rogério Velloso. Eles já haviam sido tema do projeto Ocupação, que levantou arquivos e documentos dessas "entidades" que continuam influenciando gerações.
De acordo com Roberto Cruz, gerente do núcleo de audiovisual do Itaú Cultural, Ex-isto deve percorrer o circuito de festivais até que entre em cartaz nacionalmente, em salas específicas. "Temos muita expectativa de que esse tipo de cinema entre, não no circuito mercadológico, mas em exibições com entrada franca". O primeiro a chegar aos cinemas, no entanto, deve ser o longa sobre Itamar Assumpção, que fica pronto em outubro. "Vamos promover ações de difusão para estabelecer uma grandeitinerância com instituições parceiras, como o circuito Unibanco Arteplex, com quem estamos em conversação".
(Diario de Pernambuco, 17/08/2010)
segunda-feira, 16 de agosto de 2010
Festival de Gramado // Longas nacionais em perspectiva
Ufa. Bróder ganhou em Gramado.
O filme de Jeferson De não é obra-prima. Mas foi a melhor opção.
Frente aos demais, ao eleger Bróder, Gramado optou pelo cinema que tem cérebro e potencial de bilheteria. Pegou bem.
Antes e durante a premiação, bateu o "medo" de que Não se pode viver sem amor, de Jorge Duran, fosse o preferido do júri oficial, sob o argumento de que, mais do que Bróder, que conta com a Globo Filmes, Sony e Daniel Filho, o longa de Duran estaria precisando de uma "força" no lançamento. Daí os prêmios para melhor atriz (Simone Spoladore), roteiro e fotografia.
Filmes como O Contestado de Sylvio Back e O último romance de Balzac, de Geraldo Sarno são herméticos demais para isso. Apesar de não se classificarem como tal nem se restringir a isso, ambos estão de acordo com o "ano do espiritismo no cinema brasileiro".
O primeiro faz importante registro de um massacre quase esquecido na história republicana. Precisa ser mais assistido, apesar de ser muito longo (2h30 de duração) e pesado para uma sessão de cinema. Quanto a Balzac, há planos para uma distribuição específica, voltada para estudiosos do escritor e a fatia de público espírita ou interessado no tema.
Ao trazer a videoarte para a tela grande, Ponto Org , de Patrícia Moran, tem boas sacadas e atuações. Só que é experimental demais, até para quem gosta do gênero.
Quanto a 180º, de Eduardo Vaisman e Enquanto a noite não chega, de Beto Souza, basta dizer que eles mostraram mais deficiências do que qualidades. Assim, facilitaram o trabalho do júri.
Diário de uma busca , de Flávia Castro, pegou Gramado de surpresa (balançou opiniões e levou prêmio da crítica) com um documentário em primeira pessoa, em que a diretora investiga a morte do pai, ativista de esquerda perseguido pela ditadura, que morreu em 1984, em Porto Alegre, durante invasão a apartamento de um ex-oficial nazista. O caso teve repercussão na mídia da época, mas foi logo abafado. O filme vai atrás dos envolvidos (polícia, jornalistas e familiares). Levanta hipóteses, mas frustra ao não esclarecer muito além do que já estava dito.
O filme de Jeferson De não é obra-prima. Mas foi a melhor opção.
Frente aos demais, ao eleger Bróder, Gramado optou pelo cinema que tem cérebro e potencial de bilheteria. Pegou bem.
Antes e durante a premiação, bateu o "medo" de que Não se pode viver sem amor, de Jorge Duran, fosse o preferido do júri oficial, sob o argumento de que, mais do que Bróder, que conta com a Globo Filmes, Sony e Daniel Filho, o longa de Duran estaria precisando de uma "força" no lançamento. Daí os prêmios para melhor atriz (Simone Spoladore), roteiro e fotografia.
Filmes como O Contestado de Sylvio Back e O último romance de Balzac, de Geraldo Sarno são herméticos demais para isso. Apesar de não se classificarem como tal nem se restringir a isso, ambos estão de acordo com o "ano do espiritismo no cinema brasileiro".
O primeiro faz importante registro de um massacre quase esquecido na história republicana. Precisa ser mais assistido, apesar de ser muito longo (2h30 de duração) e pesado para uma sessão de cinema. Quanto a Balzac, há planos para uma distribuição específica, voltada para estudiosos do escritor e a fatia de público espírita ou interessado no tema.
Ao trazer a videoarte para a tela grande, Ponto Org , de Patrícia Moran, tem boas sacadas e atuações. Só que é experimental demais, até para quem gosta do gênero.
Quanto a 180º, de Eduardo Vaisman e Enquanto a noite não chega, de Beto Souza, basta dizer que eles mostraram mais deficiências do que qualidades. Assim, facilitaram o trabalho do júri.
Diário de uma busca , de Flávia Castro, pegou Gramado de surpresa (balançou opiniões e levou prêmio da crítica) com um documentário em primeira pessoa, em que a diretora investiga a morte do pai, ativista de esquerda perseguido pela ditadura, que morreu em 1984, em Porto Alegre, durante invasão a apartamento de um ex-oficial nazista. O caso teve repercussão na mídia da época, mas foi logo abafado. O filme vai atrás dos envolvidos (polícia, jornalistas e familiares). Levanta hipóteses, mas frustra ao não esclarecer muito além do que já estava dito.
Festival de Gramado premia Bróder
Bróder é o grande vencedor do 38º Festival de Cinema de Gramado. Pela primeira vez em nove dias de evento, o Palácio dos Festivais estava com lotação máxima. A cerimônia foi ágil e tomou cerca de uma hora e meia da noite de sábado, talvez para não prejudicar a transmissão ao vivo, pelo Canal Brasil. Apesar do ritmo acelerado, o resultado foi positivo, principalmente por ter evitado os usuais discursos e agradecimentos intermináveis dos premiados.
Baseado em ótima performance dos atores e roteiro preciso nos diálogos, situações e consequências, o longa de estreia do diretor Jeferson De aposta na crítica social sem abrir mão do drama particular que narra o reencontro de três amigos do Capão Redondo, periferia de São Paulo. O filme deve estrear comercialmente em novembro, logo após Tropa de elite 2. De barba, Caio Blat esteve no festival especialmente para receber o Kikito. Ele cultiva outra aparência para gravar o longa Xingu, de Cao Hamburguer. "Esse é o presente mais brilhante que recebi na minha carreira", disse Blat. Em Bróder, ele interpreta Macu, um "mano" que no dia do aniversário se envolve em perigosa aventura com os amigos Jaime (Jonathan Haagensen), estrela do futebol mundial e Pibe, que após cursar universidade, se casa e sai do Capão. Em seu discurso, Blat afirmou se sentir apto a "encher a boca e dizer que é negão". E agradeceu às famílias da comunidade que abriram as portas e o ajudaram a compor o personagem. "Cada família de lá tem um Macu em suas casas. Dedico esse prêmio a eles, para que possam mudar suas histórias". Aplausos para ele.
Por sua vez, Jeferson De levantou a "galera" ao subir para o prêmio máximo vestindo a camiseta do Internacional, que perdeu para o Fluminense na última quinta. Criador do Dogma feijoada, ele deve muito aos gaúchos, que o incentivam desde o primeiro curta, rejeitado na Bahia e premiado em Gramado. E sabe retribuir. Da mesma forma, o primeiro longa, sobre "manos" com um ator branco classe média como protagonista, se equilibra em contradições. Assumindo essa lógica, com os Kikitos na mão, Jeferson agradeceu a Mano Brown "o maior líder das periferias do Brasil" e Daniel Filho, um dos produtores do filme.
Entre os longas estrangeiros, premiar Mi vida com Carlos foi decisão acertada. Em busca do pai que não pode conviver, o chileno German Berger fez um rico panorama da ditadura Pinochet. Ao lado da filha Greta, que o inspirou a realizar seu filme, declarou que "um país sem documentários é como uma família sem fotografias". Gramado 2010 deu o prêmio especial a ficção La Yuma, apelidado de "Menina de Ouro da Nicarágua", em que a bailarina Alma Blanco interpreta uma boxeadora. O filme tem sido celebrado inclusive por ser o primeiro longa produzido pelo país em 20 anos. O júri oficial ainda cometeu a ousadia de premiar o mexicano Nicola Pereda, jovem diretor de Perpetuum mobile, filme que embaralha o tempo da narrativa e estende à exaustão a duração de seus planos. O único lamento é pela ausência da premiação oficial do colombiano El vuelco del cangrejo. cuja abordagem entre atores e moradores de uma comunidade perdida no tempo criou um filme indefinível e, talvez por isso, tido como o melhor pela crítica.
Premiado em cinco categorias, Haruo Ohara consagra o diretor Rodrigo Grota. Ele teve outros filmes (Satori Uso, Booker Pittman) premiados em Gramado e outros festivais, mas nunca havia ganhado o prêmio de melhor direção. Encerrada a "Trilogia do Esquecimento", sobre a Londrina dos anos 1950, Grota parte para realizar o primeiro longa, o policial Pé de veludo, história real de uma espécie de "Robin Hood", que morreu após tiroteio de mais de três horas no centro de Marília, interior de São Paulo. "No mesmo dia, Che Guevara fez o famoso discurso na ONU, John Coltrane gravou A love supreme e o jogador Eusébio fez o melhor gol de sua carreira", conta o diretor. Já o baiano Carreto, de Cláudio Marques e Marília Hugues, ganha o devido reconhecimento ao dividir o prêmio de melhor curta com Haruo Ohara. Veterano em festivais, o filme é de uma poesia simples e direta, algo nada fácil de se alcançar.
Fora de competição, os filmes da Mostra Panorama muitas vezes foram tidos como melhores do que os que disputaram os Kikitos: Os inquilinos, de Sérgio Bianchi, Chantal Ackerman, de cá, de Gustavo Beck e Leonardo Ferreira (plano único de 61 minutos onde a diretora belga reflete sobre sua obra), Terra deu terra come, de Rodrigo Siqueira (vencedor do festival É Tudo Verdade 2010), Elvis e Madona, de Marcelo Lafitte (que atraiu um dos maiores públicos do festival) e o argentino Dois Irmãos, de Daniel Burman. Estes, mais a premiére de Ex-Isto, de Cao Guimarães, causaram a boa impressão de que, este ano, Gramado acertou em cheio.
38º Festival de Cinema de Gramado
Júri Oficial - Longa Nacional
Filme: Bróder, de Jeferson De
Prêmio especial do júri: O último romance de Balzac, de Geraldo Sarno
Diretor: Jeferson De (Bróder)
Ator: Caio Blat (Bróder)
Atriz: Simone Spoladore (Não se pode viver sem amor)
Roteiro: Dani Patarra e Jorge Durán (Não se pode viver sem amor)
Fotografia: Luis Abramo (Não se pode viver sem amor)
Júri Oficial - Longa Estrangeiro
Filme: Mi vida com Carlos, de Germán Berger-Hertz
Prêmio especial do júri: La yuma, de Florence Jaugey
Diretor: Nicolas Pereda (Perpetuum mobile)
Ator: Gabino Rodriguez (Perpetuum mobile) e Martin Piroyansky (La vieja de atrás)
Atriz: Alma Blanco (La yuma)
Roteiro: Pablo Meza (La vieja de atrás)
Fotografia: Miguel Littin Filho (Mi vida con Carlos)
Juri Oficial - Curta Nacional
Filme: Haruo Ohara, de Rodrigo Grota e Carreto, de Cláudio Marques e Marília Hughes
Direção: Rodrigo Grota (Haruo Ohara)
Prêmio especial do júri: Os anjos do meio da praça, de Alê Camargo e Camila Carrossine
Ator: Flávio Bauraqui (Ninjas)
Atriz: Elisa Volpatto (Um animal menor)
Roteiro: Cláudio Marques e Marilia Hughes (Carreto)
Fotografia: Carlos Ebert (Haruo Ohara)
Prêmio da Crítica
Longa nacional: Diário de uma busca, de Flávia Castro
Longa latino: El vuelco de cangrejo, de Oscar Ruiz Navia
Curta nacional: Babás, de Consuelo Lins
Prêmio aquisição Canal Brasil: Haruo Ohara, de Rodrigo Grota
Júri Popular
Longa nacional: 180º, de Eduardo Vaisman
Longa estrangeiro: Mi vida con Carlos, de Germán Berger-Hertz
Curta nacional: Ratão, de Santiago Dellape
(Diario de Pernambuco, 16/08/2010)
sábado, 14 de agosto de 2010
Festival de Gramado // À espera dos Kikitos
Haruo Ohara - um dos melhores filmes do festival
Terminada a programação do 38º Festival de Gramado, o assunto mais discutido é o da distribuição dos Kikitos. A julgar pelo retorno do diretor Jefferson De e do ator Silvio Guindane ao festival, o júri oficial deve consagrar Bróder. Drama sobre família e amizade na violenta periferia paulista, o filme foi inicialmente escalado para abrir o evento, fora de competição.
Como não ganhou o prêmio principal em Paulínia, voltou ao páreo, de última hora. Entre críticos, Bróder divide opiniões. Parte dos avaliadores balança pelos documentários Contestado - Restos mortais, de Sylvio Back, O último romance de Balzac, de Geraldo Sarno, e Diário de uma busca, de Flávia Castro.
A noite de quinta-feira foi especial para os curtas. O mais instigante, Haruo Ohara, dialoga com a obra de um agricultor japonês que se tornou pioneiro da fotografia no Norte do Paraná. Fotografado em PB digital por Carlos Ebert, o filme encerra a Trilogia do esquecimento de Rodrigo Grota, três curtas de ficção explorados de forma documental. Os dois primeiros são Satori Uso (2007) e Booker Pittman (2008). Ambos foram premiados em Gramado e a boa recepção do terceiro indica que Grota não sairá daqui de mãos vazias.
"Morei em Londrina por dez anos e criei uma relação afetiva com a cidade", diz Grota. Apesar de manter o recorte temporal e geográfico - a Londrina dos anos 1950, Ohara se difere de Satori Uso e Pittman na abordagem, que dramatiza o contexto do fotógrafo em ação e junto com a família. Para recriar a fotografia de Ohara, Ebert se inspirou mais em seu olhar do que na técnica. "Ohara usava o processo fotoquimico negativo-cópia em filmes da baixa sensibilidade, que tem uma enorme latitude. Por isso, não poderia transpor nada para o digital, que tem suas limitações. Meu desafio foi transcriar sua percepção dentro do novo suporte".
De forma outra, o documentário Babás, de Consuelo Lins, utiliza fotografias antigas e anúncios de jornal para tratar da relação afetiva, histórica e social, inicialmente mantida entre famílias brancas e mães pretas para então assumir a moderna estrutura família burguesa / empregadas domésticas. Aos poucos, o foco se fecha para a história da diretora, que entrevista as babás que cuidaram dela na infância. A semelhança com Santiago, de João Moreira Salles, foi lembrada na coletiva de imprensa. Consuelo responde dizendo que o filme de Salles faz parte de uma tendência mundial de documentários em primeira pessoa. Mas admite: "Santiago é uma referência muito forte, não dá pra escapar"
Inspirada em sonho, a animação Os anjos no meio da praça, de Alê Camargo e Camila Carrossine, aposta no visual do 3D e trata de um garoto que assiste a seres alados caindo num povoado, onde são enclausurados.
Ratão provocou risadas com o pastiche de filmes de luta e humor de situações absurdas dos anos 1980. Só pelas referências já se pode ter uma ideia: Goonies, Aventureiros do bairro proibido, Tarantino, filmes blackspoitation, kung fu e Os Trapalhões. A trilha pega bem: Jehtro Tull, Jorge Ben e o pernambucano Di Melo.
Último longa nacional em competição, o documentário Diário de uma busca se aproxima do chileno Mi vida con Carlos, de German Berger. Menos afetiva, Flávia Castro também procura o pai que se foi, Celso Afonso Gay de Castro, militante perseguido pela ditadura, assassinado em estranhas circunstâncias em 1984.
(Diario de Pernambuco, 14/08/2010)
sexta-feira, 13 de agosto de 2010
Festival de Gramado // El vuelco del Cangrejo
Em escala ascendente, a mostra competitiva do 38º Festival de Gramado está revelando bons filmes. Hoje a programação de filme se encerra com o inédito e esperado Ex Isto, de Cao Guimarães, adaptação do livro Catatau, de Paulo Leminski, com João Miguel no papel de René Descartes. Da noite de quarta-feira, o colombiano El vuelco del cangrejo (A reviravolta do caranguejo), de Oscar Ruiz Navia, é um manifesto autoral atípico em um país que, assim como o Brasil, está se especializando em filmes sobre periferia e violência.
Premiado pela Federação Internacional da Imprensa Cinematográfica no último Festival de Berlim (o mesmo recebido por La Teta Assustada), Cangrejo foi rodado numa comunidade de pescadores perdida no litoral, que interage com um forasteiro (Rodrigo Velez) à procura de uma rota marítima para deixar o país. Com exceção de Velez e de dois outros atores, todo o elenco é formado pelos moradores de La Barra, que reagem às câmeras com diálogos e ações tão naturais que não sabemos se assistimos a um documentário contemplativo ou uma ficção em tom de poesia. Na dúvida, é cinema.
Não se pode afirmar o mesmo de Ponto org, de Patrícia Moran. Seu núcleo dramático é ficcional, mas simula um documentário, em que uma garota classe média (Erika Altimeyer) e um videoartista (o rapper Renegado) entregam câmeras a um grupo de garotos, que num movimento de "inclusão", tornam-se autores de imagens da vida nas ruas. A experimentação é radical e provoca vertigem ao som de videogame. Impressiona a atuação de Teuda Bara, fundadora do Grupo Galpão de Minas Gerais.
(Diario de Pernambuco, 13/08/2010)
quinta-feira, 12 de agosto de 2010
Bastidores e "Eu indico" da semana
Dois diretores da mostra de longas em Gramado tem projetos a serem realizados em Pernambuco. Geraldo Sarno, que concorre com O último romance de Balzac, prepara roteiro para versão ficcional da história do General Abreu e Lima, personagem abordado por ele no documentário Tudo isto me parece um sonho (melhor direção e roteiro em Brasília). Já Sylvio Back, que apresentou o doc Contestado - restos mortais, viaja em outubro para Buíque, em pré-produção de longa sobre o escritor Graciliano Ramos.
**
O 43 º Festival de Brasília abre inscrições para as mostras competitivas em 35mm e digital. Ficha de inscrição e regulamento nos sites www.sc.df.gov.br e no www.festbrasilia.com.br. Este ano, o festival será entre 23 e 30 de novembro.
**
Alfredo e Sandra Bertini, organizadores do Cine PE, estão em Gramado para promover o festival através de sorteio que levará um gaúcho para o evento, em maio. E tudo indica que uma homenagem ao cinema italiano vem aí. Mês que vem, após o Festival de Veneza, eles vão a Roma encontrar Giuseppe Tornatore, o possível convidado de honra do Cine PE 2011.
**
Eric Laurence (Azul, Entre paredes), que integra o júri de curtas no Festival de Gramado, está rodando Mestres do frevo, primeiro longa de sua carreira. A ideia partiu de Spok, que convidou para o projeto os Maestros Nunes, Duda, José Menezes e Formiga. 15% das filmagens estão prontas.
Eu indico
Eu indico Beijo 2348/72 (Brasil, 1990), de Walter Rogério. O filme alfineta a sociedade de maneira poética, com humor inspirado em Chaplin, retratando o cotidiano da classe operária brasileira. Lançado em 1990, tem no elenco uma Fernanda Torres inspiradíssima e o comovente Chiquinho Brandão (que morreu um pouco depois). Que eu saiba, não saiu em DVD. Vale a pena.
German Ra, compositor, escritor e videasta.
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O 43 º Festival de Brasília abre inscrições para as mostras competitivas em 35mm e digital. Ficha de inscrição e regulamento nos sites www.sc.df.gov.br e no www.festbrasilia.com.br. Este ano, o festival será entre 23 e 30 de novembro.
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Alfredo e Sandra Bertini, organizadores do Cine PE, estão em Gramado para promover o festival através de sorteio que levará um gaúcho para o evento, em maio. E tudo indica que uma homenagem ao cinema italiano vem aí. Mês que vem, após o Festival de Veneza, eles vão a Roma encontrar Giuseppe Tornatore, o possível convidado de honra do Cine PE 2011.
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Eric Laurence (Azul, Entre paredes), que integra o júri de curtas no Festival de Gramado, está rodando Mestres do frevo, primeiro longa de sua carreira. A ideia partiu de Spok, que convidou para o projeto os Maestros Nunes, Duda, José Menezes e Formiga. 15% das filmagens estão prontas.
Eu indico
Eu indico Beijo 2348/72 (Brasil, 1990), de Walter Rogério. O filme alfineta a sociedade de maneira poética, com humor inspirado em Chaplin, retratando o cotidiano da classe operária brasileira. Lançado em 1990, tem no elenco uma Fernanda Torres inspiradíssima e o comovente Chiquinho Brandão (que morreu um pouco depois). Que eu saiba, não saiu em DVD. Vale a pena.
German Ra, compositor, escritor e videasta.
Festival de Gramado // Oscarito para Pereio
O Troféu Oscarito de 2010 foi para o ator Paulo César Pereio. Não se trata de justiça tardia, como ocorreu com Júlio Bressane dois anos atrás. Gaúcho de Alegrete, o ator esteve em Gramado várias vezes, onde foi premiado por sua atuação em Noite (1985), de Gilberto Loureiro, e As aventuras amorosas de um padeiro (1975), de Waldir Onofre. Em casa, Pereio estava bem comportado. Nada de palavrões, atitudes provocativas ou declarações politicamente incorretas. Ao contrário do personagem que há 50 anos ele vem construindo no teatro, TV e cinema, o que vimos foi um homem tranquilo, disposto a falar sobre sua visão de cinema e seus projetos atuais.
"É incrível receber um troféu Oscarito. Até hoje sou fã dele", disse o ator, na entrega do prêmio, terça à noite. "Ele é o grande representante do que a mídia tentou derrubar com esse nome, a chanchada. Que ainda é a grande escola do cinema brasileiro. Enquanto a gente desprezava, os norte-americanos tentaram roubar. Para mim, Mel Brooks é a chanchada brasileira".
Horas antes, na coletiva para a imprensa, Pereio ousou mais. "Me lembro de quando ganhei o primeiro Kikito, achei estranho porque ele tinha a bunda na frente. Mas depois mudaram isso". A conversa começou com um retrospecto do Festival de Gramado, o qual acompanha desde a primeira edição, em 1973. A consagração de Arnaldo Jabor e Hugo Carvana são para ele exemplos da sensibilidade de Gramado em apontar os rumos do cinema nacional. Lembrou inclusive que a abertura para filmes sul-americanos começou com o fechamento da Embrafilme, no começo dos anos 1990. "O Brasil não produzia mais filmes e graças a essa carência, começamos a tomar contato com esse cinema maravilhoso, que é o argentino".
Mas as recordações param por aí. Sobre Eu te amo (1981), Pereio diz não se lembrar de nada. "Quero falar de outro filme, Pereio, eu te odeio. Eu te amo já tem 30 anos, se você olhar pra mim naquele tempo, hoje tenho outra cara". Com direção de Allan Sieber, o documentário Pereio, eu te odeio deve estrear no começo do ano que vem e traz depoimentos de ex-mulheres, filhos e amigos. "Rodamos mais de três horas com gente falando mal de mim".
Para ele, apesar da adoção do modelo de produção norte-americano, o cinema brasileiro continua algo marginal. "O leito desse rio é pouco nítido, só vejo as margens. Os recursos são muito precários. Um filme de Hollywood com Julia Roberts dá pra bancar dois anos de cinema brasileiro". Dos projetos que participa, Pereio diz que se lembra sempre das filmagens, nunca dos filmes prontos. No festival deste ano, ele participa de Ponto Org, de Patrícia Moran. "Eu não vi ainda, então considero que estou no processo".
(Diario de Pernambuco, 11/08/2010)
"É incrível receber um troféu Oscarito. Até hoje sou fã dele", disse o ator, na entrega do prêmio, terça à noite. "Ele é o grande representante do que a mídia tentou derrubar com esse nome, a chanchada. Que ainda é a grande escola do cinema brasileiro. Enquanto a gente desprezava, os norte-americanos tentaram roubar. Para mim, Mel Brooks é a chanchada brasileira".
Horas antes, na coletiva para a imprensa, Pereio ousou mais. "Me lembro de quando ganhei o primeiro Kikito, achei estranho porque ele tinha a bunda na frente. Mas depois mudaram isso". A conversa começou com um retrospecto do Festival de Gramado, o qual acompanha desde a primeira edição, em 1973. A consagração de Arnaldo Jabor e Hugo Carvana são para ele exemplos da sensibilidade de Gramado em apontar os rumos do cinema nacional. Lembrou inclusive que a abertura para filmes sul-americanos começou com o fechamento da Embrafilme, no começo dos anos 1990. "O Brasil não produzia mais filmes e graças a essa carência, começamos a tomar contato com esse cinema maravilhoso, que é o argentino".
Mas as recordações param por aí. Sobre Eu te amo (1981), Pereio diz não se lembrar de nada. "Quero falar de outro filme, Pereio, eu te odeio. Eu te amo já tem 30 anos, se você olhar pra mim naquele tempo, hoje tenho outra cara". Com direção de Allan Sieber, o documentário Pereio, eu te odeio deve estrear no começo do ano que vem e traz depoimentos de ex-mulheres, filhos e amigos. "Rodamos mais de três horas com gente falando mal de mim".
Para ele, apesar da adoção do modelo de produção norte-americano, o cinema brasileiro continua algo marginal. "O leito desse rio é pouco nítido, só vejo as margens. Os recursos são muito precários. Um filme de Hollywood com Julia Roberts dá pra bancar dois anos de cinema brasileiro". Dos projetos que participa, Pereio diz que se lembra sempre das filmagens, nunca dos filmes prontos. No festival deste ano, ele participa de Ponto Org, de Patrícia Moran. "Eu não vi ainda, então considero que estou no processo".
(Diario de Pernambuco, 11/08/2010)
Gramado // Bons curtas na noite de terça
Os curtas mostraram força na noite de terça-feira em Gramado. Vento (SP), de Marcio Salem, o mais estilizado de todos, é sobre a fantasia de um menino em ser super-heroi e salvar a mãe numa cidade em que o vento acabou. Com participação de Otto e figurino de Joana Gatis, o filme tem cenários artificiais e objetos à moda antiga, que lembram Tim Burton, e personagens tão estranhos quanto os dos irmãos Coen. E isso pode ser tão bacana quanto um problema. Outro paulista, Pimenta, de Eduardo Mattos, trata da importância do pai para o filho, um menino maltratado pelo irmão mais velho. Bonito.
Os outros dois curtas são veteranos no circuito de festivais. Conto singelo sobre a liberdade que surge da união, o baiano Carreto, de Cláudio Marques e Marília Hughes foi bem recebido em Gramado. Pela primeira vez em casa, o gaúcho Amigos bizarros do Ricardinho (melhor ator e montagem no Cine PE) se passa numa agência de publicidade, onde o estagiário entretém os colegas com casos estranhos e engraçados e com isso quase perde o emprego. Personagem da vida real, Ricardo Lilja esteve na sessão e disse ao Diario que tudo o que está no filme é verdade. O diretor, Augusto Canani, foi um dos que receberam um e-mail com histórias do Ricardinho. Hoje, elas também são contadas no Twitter: @amigosbizarros.
Os longas em competição foram Historia de um dia (Venezuela), de Rosana Matecki e Contestado – restos mortais, de Sylvio Back. Documentário “sensorial”, sem palavras, o primeiro tenta extrair poesia ao registrar os costumes de um povoado rural, dividido entre os afazeres do dia e a religiosidade. Quarenta anos após filmar a ficção A guerra dos pelados, Sylvio Back volta ao tema e desafia a platéia com um filme de duas horas e meia com depoimentos de especialistas e moradores da região onde aconteceu o massacre do Contestado, de acordo com o diretor, “um conflito submerso que está sumindo de nossa historiografia”.
Entrevistas com médiuns que incorporam caboclos, jagunços e soldados mortos em combate podem ser questionáveis enquanto documento, mas dão ao filme um necessário contraponto emocional à grande quantidade de informações levantadas e ao importante levantamento de imagens de arquivo.
Os outros dois curtas são veteranos no circuito de festivais. Conto singelo sobre a liberdade que surge da união, o baiano Carreto, de Cláudio Marques e Marília Hughes foi bem recebido em Gramado. Pela primeira vez em casa, o gaúcho Amigos bizarros do Ricardinho (melhor ator e montagem no Cine PE) se passa numa agência de publicidade, onde o estagiário entretém os colegas com casos estranhos e engraçados e com isso quase perde o emprego. Personagem da vida real, Ricardo Lilja esteve na sessão e disse ao Diario que tudo o que está no filme é verdade. O diretor, Augusto Canani, foi um dos que receberam um e-mail com histórias do Ricardinho. Hoje, elas também são contadas no Twitter: @amigosbizarros.
Os longas em competição foram Historia de um dia (Venezuela), de Rosana Matecki e Contestado – restos mortais, de Sylvio Back. Documentário “sensorial”, sem palavras, o primeiro tenta extrair poesia ao registrar os costumes de um povoado rural, dividido entre os afazeres do dia e a religiosidade. Quarenta anos após filmar a ficção A guerra dos pelados, Sylvio Back volta ao tema e desafia a platéia com um filme de duas horas e meia com depoimentos de especialistas e moradores da região onde aconteceu o massacre do Contestado, de acordo com o diretor, “um conflito submerso que está sumindo de nossa historiografia”.
Entrevistas com médiuns que incorporam caboclos, jagunços e soldados mortos em combate podem ser questionáveis enquanto documento, mas dão ao filme um necessário contraponto emocional à grande quantidade de informações levantadas e ao importante levantamento de imagens de arquivo.
quarta-feira, 11 de agosto de 2010
Carta ao pai emociona em Gramado
Cauã Reymond causou rebuliço na imprensa televisiva e fez meninas em busca de autógrafos serem barradas na porta da sala de exibição do Palácio dos Festivais. Ele esteve em Gramado na noite de segunda-feira, para promover o longa Não se pode viver sem amor, de Jorge Durán. Em competição, o filme já foi exibido no último Cine PE, de onde saiu com o prêmio especial do júri.
No entanto, o melhor programa da noite foi Mi vida com Carlos, documentário absolutamente pessoal do chileno German Berger sobre os anos de ferro da ditadura de Pinochet. Longe do tom panfletário, o filme se estrutura como uma carta escrita por Berger ao pai que nunca conheceu. Filho de imigrantes judeus fugidos do holocausto nazista, Carlos Berger foi um dos presos políticos assassinados em 1973 pelas chamadas Caravanas da Morte. Fatos históricos são ilustrados com imagens de arquivo. A fotografia de Miguel Littin (filho do famoso cineasta chileno), movimentos de câmera e montagem fazem delicado contraponto à gravidade do assunto.
"Decidi ser cineasta para enfrentar meus medos e dores. Mas foi nascimento de minha filha que desencadeou este filme" disse Berger. "Littin, que também é o roteirista, me convenceu a abrir minha memória e romper o silêncio". A advogada Carmem, mãe do diretor, tem sido liderança ativa para que a justiça seja feita no Chile. "A classe política chilena promoveu a desmemória. Isso impede a construção de um futuro auspicioso para o país". Na Europa, o filme foi exibido na Espanha e na França, onde foi introduzido por Constantin Costa Gavras (Estado de sítio). Apesar de não haver planos de distribuição, Mi vida com Carlos precisa ser mais visto no Brasil, não apenas por ser bom filme, mas pela estranha tendência que temos para esquecer os crimes da ditadura militar.
Curtas - O consenso sobre a primeira noite da mostra competitiva de curtas é que o programa ficou a desejar. A exceção foi a estreia de Ninjas, apresentado pelo produtor como uma "orgia de horror e atrocidades, não um filme brasileiro de terror, mas um filme de terror brasileiro". Estrelado por Flávio Bauraqui (5xFavela), a obra de Dennison Ramalho, gaúcho radicado em Nova York, fez um exercício de gênero em cinemascope, em que um policial evangélico é perseguido pelo fantasma de um menino que, por acidente, ele matou. Somadas à trilha sonora, cenas de tortura física e um Jesus Cristo com o intestino à mostra fazem de Ninjas o filme mais "Ozzy" do festival.
Em sua primeira exibição fora do estado, A minha alma é irmã de Deus não contou com a presença da diretora, Luci Alcântara, ou do escritor Raimundo Carrero, que divide com Luci a produção e roteiro adaptado do livro vencedor do prêmio São Paulo de Literatura. Apesar da bossa pop que os gaúchos adoram, o trabalho não foi compreendido e provocou estranhamento. Difícil converter literatura em cinema.
(Diario de Pernambuco, 11/08/2010)
terça-feira, 10 de agosto de 2010
Festival de Gramado // Um Balzac para pensar o cinema
Nem Luciano Szafir, nem Paula Lima. A estrela da noite de domingo foi Honoré de Balzac. Não é pouco, para um festival que celebra os famosos do momento, evocar o escritor francês nascido 200 anos atrás. Pois foi através de Balzac e de obras em torno dele que o cineasta baiano Geraldo Sarno encontrou elementos para refletir sobre o processo de criação artística.
Com citações de Paul Valéry ("Nada é mais abstrato do que aquilo que é"), pintura, literatura e música erudita, o viés de O último romance de Balzac é, no mínimo, polêmico. O filme traz à tona a obra O avesso de um Balzac contemporâneo (Editora Lachâtre, R$ 48), análise "arqueológica" feita pelo psicólogo Osmar Ramos Filho sobre uma obra psicografada por Waldo Vieira (parceiro de Chico Xavier) em 1965, pelo espírito de Balzac. Faz também uma livre adaptação em de A pele de Onagro, um dos primeiros romances do escritor. Dentro da estética do cinema mudo, este "filme dentro do filme" é estrelado por José Paes deLira, mais conhecido como o Lirinha do Cordel do Fogo Encantado. Também estão no elenco Simone Spoladore e Ernesto Sollis.
Geraldo e Lirinha se encontraram na predileção de ambos por cantadores da fronteira Pernambuco/Paraíba foi fundamental para que Lirinha topasse entrar no projeto. Nos anos 1960, Geraldo rodou vários documentários sobre o tema. Por sua vez, declamadores como Pinto do Monteiro e Patativa do Assaré foram a primeira referência arrebatadora na formação de Lirinha.
Na manhã seguinte à exibição, durante o debate com a imprensa, o filme deu o que falar. Alguns não resistiram à tentação de taxá-lo de espírita, que estaria engrossando essa tendência que está tomando conta do cinema nacional. Hoje, por exemplo, Sylvio Back exibe em Gramado seu Contestado - restos mortais, documentário de 2h30 em que, através de 30 médiuns, ex-combatentes narram detalhes da guerra que ocorreu há 100 anos entre o Paraná e Santa Catarina. De formação marxista e com outros filmes que abordam questões religiosas como Viramundo, Iaô e Deus é um fogo, ele nega qualquer inclinação espírita do longa. "O filme não tem visão religiosa ou doutrinária. Eu não sou espírita. Respeito a visão do Waldo, que encaro como o processo de criação em que o artista, mesmo não religioso, pode viver. Não são poucos os artistas ou filósofos que se dizem possuídos no momento de criação".
De acordo com Sarno, a interpretação do professor Osmar traz aspectos centrais na obra de Balzac, inéditos na crítica mundial. Que levaram não somente à A pele de Onagro, como ao pasticho de uma pintura de Paul Potter, considerado por Balzac como o Rafael dos animais. O projeto original incluía uma viagem a Paris, para documentar o universo do autor, logo abandonado em prol da releitura de Onagro. Nele, Rafael Valentin (Lirinha) aceita abreviar sua vida, em troca da realização de todos os seus desejos.
Ao Diario, Lirinha disse que antes de aceitar o papel, precisou superar sua resistência com as exigências do cinema. No entanto, no fim da ressaca provocada pela separação do Cordel do Fogo Encantado (seu primeiro disco sem o grupo sai no começo do ano), ele tem motivos para se identificar com Balzac e seu personagem. “A Teoria da Vontade é uma metáfora do trabalho artístico, em que ele encara dificuldades e decepções em busca do reconhecimento. Também me identifico com a ideia do suicídio na arte, a busca pelo recomeço, a morte como o inicio de algo novo. E Rafael vai cada vez para o subterrâneo, até chegar na situação de que ele não pode mais se apaixonar senão morre”. Além de protagonizar Balzac, Lirinha faz uma pequena homenagem a Glauber Rocha no inédito Transeunte, novo filme de Eryk Rocha.
Após a sessão e também no debate, não foram poucas as críticas ao filme de Sarno. O diretor responde que procura filmes de ruptura. E que assume o risco "suicida" de fazer o que não sabe. "Espero não ser aceito por quem busca entretenimento. Quero estar contra a corrente. Talvez não crie uma nova língua, então gaguejo para não falar a língua do cinema dominante".
Diario de Pernambuco, 10/08/2010)
segunda-feira, 9 de agosto de 2010
Festival de Gramado // A periferia fala alto
Caio Blat e Jonathan Haagensen em Bróder, de Jefferson De
Na turística Gramado, em que até a água mineral é indexada em euro, filmes de periferia falaram mais alto nos dois primeiros dias de festival. Bróder e 5x Favela - agora por nós mesmos apontam para o humano e o desumano, dentro e fora da favela. E reafirmam o instinto documental como o que há de melhor no atual cinema de ficção brasileiro. Os filmes monopolizaram os prêmios do último Festival de Paulínia. Em competição em Gramado, Bróder deve levar alguns Kikitos.
Na sexta, noite de abertura, o frio no tapete vermelho fez tremer os ossos do esparso público munido de câmeras nas grades de contenção. A temperatura oscilou entre 5ºC e 7ºC. Mesmo assim, houve assédio popular aos famosos Iran Malfitano, Cássia Kiss, José de Abreu, Tuca Andrada, Carla Marins, Virgínia Cavendish, André Arteche, Malu Galli, Laila Zaid e Jonathan Haagensen. Revelado em Cidade de Deus, Haagensen se destaca em Bróder como o jogador de futebol Jaime, que saiu da periferia de São Paulo para jogar na Espanha.
Com roteiro de Newton Cannito,fotografia de Gustavo Hadba (um pouco prejudicada pela projeção) e produção de Cacá Diegues e Daniel Filho, Bróder narra o reencontro de três amigos no Capão Redondo e é uma das apostas do ano no cinema nacional. Estreia em novembro no circuito nacional, logo depois de Tropa de Elite 2. Além de Haagensen, Caio Blat, Sílvio Guindane e Cássia Kiss fazem ótimas atuações.
Na coletiva para a imprensa, surgiram comparações entre Jefferson De e o Spike Lee de Faça a coisa certa (1989). Outras influências confessas do diretor são Martin Scorsese e Mathieu Kassovitz. "Spike Lee tem vida fácil. Nos EUA, branco é branco, preto é preto, judeu é judeu, viado é viado. Aqui a discussão é mais complexa. No filme, a questão da cor só tem importância quando eles saem do Capão e vão para o centro. Eu mesmo só comecei a ter cor quando saí da periferia de Taubaté e fui pra universidade", disse o diretor, que estreia no formato de longa duração, quer filmar a história de Ronaldinho Gaúcho e não esconde o desejo de disputar uma vaga ao Oscar 2011 com Bróder.
Exibido em seguida, o longa gaúcho Enquanto a noite não chega voltou a esfriar os ânimos da platéia. Baseado na memória (representada por sequências de arquivo em película 35mm) e na solidão de um casal de idosos traumatizados pela Guerra do Contestado, o filme foi apresentado pelo diretor Beto Souza como um drama não tão evidente, de "atmosfera". E a primeira produção em tecnologia digital 4k a ser exibida simultaneamente, por fibra ótica, em três países diferentes. Pena que, enquanto filme, é mal resolvido.
No sábado, a mostra competitiva não empolgou. À procura de ideias próprias, o documentário uruguaio Ojos bien abiertos só fez reproduzir ideias prontas da nova esquerda latino-americana. Com depoimentos de Eduardo Galeano, o filme tem o mérito de contextualizar episódios recentes, como o da expulsão do embaixador norte-americano na Venezuela. Já a narrativa não-linear de 180º, de Eduardo Vaisman, só fez abusar da paciência dos que ainda restavam na sala. O melhor programa do dia foi o argentino Dois irmãos, que abriu a Mostra Panorama. Opostos, os protagonistas vivem na velhice um dolorido mas redentor processo de reconciliação familiar. Faz lembrar que filmes simples podem ser os mais eficientes.
(Diario de Pernambuco, 09/08/2010)
Diretores desconhecidos do grande público são contrapeso para a fama de que Gramado é festival de celebridades
A partir de hoje, o Diario de Pernambuco começa a publicar a cobertura do 38º Festival de Gramado. A programação começou na última sexta-feira e segue até o próximo sábado, com a festa de premiação.
Concorrem ao Kikito de Ouro oito longas-metragens brasileiros, sete de outros países da América Latina e 19 curtas nacionais. O principal homenageado é o ator gaúcho Paulo César Pereio, que recebe amanhã o Troféu Oscarito. O pernambucano Minha alma é irmã de Deus, de Luci Alcântara, encerra a primeira leva de curtas, na noite de hoje.
Este ano, o tradicional evento do cinema está maior. Ganhou dois dias, ou seja, começa e termina nos fins de semana. De acordo com Ademir Coletto, presidente do festival, o objetivo é atrair mais turistas - ano passado, 100 mil visitaram a cidade. A projeção para 2010 é de 120 mil.
Se no tapete vermelho é conhecido o assédio aos famosos (ou nem tanto), dentro do Palácio dos Festivais o evento busca chamar atenção dos cinéfilos com uma programação sem celebridades, em sua maioria, de respeito ou que podem gerar boas surpresas. Entre os veteranos, temos Geraldo Sarno (O último romance de Balzac), Sylvio Back (O Contestado - restos mortais) e Jorge Durán (Não se pode viver sem amor). Da nova geração, Jefferson De (Bróder), Patrícia Moran (Ponto Org), Eduardo Vaisman (180º) e Beto Souza (Enquanto a noite não chega).
O júri oficial de longas nacionais é formado por Emiliano Ribeiro, Ivana Bentes, Kiko Goifman, Mateus Araújo Silva e Suzana Amaral. No júri de curtas estão Eric Laurence, Paula Szutan e Marcos Breda. Entre os participantes do júri popular está Maria Doralice Amorim, leitora que venceu o concurso de críticas promovido pelo Diario.
O programa, elaborado pelo crítico José Carlos Avellar e o cineasta Sérgio Sanz, chama atenção não só para as mostras competitivas, mas para os filmes fora de concurso, como o longa 5x Favela - agora por nós mesmos, Elvis e Madonna, de Marcelo Laffitte e o carioca Chantal Akerman de cá, de Gustavo Beck e Leonardo Luiz Ferreira. Na sexta que vem, encerrando as atividades cinéfilas, teremos o novo longa de Cao Guimarães, Ex Isto.
Apesar de ser conhecido como o festival das celebridades, o exercício da crítica se destaca em Gramado. Desde janeiro presidida por Roger Lerina, do jornal Zero Hora, a Associação dos Críticos do Rio Grande do Sul promove uma oficina, ministrada por Ivonete Pinto (revista Teorema) e um encontro, que este ano discute cinema, crítica e novas tecnologias.
(Diario de Pernambuco, 09/08/2010)
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