sexta-feira, 27 de maio de 2011

Cavani Rosas vai ao cinema



Três curtas-metragens marcam a estreia do artista plástico Cavani Rosas no cinema: Sob a pele, de Pedro Sotero e Daniel Bandeira; O ex-mágico, de Olimpio Gonçalves da Silveira Costa; e Deixem Diana em paz, de Júlio Cavani. Todos estão em fase de pré-produção e até o fim do ano devem estar prontos para circular em festivais. A sincronia dos projetos é pura coincidência e se explica porque todos foram aprovados pelo último edital do Funcultura. Cavani também trabalhará no próximo videoclipe de Jr. Black.

“Antes disso, o máximo que tinha feito foi o desenho de produção de Recife de dentro para fora, de Kátia Mesel”, conta o artista, enquanto termina de desenhar um dos 70 cenários da animação O ex-mágico. Com uma caneta esferográfica, ele desenha o ambiente interno de um casarão, um dos vários que compõem uma cidade imaginária, com fachadas que remetem à década de 1930.

Baseado no conto O ex-mágico da Taberna Minhota, de Murilo Rubião, o curta usa técnicas de animação quadro-a-quadro, 3D, cenários feitos à mão e personagens em rotoscopia. O preto e branco predomina, mas há alguns detalhes coloridos. A produção mobiliza cerca de dez pessoas, que trabalham em estúdio recém-inaugurado na Ilha do Retiro. A trilha sonora é de Cláudio N (Chambaril).

Sob a pele é uma ficção com atores, com argumento e fotografia de Sotero, roteiro de Bandeira, direção de arte de Juliano Dornelles e Thales Junqueira, som de Pablo Lamar. Cavani está criando duas tatuagens que serão transpostas para o corpo da atriz, Rita Carelli (Décimo segundo), que contracena com Mariano Mattos Martins (do Teatro Oficina) em uma única locação, o apartamento em que moram Sotero e Dornelles. “As ilustrações são a essência da ideia do filme, mas falar sobre isso agora seria um spoiler muito grande”, diz Sotero. As filmagens começam em julho.

Cavani trabalha também na animação Deixem Diana em paz, HQ de sua autoria, feita a partir de história do jornalista Fred Navarro. A produção é de Débora Brennand e a direção de Júlio Cavani, filho do artista e repórter do Diario. A personagem é uma mulher com histórico de eficiência profissional, mas que passa cada vez mais tempo dormindo. A ideia é que a adaptação traga o aspecto bidimensional dos quadrinhos, por isso, usará a técnica tradicional da animação quadro a quadro, que ficará a cargo de Marcos Buccini. A música será de Cláudio N e Carlos Montenegro, que participaram da trilha de Viajo porque preciso, volto porque te amo.

Fantástico através do realismo - Artista plástico e ilustrador, Cavani Rosas começou a carreira na década de 1960. No Diario de Pernambuco foi ilustrador do suplemento infantil e da página de humor. Colaborou para publicações como Folha de S. Paulo, Caros amigos e Le Monde Diplomatique. Ele trabalha com mosaicos, murais e esculturas (algumas podem ser vistas em edifícios do Recife, shoppings e na Praça dos Lanceiros, em Nazaré da Mata).

Como desenhista, busca o fantástico através do realismo das formas humanas, da natureza e da arquitetura. “Era rato de biblioteca, vivia na Faculdade de Arquitetura. Gosto de desenhar prédios antigos, já desenhei livros de anatomia e no Butantã trabalhei com animais. Isso ajuda a trazer mais realismo para os desenhos”, diz Cavani.

Nos quadrinhos, sua obra dialoga com Paolo Serpieri, Moebius e Alejandro Jodorowsky. De Winsor McKay, criador de Little Nemo, tirou inspiração para o personagem Voyager, que faz meditação e viagens astrais. “Cresci em família espírita, isso me ajudou a sonhar e me aproximar do ocultismo”. Nas artes plásticas, ele cita M.C. Escher, Albert Dürer (Aula de anatomia) e a série Bico de pena, de Paul Klee.

Desde 1978, ele vive entre o Recife e São Paulo, onde mantém ateliê no bairro do Morumbi e atualmente é tema da exposição Mágico Desenho, na Galeria 3058 de Anna Guerra. Agora, pretende reabrir ateliê no Recife. “Os projetos estão me trazendo pra cá”.

(Diario de Pernambuco, 27/05/2011)

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Diálogo aberto com o audiovisual

A prefeitura do Recife pode ter dado seu primeiro passo na definição de uma política específica para o segmento do audiovisual. Na última terça-feira, no auditório do Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães, cerca de 30 profissionais e representantes de classe se reuniram com o secretário de cultura Renato L e a presidente da Fundação de Cultura, Luciana Félix.

Na pauta, a reformulação do Sistema de Incentivo à Cultura e sugestões para o futuro edital de fomento. A ideia seria atuar em gargalos, como a finalização. Além disso, segundo participantes, o secretário teria se comprometido a receber os realizadores dos cinco longas em 35mm que desde 2009 requisitaram patrocínio da prefeitura.
Cynthia Falcão, secretária geral da Associação Brasileira dos Documentaristas, disse que o encontro foi positivo. “Eles estão correndo atrás do prejuízo. Pela primeira vez o segmento teve a oportunidade de conversar diretamente com o secretário de cultura”.

A meta é lançar o edital no segundo semestre e apresentar o novo SIC até dezembro. Felipe Calheiros, do coletivo Asterisco, não é tão otimista. “A tese da reformulação da politica cultural é linda, mas no sistema burocrático instituído vai demorar a acontecer. É triste ver a manutenção da velha política de balcão para salvar alguns projetos, geralmente os longas, diferenciando-os das outras categorias de forma subjetiva e questionável”. Hoje, uma nova reunião dará sequência aos trabalhos.

(Diario de Pernambuco, 23/05/2011)

Novos curtas no Cinema da Fundação

Realizar um curta de ficção em 16mm com um dia de filmagem e dez minutos de negativo. Esse foi o desafio imposto aos alunos do projeto Curta em Curso, realizado em Petrolina, Fernando de Noronha e no Recife. O resultado dos filmes feitos na capital será exibido nesta segunda, às 19h, no Cinema da Fundação (Derby).

São eles: O eco dos meus passos, de Leo Leite; Invasão, de Sofia Donovan; Sem energia, de Thiago Rocha; Rosa dos ventos, de Luca Coutinho; Desta vez, de Allan Tonello; Me gustas, de Germana Glasner; e João Ila, de Jerônimo Lemos. Os roteiros e a produção são dos citados acima e de equipes formadas por Lucas Caminha, Gustavo Arruda, Rodrigo Cavalcanti, Muriel Lima, Flávio Gusmão, Jerônimo Lemos, Camila Meneghini, Evan Diniz, Maria Luiza Sá, Priscila Lins, Amanda Beçça, Bruna Belo, Herivelton Santos, Annyela Rocha, Leandro Gantois, Vinicius Gouveia, Luis Vitor, Camila Vanessa, Txai Ferraz, Wagner Pontes e Thaís Vidal.

Em seus trabalhos, há consciência clara de cada etapa da produção cinematográfica, como a fotografia, direção de arte, som, trilha sonora. Para editar o material bruto, o projeto conta com o talento do montador João Maria.

“Trabalhar com negativo desenvolve o olhar cinematográfico e a disciplina de filmagem que são atitudes importantes e que podem e devem serem levadas para produções que utilizam meios digitais”, diz Maria Pessoa, idealizadora e coordenadora do projeto.

Atenção para o curta João Ila, que experimenta linguagem e, ao usar cenas aéreas do Recife, recursos de animação e cenas dramatizadas. Um pouco mais desenvolvido, pegaria bem em qualquer festival.

(Diario de Pernambuco, 23/05/2011)

Caçador de Cangaceiros



Informado de que seu irmão sucumbiu às forças de Lampião, o tenente Lindalvo Rosas soltou bravatas típicas da época. O sotaque carregado e a valentia bravateira com que o ator Aramis Trindade o interpreta fazem dele um dos personagens mais pitorescos do filme Baile perfumado.

Inspirado na vida real, Rosas é referência direta ao coronel Manuel de Souza Ferraz, também conhecido como Manuel Flor, um dos maiores caçadores de cangaceiros. Sua filha, Marilourdes Ferraz, não viu graça alguma no filme. Ela perdeu mais de 20 parentes durante o reinado de Virgolino Ferreira. Seu tio Ildefonso foi um deles.

“O filme mostra os volantes de forma jocosa. A gente, que viveu a história, sente”, diz Marilourdes, autora do livro O canto do acauã, baseado nas memórias e documentos deixados pelo pai. Publicado em 1978 e relançado em 1985, o título faz importante registro da história do Cangaço do ponto de vista de quem o combateu. Esgotado das livrarias, ele chega a custar R$ 650 no mercado de usados.

Agora, volta atualizado e ampliado com depoimentos, fotografias e desenhos. Suas páginas trazem datas, locais e pessoas envolvidas no conflito que por duas décadas mobilizou o Nordeste e eternizou a figura dos cangaceiros.

Professora e jornalista com passagem pelo Diario de Pernambuco, Marilourdes escreveu mais de 40 livros, a maioria sobre o assunto. Ela defende que Lampião foi um caso atípico que, movido pela vaidade e ambição, quebrou o código de honra dos cangaceiros: “não roubar, não matar e não profanar a família e a terra”, diz a autora.

Marilourdes critica qualquer tentativa de glorificar a vida e o legado de Lampião. Até as motivações que o teriam levado ao crime, como o assassinato do pai, são por ela contestadas. “Antes disso ele já se metia em intrigas e roubo. E não precisava disso. A família dele era muito digna. Tinha propriedades, gado”.

Incorporadas pelas forças do governo, as volantes receberam reforços dos parentes de vítimas, que queriam proteger a família e a propriedade. As mulheres, que chegavam a ser marcadas a ferro pela bandidagem, também pegaram em armas. “Foi uma epopeia. Meu pai dizia: ‘vivemos e não vimos a vida. Perdemos a juventude’”, diz Marilourdes.

Mas nem as maiores atrocidades realizadas pelo rei do Cangaço o impediram de ser eternizado pelo povo e enaltecido na música, literatura, cinema e artes plásticas. Houve quem visse nele uma versão matuta de Robin Hood. “Ele não tinha nada de socialista. Queria riqueza e poder. Fazia acordos com os coronéis e as maiores vítimas eram os sertanejos simples, que eram torturados, mutilados, sequestrados e mortos”.

Ao questionar a força de um mito, Marilourdes talvez encampe em luta ainda mais árdua do que a de Manuel Flor contra Lampião. “Os bandidos se tornaram heróis e quem defendia as vilas foram esquecidos”. Verdade cruel.

O canto do acauã será lançado na próxima quinta-feira, às 18h30, na sede do Memorial de Medicina de Pernambuco (Rua Amaury de Medeiros, 206 - Derby). O livro estará à venda por R$ 70.

(Diario de Pernambuco, 22/05/2011)

sábado, 21 de maio de 2011

Estrada para Ythaca em pré-estreia hoje, no Cinema da Fundação



A busca pela liberdade criativa levou quatro diretores à Estrada para Ythaca. Vale invocar Rogério Sgarnzela: os cearenses Guto Parente, Luiz Pretti, Pedro Diógenes e Ricardo Pretti nos apresentam hoje às 20h20, em pré-estreia no Cinema da Fundação, um autêntico “filme de cinema”. Após a sessão, os irmãos Pretti conversam com o público.

Ythaca conta a história de quatro amigos (os próprios diretores, com barbas postiças), que após bebedeira pegam a estrada para prestar condolências a Júlio, companheiro que acabara de falecer. Destemido, o filme acerta e erra. Consequência de quem arrisca.

Luiz Pretti diz que o cerne de Ythaca está no fortalecimento da amizade entre os realizadores. “A melhor forma para isso seria fazer um filme juntos, sobre o encontro feliz de quatro pessoas”. A ideia de fazer um filme viajando, sem compromisso com mais nada, surgiu quando discutiam a montagem de um curta.

“As locações eram encontradas ao longo da viagem. Às vezes a gente tinha dúvidas se ia realmente virar um filme”. Virou, antes de tudo, uma espécie declaração de princípios estéticos e processuais. “Para lá é o cinema desconhecido, o cinema da aventura; Por aqui, o cinema do terceiro mundo, um cinema perigoso, divino e maravilhoso”, anuncia o personagem Júlio, numa encruzilhada. Palavras ditas originalmente por Glauber Rocha em O vento do leste (1970), de Godard. “A cena tem função narrativa, mas também implicações políticas e históricas importantes pra gente, pois fizemos o filme em condições precárias”, conta.

Os irmãos Pretti e primos Parente (como eles se apresentam nos créditos) integram o coletivo Alumbramento, um dos núcleos de renovação do cinema nacional. Seu longa mais recente, Os monstros, segue pelo mesmo caminho. Eles também participam de outros focos criativos do cinema independente: no Recife, os Pretti trabalham com Marcelo Pedroso no curta Câmara escura. Em Belo Horizonte, Luiz monta um filme da produtora Teia. Em Fortaleza, os irmãos montam o novo documentário de Ivo Lopes de Araújo e Pedro Diógenes. A conexão é tida por Luiz como natural e saudável. “Mais do que identificação estética, acho que há um intercâmbio de ideias, de vontade de realização, de mundo”.

Distribuido pela Vitrine Filmes, Estrada para Ythaca inaugura no Recife uma nova estratégia, que reveza filmes independentes em oito capitais, que ficam em cartaz por uma semana em oito cidades. No mesmo pacote estão, entre outros, Um lugar ao Sol, de Gabriel Mascaro e Pacific, de Marcelo Pedroso, Estrada Real da Cachaça, de Pedro Urano e Morro do Céu, de Gustavo Spolidoro.

(Diario de Pernambuco, 21/05/2011)

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Nos confins do Afeganistão



É como estar em batalha no Afeganistão por 90 minutos. Com imagens feitas durante o conflito e depoimentos de sobreviventes, Restrepo reconstrói com incrível veracidade o drama de soldados norte-americanos. Ao mesmo tempo, causa a estranha sensação de que já vimos aquelas imagens antes. Isso porque, na mesa de edição, os diretores Tim Hetherington e Sebastian Junger se valeram de recursos do cinema de ficção para construir uma narrativa convincente. A combinação é certeira.

Por 15 meses, os diretores acompanharam o pelotão que se instalou no front mais inóspito e mortal da guerra dos EUA contra o Talebã, o remoto vale do Korangal. Como se estivesse na mão de um fuzileiro, a câmera registra a troca de tiros e bombardeios. A imersão naquela realidade nos leva a compartilhar de momentos triviais a negociações com os anciãos do vale, de confissões a discursos para enfrentar a morte de companheiros. Morto logo no início da operação, Restrepo é um deles.

Chama a atenção a diferença entre as partes. O Tio Sam está armado até os dentes, enquanto os afegãos visíveis são agricultores que lamentam a morte de uma vaca. O fato desse documentário ser feito durante a batalha talvez seja a maior demonstração deste desnível de poder bélico.

No entanto, o risco de morte assumido pelos diretores cobrou seu preço. No último 20 de abril, Tim Hetherington sucumbiu enquanto cobria a guerra na Líbia. Indicado ao Oscar de melhor documentário, Restrepo traz consigo outro amargo sabor: a crença bovina dos norte-americanos de que a baixa de civis adultos e crianças é justificável desde que os “malvados” sejam exterminados.

(Diario de Pernambuco, 20/05/2011)

Um parque temático, quatro filmes

Em Hollywood, uma quarta continuação só se justifica com muito dinheiro em jogo ou por determinação pessoal, no caso, a do ator Johnny Depp. Assim se explica Piratas do Caribe: navegando em águas misteriosas. O papel do pirata afetado Jack Sparrow significa muito para Depp, que pretende que a série continue indefinidamente. O sinal é verde-musgo: os três filmes anteriores somaram a quantia de US$ 2,6 bilhões. No Brasil, o longa estreia em 730 salas.

Nesse contexto, a mudança de diretores foi apenas um detalhe. Sai Gore Verbinski (Rango), entra Rob Marshall (Chicago, Nine). O quarto episódio traz personagens, cenários e situações novas, mas não acrescenta ao espírito da série, além do que já foi mostrado. Por outro lado, para quem gosta da franquia, também não há deméritos.

Agora em 3D, sequências de ação são o melhor das duas horas e 13 minutos de projeção. O ritmo é de aventura, pontuado por tentativas não consumadas de romance. Da fuga entre carruagens nas ruas de Londres ao motim entre cordas do navio do Barba Negra (Ian McShane), Sparrow enfrenta novamente a rivalidade de Barbossa (Geoffrey Rush) na busca pela fonte da eterna juventude.

Há, no todo, um verniz que não deixa o filme respirar. Aditivos que poderiam gerar interesse extra, como a presença de zumbis e sereias, são explorados de forma apressada. A beleza de Penélope Cruz, que entra na história como um caso antigo de Sparrow, insinua uma dimensão sexual que nem de longe se realiza. É o padrão Disney, que de tão puritano pasteuriza a violência para o consumo familiar.

As espadas são afiadas, pessoas morrem a rodo, mas não se vê escorrer um pingo de sangue sequer. Diversão com normas de segurança. O que mais esperar da adaptação de um parque temático?

(Diario de Pernambuco, 20/05/2011)

Refilmagem duvidosa



O que justifica mexer no irretocável? É a pergunta que surgiu desde que foi anunciado que haveria uma versão hollywoodiana para o filme sueco Deixa ela entrar (2009). Com Chloe Moretz (a Hit Girl de Kick-Ass) como a menina-vampira e Elias Koteas no papel de um policial que só existe no remake, Deixe-me entrar parece ter sido feito apenas para satisfazer a rejeição norte-americana às legendas.

A transposição não é má, mas perde em sutileza, por exemplo, ao mostrar dentes na carne. Além disso, no proceso de clonagem, pode-se copiar roteiro e estrutura, mas não a essência da obra, uma história de amor incomum, vivida por um garoto de 12 anos que sofre bullying e uma vampira adulta relegada ao corpo de uma criança. Na dúvida, prefira o original.

(Diario de Pernambuco, 20/05/2011)

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Coluna de lançamentos da semana + notas de bastidores + "eu indico"



Scott Pilgrim contra o mundo (EUA, 2010). De Edgar Wright. 112 minutos. Universal.

Jovem - Poderoso tratado sobre ter 20 e poucos anos no século 21. Coisa rara em filmes que adaptam quadrinhos, a narrativa flui entre brigas “Street Fighter” e atrapalhadas declarações de amor. A montagem representa bem o déficit de atenção do protagonista (Michael Cera), ao mesclar diferentes contextos como fosse uma única ação. Os créditos iniciais com abstrações coloridas fazem do filme uma viagem sem volta. Diversão garantida.



Um lugar qualquer (Somewhere, EUA, 2010). De Sofia Coppola. 97 minutos. Paramount.

Uma Ferrari preta andando em círculos abre o filme, metáfora para a condição do ator ítalo-americano Johnny Marco (Stephen Dorff), que ao lado da filha flutua incólume pelo universo das celebridades. Imagens límpidas e gente bonita entre diálogos esparsos resultam em filme etéreo, minimalista. O componente biográfico é evidente: filha do poderoso Francis Ford Coppola, desde cedo a diretora convive com a monotonia frívola dos famosos.



Por dentro do roteiro. De Tom Stempel. 300 páginas. Zahar.

Este livro faz interessante desconstrução de bons, médios e maus roteiros para o cinema. Longe de ser um manual técnico, ele conta a história por trás da criação de importantes produções como Lawrence da Arábia, Janela indiscreta e a trilogia Guerra nas estrelas. Por isso, o texto diz respeito não só a estudantes do assunto, mas a qualquer cinéfilo. Entre os maus exemplos estão Titanic e Jurassic Park, prova de que é possível se aprender com os erros.

Eu indico



Eu indico Grey gardens (EUA, 1975), de David e Albert Maysles, documentário envolvente e curioso sobre a tia e prima de primeiro grau de Jacqueline Kennedy, ex-socialites norte-americanas fracassadas que viviam isoladas há 20 anos em um balneário, estacionadas no tempo e no espaço. Com diálogos incríveis, o filme trata ainda de assuntos como memória, loucura, dependência e solidão. Imperdível!

Bebel Kastrup é produtora cultural

Bastidores

Banido de Cannes - Lars Von Trier, que exibiu ontem seu Melancholia em Cannes, provocou a imprensa ao declarar que entende e até simpatiza com Hitler. “Não que eu aprove as coisas que ele fez, mas entendo suas motivações”, disse, sobre o líder nazista. Ele tentou explicar que não é contra judeus ("por muito tempo acreditei ser um, mas acho que meus pais eram nazistas") e fez um elogio a Albert Speer, arquiteto oficial do Terceiro Reich. Depois, através de sua assessoria de imprensa, declarou: "Se magoei alguém, sinceramente peço desculpas". As declarações desagradaram a organização do festval, que declarou o cineasta oficialmente banido do evento.

Tudo novo - Junto com a abertura para inscrições, o 44º Festival de Brasília anuciou mudanças. A maior delas é a premiação, que volta a ser a maior do país: somente para o melhor longa, são R$ 250 mil em dinheiro. Neste ano também caíram exigências históricas, como a obrigatoriedade do suporte 35mm e o ineditismo. Agora, digital e película competem em pé de igualdade. A data do festival também mudou: 26 de setembro e 3 de outubro.

Multiplex - O complexo de exibição de filmes a ser abrigado no shopping Rio Mar poderá romper com monopólio histórico da UCI Ribeiro no Recife. Ainda não há nada confirmado, mas as 12 novas salas de cinema podem ser da Cinemark.

Aprendizes - Alunos do projeto Curta em Curso 2010 apresentam o resultado aprendido em sete trabalhos filmados em 16mm. Será na próxima segunda-feira, 19h, no Cinema da Fundação (Derby). Este ano, o curso foi realizado no Recife, Petrolina e Fernando de Noronha.

Vanguarda - O longa Estrada para Ythaca, do coletivo Alumbramento (Ceará), será exibido em pré-estreia neste sábado, 20h20, no Cinema da Fundação. Após a sessão, Luiz e Ricardo Pretti conversam com o público.

(Diario de Pernambuco, 18/05/2011)

segunda-feira, 16 de maio de 2011

Um nó no audiovisual



O Recife é reconhecido por sediar uma filmografia das mais vibrantes e desbravadoras do cinema brasileiro. Prêmios e elogios não faltam a essa produção, devidamente apoiada por editais públicos e privados. Se o governo do estado, através da Fundarpe, estabeleceu um modelo incentivador, que somente pelo Funcultura injeta R$ 8 milhões por ano no segmento audiovisual, o mesmo não pode ser dito sobre a política mantida pela Prefeitura do Recife, que há anos tem sido alvo de críticas.

Vale comparar com o que se passa em outras capitais. Na última terça-feira, a gestão municipal de cultura do Rio de Janeiro surpreendeu seus artistas ao dobrar o valor de seus editais (de R$ 13 para R$ 26 milhões). Somente para o cinema, a RioFilme prevê R$ 90 milhões entre 2009 e 2012. A Prefeitura de São Paulo investe R$ 8 milhões em editais do audiovisual. Enquanto isso, no Recife, a gestão de João da Costa se aproxima da reta final e praticamente nada foi feito para reverter o abandono a que o segmento tem sido relegado. Subordinada à Fundação de Cultura, a gerência de audiovisual funciona com orçamento anual de R$ 60 mil, podendo, com aportes suplementares, chegar a R$ 300 mil.

O único edital de investimento direto é o Firmo Neto, que reserva R$ 80 mil anuais para a realização de um curta em 35mm. Ou nem isso, pois, em 2010, sem explicação alguma, ele não foi lançado, pela primeira vez em dez anos. Outra fonte de financiamento, o Sistema de Incentivo à Cultura, tem sido fortemente criticada e aguarda reformulação. A única sala municipal em atividade, o Cineteatro Apolo, carece de direcionamento e a Filmoteca Alberto Cavalcanti, criada por decreto nos anos 1970, nunca saiu do papel.

"A prefeitura está omissa", diz João Jr., da REC Produtores. "2010 foi um ano ímpar, com quatro longas produzidos em 35mm no Recife, com orçamento entre R$ 2 e 3 milhões cada. O estado entrou com percentual entre 20 e 25% na produção e o valor pode aumentar na finalização e distribuição. Com esforço, os produtores conseguiram recursos de outros editais, públicos e privados. Além de produzir cerca de 70 empregos, 60% da verba necessária para fazer um filme são gastos na cidade".

Assim como João, que ano passado deu início ao longa Era uma vez Verônica, de Marcelo Gomes, e que está prestes a começar Tatuagem, de Hilton Lacerda, outros realizadores receberam sinal verde do secretário de cultura, Renato L, da presidente da Fundação de Cultura, Luciana Félix e do próprio prefeito, João da Costa, de que suas produções seriam contempladas com dinheiro municipal. Mas até o momento, só ficou em troca de e-mails. O máximo que obtiveram foi apoio logístico da CTTU e da Emlurb.

"Encontramos o prefeito durante a filmagem e ele disse que tinha o dinheiro (R$ 100 mil) e que iria liberar em setembro. Virou o ano e nos encontramos no carnaval, ele disse que pagaria logo depois da festa, que até poderíamos colocar a logomarca nos créditos. Agora o procuramos e nada. Ligamos para Renato L e ele nem atende o telefone", diz Júlia Moraes, produtora de Febre do rato, novo longa de Cláudio Assis. "Esse tipo de atitude eu nunca vi, se a gente fosse contar com esse dinheiro, estaria ferrado".

Valorização | Paulo Caldas, que em maio passado rodou País do desejo com dinheiro federal e português, diz que o único apoio recebido foram as diárias para utilização do Teatro de Santa Isabel, administrado pela própria prefeitura. "É o primeiro filme que faço sem a prefeitura. Não dá pra entender esse retrocesso. Não faz sentido que a prefeitura não apoie uma atividade cultural que traz tantos recursos para a cidade. Daqui a pouco, as produções vão para outras cidades que valorizem mais o cinema".

Em 2009, em reunião com os gestores acima citados, foi solicitado apoio financeiro de R$ 150 mil para País do desejo. A resposta nunca foi dada. "É uma falta de respeito. Tento uma audiência há mais de dois meses. Que receba o artista e diga que não tem dinheiro, mas receba. Afinal, para que eles estão lá?".

Com os quatro filmes citados em fase de pós-produção, João Jr. diz que ainda há tempo para que a prefeitura reverta a situação. "Boas pessoas trabalham lá, mas solicitações foram feitas e as respostas não aconteceram. O cinema é o carro-chefe da economia criativa, que tanto tem dado destaque à cultura do Recife".

Realizadores querem mais

Edital de investimento direto. Manutenção do cinemas públicos. Formação. Preservação de acervo. Escoamento da produção local. Essas são algumas ações sugeridas por realizadores do audiovisual para que a Prefeitura do Recife atue de forma efetiva no segmento. A falta de uma política definida é apontada como o principal problema. "Tudo o que se reclamava antes da Fundarpe, está sendo criticado hoje na Secretaria Municipal de Cultura", diz Mannu Costa, presidente da seção pernambucana da Associação Brasileira dos Documentaristas. "As reivindicações são as mesmas de dez anos atrás. Não existe desenho estratégico. Mais do que ter cinco ações, cada uma indo para um lado diferente, é melhor estudar o que seria melhor para este momento".

O aprimoramento do Sistema Incentivo à Cultura (SIC) municipal é um dos pedidos mais antigos. Somente no último edital, entraves burocráticos inviabilizaram doze projetos aprovados. Quatro deles são do audiovisual. A Emlurb se dispôs a patrocinar os projetos via renúncia fiscal, mas ficou de mãos atadas pois a prefeitura não repassou metade do dinheiro à instituição, recurso que deveria ter sido encaminhado até dezembro. A lei diz que a captação precisa ser feita até o fim do ano corrente, mesmo assim, a prefeitura teria dito que encontraria um modo de pagar, o que até o momento não aconteceu.

Ainda sobre o SIC, outro problema: não há cadeira fixa para cada setor da cultura. Por exemplo, no último ano, a ABD não pode participar da seleção dos projetos do audiovisual. Outras ideias apontam para uma parceria com o governo federal e estadual, através do Sistema Nacional de Cultura (SNC).

"Outro mecanismo importante é a criação de um edital como o da Fundarpe que, apesar das falhas, é o modelo mais justo e democrático. Melhor do que balcão, que a gente usa porque não há uma outra forma", diz Paulo Caldas, que também defende a criação de uma Film comission, empresa pública que dê suporte a produções de cinema que utilizam a cidade como cenário. "Isso pode sedimentar um mercado. Estado e prefeitura poderiam se unir nesse projeto".

Mannu Costa ainda aponta que lacunas do sistema produtivo - como as fases de finalização, distribuição e exibição - poderiam ser ocupadas pela prefeitura. Todos estes assuntos renderam uma série de pautas que será discutida em encontro marcado para a próxima quarta, com participação de gestores públicos e representantes da ABD/PE, Fórum do Audiovisual e da subsede do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Cinematográfica. "Há um entendimento da prefeitura de que é preciso mudar e percebemos uma vontade política de retomar diálogo com entidades", diz Mannu.

No plano das ideias | Procurados pela reportagem, o secretário Renato L e a presidente da Fundação, Luciana Félix, não se pronunciaram a respeito das promessas não cumpridas aos realizadores que produziram filmes em 2010. Luciana Veras, da Diretoria de Desenvolvimento e Descentralização da Fundação de Cultura, garantiu, no entanto, que o apoio financeiro a estes projetos não estão descartados. "Sempre sinalizamos que é desejo nosso apoiar esses filmes, mas fazer isso de forma isolada pode parecer política de gabinete. Vamos anunciar um pacote de apoio a projetos específicos com nossa nova política de editais".

A previsão é de que o edital de investimento direto seja anunciado este ano, ou com o prêmio Firmo Neto incorporado ou maior, como uma terceira ação. Ainda não se sabe qual será o montante disponibilizado. Já a Filmoteca Alberto Cavalcanti está anunciada para janeiro de 2012, mesma data marcada para a volta do Cineteatro do Parque, cuja reforma ainda não começou. Há planos de pulverizar a exibição nos bairros, com a Federação Pernambucana de Cineclubes. Por enquanto, tudo está no plano das ideias.

Mais próxima está a volta do Panorama Recife de Documentários. Marcado para agosto, deve deflagrar um calendário de ações, entre elas, a itinerância do festival É Tudo Verdade e a retomada do Festival Mix Brasil da Diversidade Sexual.

Sobre a reformulação do SIC, Luciana diz que a prefeitura deve trabalhar com o modelo do Ministério da Cultura, ou seja, conciliar o sistema de mecenato com o de renúncia fiscal. Mas, antes de tudo, a reunião de quarta-feira com os realizadores pode ser promissora para estabelecer a interlocução entre o poder público e a sociedade. "Precisamos retomar diálogos anestesiados", disse. Em véspera de ano eleitoral, nada mais coerente do que retornar às bases.

(Diaerio de Pernambuco, 16/05/2011)

domingo, 15 de maio de 2011

Inevitável Culto

O Teatro da UFPE não estava tão cheio, mas a energia que circulou na noite de sexta remeteu aos ginásios que a Legião Urbana lotava na virada dos anos 1980-90. Dado Villa-Lobos nem precisou se esforçar muito. Houve quem cantou junto as músicas novas, mas 99% do público tinha ido mesmo para cantar (e chorar) junto os velhos tempos. E foi o que ocorreu, durante quase duas horas com Soldados; Eu sei; Teatro dos vampiros; Por enquanto, Ainda é cedo. Faroeste caboclo ficou de fora: “É muito longa. A gente tá velho e pode morrer no meio da música”, disse Toni Platão. Mas nem a atitude debochada de Platão conseguiu impedir o inevitável culto a Renato Russo. Principalmente depois que um fã entregou uma foto do compositor, colocada ao lado da bateria até o fim do show.

Com sua morte em 1996, em outubro completam-se 15 anos desde que a Legião Urbana acabou. É incrível observar como sua força permanece intacta. Não somente nos fãs, que se renovam e dão novo sentido aos versos de Índios, ao sentir saudade de tudo o que não puderam viver. O próprio guitarrista demonstrou transbordar ao tocar Andrea Dória. “Faz tempo que não tocava essa”, disse.

A atitude pós-punk que une romantismo e crítica comportamental sempre foi o trunfo do grupo e isso fica claro nos hinos Tempo perdido, Há tempos, Será, Geração Coca-cola (sim, Dado bebeu uma latinha durante o show). Durante Índios, uma versão para Love will tear us apart, do Joy Division, influência primeira dos rapazes do Planalto Central. E o final triunfante, para lavar a alma, com Pais e filhos.

Problemas com som atrapalharam, mas não chegaram a ser um problema. Show de rock tem que ter alguma microfonia. Entre uma música e outra, Dado agradeceu aos amigos do Alto José do Pinho, com ênfase para Neilton, da banda Devotos. Cannibal também estava lá e depois foi confraternizar no camarim. Do lado de fora, mais de cem pessoas aguardavam para falar com Dado, tirar fotos, pedir autógrafos. Como já havia anunciado, ele atendeu a todos. Alguém trouxe um violão e em sua volta fez-se um grupo a cantar músicas da Legião. Para estes, a noite estava somente começando.

(Diario de Pernambuco, 15/05/2011)

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Espelho da vida



Estreia hoje no Cinema da Fundação Cópia fiel (Copie conforme, França, 2010), de Abbas Kiarostami (Através das oliveiras). O filme traz Juliette Binoche em todo o seu esplendor. O papel de mulher desamparada, que precisa criar o filho sozinha, rendeu a ela o prêmio de melhor atriz em Cannes. E o longa vai além. Com um roteiro que provoca mais dúvidas do que explicações e uma rigorosa construção de imagens, Cópia fiel discute o que há de original e de arquetípico nas relações humanas. Mas, acima de tudo, é o cinema como espelho da vida.

A narrativa começa quando o perito em herança cultural, o inglês James Miller (William Shimell), vai a uma comuna da região Toscana, na Itália, lançar livro que investiga a diferença entre original e cópia na arte. Para o autor, não há. Na primeira fila está a francesa Elle (Binoche). Ela o convida para conhecer seu antiquário, de onde vão tomar um café. A sequência em que andam de carro e observamos a cidade pelo reflexo do para-brisa é uma das mais bonitas do filme. Ela decide mostrar ao estudioso uma reprodução da Gioconda que por dois séculos foi aceita como original e que, de tão perfeita, continua no museu. Terminam em restaurante onde passam a agir como se fossem casados há 15 anos.

A mudança de papeis tem um toque surrealista. Não por acaso, numa praça, o casal em crise se encontra com outro, mais velho, vivido pelo roteirista de Buñuel, Jean-Claude Carrière, e a atriz Agathe Natanson. É outro belíssimo plano-sequência. Estaria ele interpretando o marido apenas para provar seu conceito à mulher? Ou seriam realmente casados? Os dramas conjugais nos reduzem aos mesmos papéis? Mais do que respostas, importam os caminhos de interpretação. Como diz o filme, mais do que a obra, o que importa é o olhar sobre ela.

(Diario de Pernambuco, 13/05/2011)

Em busca de um diálogo

Cerca de 30 realizadores, representantes do público, entidades e representantes de classe se reuniram na noite de quarta na Fundação Joaquim Nabuco (Derby). O objetivo, elaborar um documento com propostas para o próximo Cine PE - Festival do Audiovisual. Na última semana, o evento terminou com um protesto na noite de premiação, em que diretores pediram mudanças estruturais e mais respeito com a projeção dos filmes. Não é de hoje a insatisfação do setor com a maneira com que o festival é conduzido. E a falta de sintonia entre ambos já pode ser considerada histórica.

A reunião enumerou oito pontos principais, que serão revelados primeiro à direção do Cine PE e depois virá a público. “Ficou um clima de briga que a gente quer dissipar. A ideia não é tensionar, mas discutir, buscar ideias em outros festivais do país, buscar um clima de entendimento”, diz Marcelo Pedroso, da Símio Filmes. “Objetivo é aumentar a interlocução, tendo em vista que nós somos uma parte importante do festival”, diz Felipe Calheiros, do coletivo Asterisco.

Em nota à imprensa, a direção do evento disse que já se retratou publicamente sobre os contratempos provocados pela forte chuva que se abateu no Recife. “Renovamos nosso compromisso sagrado com os valores da terra, bem como o espírito de ‘portas abertas’ às críticas e sugestões para as próximas edições”, diz um trecho da carta, assinada por Alfredo Bertini.

“Se hoje estamos fazendo esse documento é porque as tentativas anteriores não tiveram efeito”, diz Calheiros. “Os realizadores e membros da comissão não se sentem ouvidos. Por isso se mobilizaram na reunião de ontem. Precisamos discutir a forma como a seleção é feita e como os filmes são exibidos. Todos tem a lucrar com o canal aberto”, diz Mariana Porto, da seção pernambucana da Associação Brasileira dos Documentaristas - ABD. Na próxima quinta, uma carta será redigida por uma comissão, para posteriormente ser entregue pela ABD à direção do festival.

(Diario de Pernambuco, 12/05/2011)

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Coluna de lançamentos da semana + notas de bastidores

Lançamentos



Olhos azuis (Brasil, 2009). De José Joffily. 111 minutos. Imagem.

Policial da imigração norte-americana (David Rashe) prestes a se aposentar exagera no uísque e nos maus-tratos a estrangeiros que aguardam para entrar no país. Um deles é o professor Nonato (Irandhir Santos), com quem leva a situação às últimas consequências. A história sai da luz fria de repartição pública para o chão ensolarado do Recife e vai, de forma não linear e talvez um tanto brusca, até o Sertão pernambucano.



Megamente (Megamind, EUA, 2010). De Tom McGrath. 96 minutos. Paramount.

A nova animação da Dreamworks faz interessante inversão satírica do mundo dos super-heróis e seus arqui-inimigos. O enredo nos coloca simpáticos do gênio do crime Megamente (voz de Will Farrel), versão atrapalhada de Lex Luthor, vítima de bullying quando criança. Adulto, ele inveja o sucesso de Metro Man (Brad Pitt), a quem objetiva derrotar e dominar Metro City. Ele consegue, mas depois disso a vida perde o sentido. Resolve então criar seu próprio super-herói.



O vencedor (The fighter, EUA, 2011). De David O. Russell. 115 minutos. Imagem.

O filme que rendeu dois Oscar aos coadjuvantes Christian Bale e Melissa Leo é muito mais do que isso. Ao narrar a ascensão o lutador Micky Ward, o “irlandês” (Mark Wahlberg), temos um retrato social da pequena cidade em que cresceu, ao lado do meio-irmão (Bale), que desperdiçou sua carreira com as drogas e vê em Ward sua segunda chance. Não chega a ser um filme de ringue, está mais para o drama pontuado pela trilha rock’n’roll.

Eu indico



“Muito mais do que atual, as temáticas de reivindicação, o choque entre gerações, as relações entre explorador e explorado e o universo das desvantagens do capitalismo são o cenário de Eles não usam black-tie (Brasil, 1981), de Leon Hirszman. Esta adaptação da peça escrita por Gianfrancesco Guarnieri, em 1958, é uma abordagem política sem ser panfletária, que trata de relações humanas acima de tudo”.

Evandro Q?, músico, produtor, gerente de música da Prefeitura do Recife

Bastidores

On line - O novo projeto de Eryk Rocha (foto), o filho do Glauber, se chama Viaje por un Sol. Trata-se de doze micronarrativas produzidas no Peru, sobre o Motokar, transporte de três rodas que pode ser uma boa alternativa para os brasileiros. A série estreou on line na última sexta, com dois episódios que podem ser assistidos no www.sertaobras.org.br. Em breve, ele lança a versão para a TV.

Longa - A atriz norte-americana Camilla Belle (À deriva) estrelará Open road, coprodução Brasil/EUA dirigida por Márcio Garcia. Juliette Lewis e Andy García também estão no elenco, em que o ex-jogador Ronaldo fará participação.

Festivais - Inscrições abertas para vários festivais: Gramado, Rio, Mostra de SP, Paulínia, Kinoforum, Janela do Recife Animage, Goiania Mostra Curtas, CineFantasy, Curta Amazônia e o novíssimo Lume, do Maranhão.

Em Atibaia - Premiado em Brasília e um dos melhores do Cine PE, o curta Acercadacana, de Felipe Peres Calheiros (Coletivo Asterisco), será exibido no Festival de Atibaia, ao lado de mais 14 curtas premiados em 25 festivais de 2010. Cineclubes e ABD/PE também marcam presença.

Rucker - Lançado durante o Cine PE, o 8º edital Rucker Vieira para roteiros de documentários estará com inscrições abertas de 8 de junho e 15 de julho.

Cine Exílio - Novo cineclube em Olinda. Será todas as quintas-feiras, às 21h, no Xinxim da Baiana (Praça do Carmo). Para exibir curtas-metragens, basta levar o DVD.

(Diario de Pernambuco, 12/05/2011)

domingo, 8 de maio de 2011

Cine PE 2011 - noite sete e balanço



Com uma premiação que favoreceu o cinema paulista, terminou na última sexta-feira o 15º Cine PE. Estamos juntos (sete prêmios) e Família vende tudo (quatro prêmios) monopolizaram o resultado dos longas. Tempestade e Flash, foram eleitos pelo júri oficial os melhores curtas. Apesar do racha provocado por Casamento brasileiro, de Fauzi Mansur, a crítica se alinhou ao júri e aponta para Estamos juntos como o melhor. Alguns consideram o filme de Mansur inclassificável, outros, uma joia antiga e inesperada. Saiu do festival sem nada.

Os curtas eleitos pela crítica são da pesada: Ovos de dinossauro na sala de estar apresenta figura peculiar, a viúva de ex-cônsul da Itália, com quem formou a maior coleção particular de fósseis da América Latina. Norueguesa, ela fala em português terrível e age a partir de um estranho sistema de pensamento. O filme corresponde. É tão quadrado e radical quanto a personagem.

Calma, Monga, calma! mostra o Recife maldito, que só não poderia ser outra capital por conta das referências do jornalismo e cultura local. Elas levam ao riso mas, ao mesmo tempo, o filme consegue ser divertido, sinistro e arredio. Usa refinamento visual e técnico (há travellings e uma grua se eleva sobre a Conde da Boa Vista no final) para mostrar um mundo sujo, de monstros e boemia.


Vencedores posam para foto
Crédito: Daniela Nader

A maior surpresa talvez foi o prêmio de melhor ator ir para Caco Ciocler, no papel do cantor brega Ivan Cláudio, o rei do xique. Tanto que Ciocler nem estava na cerimônia para receber o Calunga. Favorita, Leandra Leal também não estava, mas por outro lado está mais longe (em NY).

Ao longo da premiação, vale registrar o agradecimento de Hilton Lacerda a Walt Disney. Foi na verdade uma referência ao curta de Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira, Praça Walt Disney, inexplicavelmente deixado de fora da competição. E um protesto por Renata não ter levado prêmio de melhor direção de arte por Estamos juntos, reiterado por Rui Pires, produtor do filme, que recebeu o Calunga de melhor fotografia no lugar de Lula Carvalho: “se não fosse a direção de arte, Lula não teria o que fotografar”.


Pernambucanos fazem protesto
Crédito: André Dib

Balanço - Para citar o slogan deste ano, foram sete dias de “emoções inesquecíveis”. Do sábado anterior, com público recorde na homenagem a Pelé, ao encerramento marcado por protesto de realizadores pernambucanos. A chuva foi fator contra. O medo de que um mitológico aguaceiro desabasse sobre a cidade atrapalhou bastante a programação de quarta e quinta-feira. Tapacurá não estourou (ao menos por enquanto), mas deixou marcas indeléveis no festival, que teve o público reduzido pela metade (15 mil pessoas) e atropelou a mostra de curtas, cujos minutos finais foram usados para passar recados e na quinta foram exibidos por último, após dois longas.

Em resposta ao tratamento, um grupo de dez diretores subiu ao palco durante a premiação, onde, em cima do bolo de debutante usado como decoração, estenderam faixa com a frase “menos glamour, mais cinema”. Em texto coletivo, foram reivindicados “menos palanque político e homenagens atrasando o horário dos filmes; que a Mostra Pernambuco seja integrada à programação do festival no Teatro Guararapes; que os curtas tenham sua projeção respeitada, sem qualquer interrupção durante os créditos, para a leitura de avisos; e que o festival respeite a integridade e a unidade da Mostra de Curtas e não faça repartições da projeção de forma aleatória”. A manifestação foi engolida a seco pelo cerimonial, que continuou a premiação como se nada tivesse acontecido.

Além do protesto, a insatisfação com o Cine PE levou aos realizadores a promover reunião aberta ao público, na próxima quarta-feira, às 19h, na Fundação Joaquim Nabuco (Derby). A ideia é criar um documento que será encaminhado pela seção pernambucana da Associação Brasileira dos Documentaristas à produção do festival e propor mudanças ao evento.

Alfredo Bertini, diretor do festival, disse que não entende por que a produção local não está satisfeita com o festival e que, em última instância, o que importa é o público. Sobre as reivindicações, ele admite a possibilidade de integrar a Mostra Pernambuco ao evento maior e assim dar mais visibilidade e divulgação à produção pernambucana. Como no Festival de Paulínia, uma noite de Cine PE poderia exibir dois curtas locais, quatro nacionais e um longa. Com a tecnologia atual, não há por que segregar curtas digitais e 35mm. Isso evitaria injustiças como a desclassificação do curta Haruo Ohara (SP), de Rodrigo Grota, cuja cópia digital estava em melhor estado do que a 35mm e, por ter sido selecionado para esta última, ficou de fora.

Basta, como o próprio Bertini considera, estabelecer a resolução HD como um dos critérios. Aliás, a qualidade técnica dos curtas este ano estava ok. Os piores casos vieram dos longas Casa 9, de Luiz Carlos Lacerda e Casamento brasileiro, de Fauzi Mansur, que estavam com imagem sofrível.

Cine PE também é memória. Lembrou de Baile perfumado. Trouxe à pauta Augusto Boal, em filme de Zelito Viana, que recebeu devida homenagem. Através de filme de Luci Alcântara, fez devido tributo a Jomard Muniz de Britto. Em Janela molhada, voltou ao cinema pré-Ciclo do Recife.

Outro acerto foi o novo sistema de júri popular, formado por cerca de 60 pessoas inscritas no site e escolhida de acordo com amostragem do público. Diferente de 2010, o resultado deste ano realmente correspondeu aos filmes que melhor foram recebidos pela plateia.

(Diario de Pernambuco, 08/05/2011)

Ranking da crítica para os longas do Cine PE (escala de 0 a 5)

Convidei um grupo de cinco críticos para, durante o Cine PE, avaliar os longas em competição. O resultado saiu dia a dia, na cobertura que fiz para o Diario de Pernambuco. Agora, reuno todos no mesmo espaço.

Família Vende Tudo, de Alain Fresnot
João Carlos Sampaio / A Tarde (BA) = 1
Maria do Rosário Caetano / Revista de Cinema (SP) = 2
Orlando Margarido / Carta Capital (SP) = 3
Paulo Henrique Silva / Hoje em Dia (MG) = 2
Rodrigo Fonseca / O Globo (RJ) = 0
Média: 1,6

Casa 9, de Luiz Carlos Lacerda
João Carlos Sampaio / A Tarde (BA) = 2
Maria do Rosário Caetano / Revista de Cinema (SP) = 2
Orlando Margarido / Carta Capital (SP) = 3
Paulo Henrique Silva / Hoje em Dia (MG) = 2
Rodrigo Fonseca / O Globo (RJ) = 4
Média: 2,6

JMB, o famigerado, de Luci Alcântara
João Carlos Sampaio / A Tarde (BA) = 1
Maria do Rosário Caetano / Revista de Cinema (SP) = 3
Orlando Margarido / Carta Capital (SP) = 2
Paulo Henrique Silva / Hoje em Dia (MG) = 2
Rodrigo Fonseca / O Globo (RJ) = 0
Média: 1,6

Vamos fazer um brinde, de Cavi Borges e Sabrina Rosa
João Carlos Sampaio / A Tarde (BA) = 2
Maria do Rosário Caetano / Revista de Cinema (SP) = 2
Orlando Margarido / Carta Capital (SP) = 2
Paulo Henrique Silva / Hoje em Dia (MG) = 3
Rodrigo Fonseca / O Globo (RJ) = 2
Média: 2,2

Estamos juntos, de Toni Venturi
João Carlos Sampaio / A Tarde (BA) = 3
Maria do Rosário Caetano / Revista de Cinema (SP) = 4
Orlando Margarido / Carta Capital (SP) = 3
Paulo Henrique Silva / Hoje em Dia (MG) = 4
Rodrigo Fonseca / O Globo (RJ) = 4
Média: 3,6

Casamento Brasileiro, de Fauzi Mansur
João Carlos Sampaio / A Tarde (BA) = 2
Maria do Rosário Caetano / Revista de Cinema (SP) = 1
Orlando Margarido / Carta Capital (SP) = 0
Paulo Henrique Silva / Hoje em Dia (MG) = 3
Rodrigo Fonseca / O Globo (RJ) = 3
Média: 1,8

Lista dos premiados no 15º Cine PE

Mostra Competitiva de Longas Metragens
Melhor trilha sonora: Arrigo Barnabé, por Família vende tudo (SP)
Melhor direção de arte: Alain Fresnot e Fábio Goldfard, por Família vende tudo (SP)
Melhor montagem: Marcio Hashimoto, por Estamos juntos (SP)
Melhor ator coadjuvante: Robson Nunes, por Família vende tudo (SP)
Melhor atriz coadjuvante: Ana Miranda, por Vamos fazer um brinde (RJ)
Melhor ator: Caco Ciocler, por Família vende tudo (SP)
Melhor atriz: Leandra Leal, por Estamos juntos (SP) e Marisol Ribeiro, por Família vende tudo (SP)
Melhor fotografia: Lula Carvalho, por Estamos juntos (SP)
Melhor roteiro: Hilton Lacerda, por Estamos juntos (SP)
Melhor direção: Toni Venturi, por Estamos juntos (SP)
Prêmio do Júri Popular: JMB, o Famigerado (PE), de Luci Alcântara
Prêmio da Crítica: Estamos juntos (SP), de Toni Venturi
Prêmio Especial do Júri: JMB, o Famigerado (PE), de Luci Alcântara
Melhor filme: Estamos juntos (SP), de Toni Venturi

Troféu Gilberto Freyre
Vamos fazer um brinde (RJ), de Cavi Borges e Sabrina Rosa

Mostra Competitiva de Curtas 35mm
Melhor edição de som: Fernando Henna, por Fábula das três avós (SP)
Melhor trilha sonora: Dado Villa-Lobos, por Braxília (DF)
Melhor direção de arte: Daniel Bruson, por Tempestade (SP)
Melhor montagem: Marcius Barbieri, por Braxília (DF)
Melhor ator: Henrique Ponzi, por Café Aurora (PE)
Melhor atriz: Haydil Linhares, por Náufragos (SP)
Melhor fotografia: Alziro Barbosa, por Tempestade (SP)
Melhor roteiro: Daniel Turini, por Fábula das três avós (SP)
Melhor diretor: Daniel Turini, por Fábula das três avós (SP)
Prêmio do Júri Popular: Braxília (DF), de Danyella Proença
Prêmio da Crítica: Calma Monga, calma! (PE), de Petrônio de Lorena
Prêmio Especial do Júri: Janela molhada (PE), de Marcos Enrique Lopes
Melhor filme: Tempestade (SP), de Cesar Cabral

Mostra Competitiva de Curtas Digitais
Menção honrosa para Vou estraçaiá (PE), de Tiago Leitão
Menção honrosa para Ovos de dinossauro na sala de estar (PR), de Rafael Urban e Henrique Ribeiro
Melhor montagem: Rodrigo John, por Céu, inferno e outras partes do corpo (RS)
Melhor roteiro: Samir Machado, por Traz outro amigo também (RS)
Melhor diretor: Alison Zago, por Flash (SP)
Prêmio do Júri Popular: Vou estraçaiá (PE), de Tiago Leitão
Prêmio da Crítica: Ovos de dinossauro na sala de estar (PR), de Rafael Urban e Henrique Ribeiro
Prêmio Especial do Júri Oficial: A casa da Vó Neyde (SP), de Caio Cavenchini
Melhor Filme: Flash (SP), de Alison Zago

Mostra Pernambuco de Curtas Digitais
Melhor Direção: Leo Falcão, por Palavra plástica
Melhor Curta Metragem: 1:21, de Adriana Câmara

Prêmio Aquisição Canal Brasil
Mens sana in corpore sano, de Juliano Dornelles

Prêmio Centro Josué de Castro
Carreto (BA), de Cláudio Marques e Marília Hugues

Prêmio da Associação Brasileira de Documentaristas ABD /APECI
Melhor Curta Digital: As aventuras de Paulo Bruscky (PE) e A casa da Vó Neyde (SP)
Melhor Curta 35mm: Acercadacana (PE)
Troféu Genivaldo di Pace para o produtor Germano Coelho Filho (in memoriam)

Prêmio Federação Pernambucana de Cineclubes – Fepec
Mens sana in corpore sano, de Juliano Dornelles

sábado, 7 de maio de 2011

Cine PE sob protesto (noite seis)


O "OVNI" retrô Casamento brasileiro, de Fauzi Mansur

A mostra competitiva do Cine PE terminou na quinta, novamente esvaziada pela paranóia sobre um possível alagamento da cidade. De acordo com a organização, a chuva que caiu durante os sete dias de evento foi o motivo do público ter se reduzido em 50%. Ou seja, durante uma semana, 15 mil pessoas circularam pelo Teatro Guararapes e nas mostras infantil e itinerante.

O assunto principal da noite foi o tratamento dado pelo festival aos curtas. O motivo foi a soma do longa-metragem Estamos juntos, de Toni Venturi, ao programa, já que ele não foi exibido na quarta por conta de um aviso de tempestade. Originalmente, o plano seria exibir quatro curtas e, após intervalo, um longa. Com a mudança, a ordem foi randomizada para dois curtas + um longa + um curta + um longa + três curtas. Sem intervalo, para não estender ainda mais a duração.

O último curta, Mens sana in corpore sano, de Juliano Dornelles, terminou depois da 1h, em sessão para cerca de 300 pessoas, que aguardaram seis horas para assisti-lo. Carreto, de Cláudio Marques e Marília Hugues, ficou espremido entre dois longas. “Ele dialoga bem com os curtas digitais do começo, poderia estar lá”, diz Marília. “Isso não se deve às chuvas, mas à organização do evento. Até agora não tive explicação plausível”, diz Felipe Peres Calheiros, de Acercadacana.

Seu filme estava programado para 19h e foi exibido às 23h30. Como forma de protesto, uma faixa onde se lê “menos glamour, mais cinema” foi estendida ontem por realizadores, durante a cerimônia de premiação. Além deles, foram exibidos Peixe pequeno (PE), de Vincet Carelli e Altair Paixão, O rio e eu (PR), de Diego Lopes e Claudio Bitencourt e O céu no andar de baixo (MG), de Leonardo Cata Preta.

Alfredo Bertini, diretor do Cine PE, disse que não havia outra saída. “Os longas passaram antes porque dois membros do júri iriam para Cannes naquela mesma madrugada. Com mudanças desse tipo, sempre alguém se sente prejudicado. Disse a eles: ‘vocês são pernambucanos. Segurem a peteca”.

Outro ponto de tensão diz respeito ao melhor longa-metragem do festival. Após exibição de Estamos juntos e Casamento brasileiro, de Fauzi Mansur. Com Leandra Leal e Cauã Reymond, o primeiro é uma poderosa crônica sobre a vida na cidade grande
e sua influência nas relações entre os moradores. A união de talentos como Hilton Lacerda (roteiro), Renata Pinheiro (arte) e Lula Carvalho (fotografia) torna escandaloso o abismo estético entre este e os demais concorrentes.

Com aparência de uma fita VHS que saiu da máquina de lavar, Casamento brasileiro é um representante tardio do cinema popular dos anos 1970. O filme trata de um rapaz que monta as gravações do pai, que filma matrimônios numa cidade do interior, conduzidos por casamenteiro vivido por Nelson Freitas. Veterano da chanchada (A ilha dos paqueras e A noite do desejo), Mansur estava há 20 anos sem filmar e isso fica claro no resultado.

A crítica rachou ao meio. “Ele está mais vivo do que 90% da seleção do festival. Do ponto de vista da linguagem, é o único a criar um universo, o maior desafio do cinema de ficção. É também o melhor trabalho de atuação. Nelson é uma exceção de talento e carisma, que deveria ser tratado com mais respeito”, diz Rodrigo Fonseca, crítico de O Globo.


Mens sana in corpore sano, de Juliano Dornelles

Dois bons curtas - A mudança de horário pode ter reduzido o público, mas não o brilho dos curtas exibidos na quinta-feira. Os pernambucanos foram os mais instigantes. Parceria da Símio Filmes com a produtora Cinemascópio, Mens sana in corpore sano, de Juliano Dornelles, faz uma contribuição e tanto à filmografia zumbi. O filme esquadrinha o cotidiano de um adicto de academia, um professor de musculação movido a barras de ferro e esteróides. O cinemascope (tela larga) tem finalidade prática e conta a favor da imagem de luz e sombras tenebrosas construídas por Pedro Sotero. Humor negro, suor e músculos.

Produzido pela Asterisco, Acercadacana de Felipe Calheiros tem o grande mérito de unir rigor estético e engajamento político. A linguagem adotada para descrever a vida de Dona Maria Francisca, isolada em casebre no meio de um imenso canavial, é tão forte quanto sua denúncia – ela enfrenta a hostilidade da Petribu, uma empresa do açúcar que quer expulsá-la da casa onde mora há quatro décadas.

Em certo momento, há um “duelo” entre o chefe da segurança da empresa, com uma arma na cintura, e Dona Maria, com uma câmera na retaguarda. Bem lembrado por Hilton Lacerda, há um diálogo com Baixio das bestas (de Cláudio Assis), que também se passa na Mata Norte e constrói um espaço atemporal. A lucidez e verdade presentes no filme só aumenta a curiosidade do que Calheiros e a Asterisco devem fazer a seguir. Olho neles.

(Diario de Pernambuco, 07/05/2011)

sexta-feira, 6 de maio de 2011

O rochedo e a estrela, de Kátia Mesel, encerra o Cine PE hoje à noite



O Cine PE termina hoje, com cerimônia de premiação, homenagens à montadora Vânia Debs, o governador Eduardo Campos e os 15 anos de Baile Perfumado. Encerra o programa a premiére de O rochedo e a estrela, de Kátia Mesel (Recife de dentro para fora). Além da direção, ela assina o roteiro, direção de arte e produção de seu primeiro longa, que custou R$ 1,3 milhão.

Rodado em quatro países, o documentário trata da mitológica rota percorrida por 23 judeus holandeses que, para escapar da perseguição portuguesa, fugiram de Pernambuco para Nova York, na época um entreposto comercial. Antes, Kátia participa de debate com o historiador Eduardo Bueno, coordenado por João Gabriel (Revista Bravo!). Será no Recife Palace Hotel (Boa Viagem), às 15h.

O rochedo e a estrela foi realizado ao longo de 13 anos, período em que Kátia alega ter enfrentado problemas com a captação de recursos. A princípio, o filme seria uma ficção, orçada em R$ 7 milhões. O roteiro começou a ser desenvolvido em 1998 e há menos de 30 dias foi finalizado em 35mm e audio Dolby 5.1. A direção de fotografia é de Rodolfo Sanchez, com câmera de Beto Martins; a edição, de Claudio Fernandes; e a trilha sonora, de Lula Côrtes, com quem Kátia foi casada e dedica a sessão. “Lula me falou: ‘vou dar um presente’. Por isso peço para que não saiam durante os créditos, pois vou fazer uma surpresa nessa hora”.

Lírio Ferreira, Paulo Caldas e Hilton Lacerda confirmaram presença na homenagem a Baile perfumado. A ocasião é delicada, já que o produtor Germano Coelho e o fotógrafo mineiro Paulo Jacinto,o Feijão, faleceram recentemente. “Eles foram fundamentais. Muita gente trabalhou nesse filme, mas nesse momento eles são os grandes homenageados”, diz Caldas.

Entrevista Kátia Mesel

Pernambuco foi capital do Brasil holandês por 24 anos. Por que retornar ao momento?
O filme mostra o Recife como luz da liberdade. A grande importância de contar essa saga é realçar como a liberdade se desenvolve em coisas positivas. Aqui se formou a primeira sinagoga das Américas, os judeus tiverem alguns anos de paz. As primeiras imagens do Brasil são dos pintores de Mauricio de Nassau. A cultura floresceu, a medicina evoluiu. Quero mostrar como a liberdade é importante não só para o indivíduo, mas para a coletividade.

Como foi o processo de pesquisa para O rochedo e a estrela?
Viajei muito. Fui para Portugual, Espanha, Holanda, Estados Unidos, Grécia. Naquela época não havia muitos documentos sobre o assunto e eu precisava não só do fato histórico, mas de consciência de como eles se vestiam, se comportavam, de como eram as navegações. Fiz uma pesquisa visual, étnica, conceitual, para nutrir a visão de como mostrar isso pras pessoas.

E como isso está resolvido na produção?
Sentindo falta do respaldo visual, fiz reconstituição de época para dar apoio visual e conceitual sobre como aquelas pessoas viviam. São pinceladas simbólicas, como na saída dos judeus no Marco Zero, em que coloquei pessoas carregando baús, cestas e fazendo a ondulação do mar. Usei de realismo, a minha caravela no Porto do Recife é a Caravela de Bubuska, com ele vestido de holandês. São licenças poéticas infinitas. Na Holanda, mostro um casario do século 17 em que passa uma bicicleta e isso não me constrange. Foram decisões que tomei para dar embasamento para as pessoas.

Você tem ligação direta com o judaísmo?
Sim, minha mãe não era e converteu-se. Meu pai é filho de um lituano com uma romena, que fugiram da primeira guerra e se casaram em Pernambuco. É uma mistura de cigano com Conde Drácula.

Além do tema, a demora gerou mais curiosidade em torno do filme, inclusive se ele realmente ficaria pronto. O que você diria a quem duvidou?
Que vá ver o filme. Eu mesmo passei por dúvidas se eu ia conseguir o dinheiro. Quem duvidou tinha razão, puxa vida, são mais de dez anos para fazer um filme. Mas agora que está pronto, é preciso assistir para dizer alguma coisa.

(Diario de Pernambuco, 06/05/2011)

Cine PE - noite cinco

O temor de que uma calamidade aquática acometesse o Recife comprometeu a programação de quarta no Cine PE. O curta Calma, Monga, calma! ainda estava na tela quando luzes ascenderam e o som baixou para a apresentadora Graça Araújo e o diretor do festival Alfredo Bertini avisarem que uma mega-chuva castigaria a cidade após a meia-noite. “Não há motivo para pânico, podemos ficar até o final”, disse Bertini, enquanto o público esvaziava o Teatro Guararapes. O plano era exibir o longa Estamos juntos sem intervalo, mas uma falha técnica provocou mais evasão e fez a equipe adiar o filme para o dia seguinte.

O desastre climático não ocorreu, mas a tempestade nos bastidores foi irreversível. É perceptível o estado de tensão entre Bertini e os realizadores. “Não foi dilúvio, foi delírio”, disse Petrônio de Lorena, diretor de Monga, sentindo-se prejudicado. Quando percebeu o erro, Bertini pediu desculpas e as luzes se apagaram novamente: “Não sabia que o filme continuaria durante os créditos. Jamais faria isso se não houvesse necessidade”. Na saída, circulavam informações, depois desmentidas, de que a Defesa Civil e o próprio governador teriam ligado para o evento, pedindo para que o aviso fosse dado. “Minha filha me ligou avisando que vinha uma chuva forte. Aí os jornais me ligaram perguntando se tomei providências. Então liguei para o Coronel Mário Cavalcanti, da Casa Militar, que confirmou a previsão”.

Esta não é a primeira vez que o festival interferiu com créditos dos curtas em andamento. Na segunda e terça-feira, eles foram desrespeitados em prol de pedidos para que o público permanecesse nas homenagens. Os demais curtas - O som do tempo, de Petrus Cariry, Flash, de Alison Zago, Tempestade, de César Cabral, Falta de ar, de Ércio Monnerat e Matinta, de Fernando Segtowick – foram exibidos normalmente.

(Diario de Pernambuco, 06/05/2011)

quinta-feira, 5 de maio de 2011

O cinema de Celso Marconi



Em pleno Cine PE, Celso Marconi lança sua obra completa em DVD. Por décadas ele atuou intensamente no jornalismo cultural do Recife, mas pouco se sabe sobre sua produção para o cinema, realizada entre os anos 1970 e 90. São 22 documentários experimentais sobre artes plásticas, folclore e o próprio cinema. O DVD duplo só não pode se dizer “obra completa” pois falta um filme curtíssimo, de um minuto de duração, intitulado Propaganda. O cinema de Celso Marconi tem tiragem de 500 cópias será vendido a R$ 25 cada.

A coincidência dos eventos não é intencional. Tem a ver com o calendário da Livraria Cultura (Recife Antigo), local do evento, que começa às 19h, com palestra de Fernando Monteiro e atentado poético de Jomard Muniz de Britto. Na tela, será exibido documentário sobre Marconi, feito por Sidney Sá. A produção é de Sérgio Dantas, gerente do audiovisual da Fundação de Cultura da Cidade do Recife.

Claro que o fato de ocorrer durante o festival mais popular do Brasil torna o
lançamento um interessante contraponto. “É o festival de maior público, nesse sentido ele é competentíssimo. Por isso ele evita filmes bem melhores do ponto de vista artístico, mas que não atrairiam tanta gente”.

Desde cedo, as convicções humanistas levaram Marconi ao pensamento crítico. Hoje ele se considera marxista-budista. “Minha filosofia é a dialética, que busco no próprio budismo. É a melhor maneira da interpretar o mundo”. Da filosofia ao jornalismo, foi um pulo. Entre o fim dos anos 1950 e 1999, ele trabalhou no Diario de Pernambuco, Última Hora, Jornal do Commercio e Jornal
Pequeno
.

Claro que em sua produção audiovisual, iniciada com o grupo do cinema Super 8, circula o sangue de repórter. “O caminho era o documentário. Como já tinha estudado antropologia, meu olhar se fixou na vida cotidiana, como observador e participante”.

Aos 80 anos de idade, Marconi faz parte de uma tradição local de pessoas de cinema, que trabalham em praticamente todas as funções. Ao lado de Fernando Spencer e outros companheiros, foi responsável pelas Sessões de Arte que nos anos 1960 atraíram milhares de pessoas ao cinema. “Na verdade o mercado é muito pequeno. Se eu ficasse numa área só e de repente a perdesse, estava lascado”.

Ex-gestor do Museu da Imagem e do Som, ele não poupa críticas à administração
estadual. “Um governo socialista tem que entrosar cultura e educação de maneira mais objetiva, não só pra chamar a atenção. Seu papel poderia ser mais conscientizador, como foi o Movimento de Cultura Popular, ter uma ação que vá além dos editais e leis de incentivo. Os museus estão caindo aos pedaços. Depois que eu saí, o Mispe não fez mais nada, é um absurdo”.

Além dos três títulos em livro (dois compilam seus textos na imprensa), em
agosto Marconi lança o livro Por que gostamos mais do cinema de Hollywood?. “As pessoas gostam porque nascem e são preparadas para gostar de determinadas formas de cinema mais decorativo, superficial. A ditadura acabou com o Cinema Novo e hoje eles não precisam mais de armas, a cabeça das pessoas estão com eles. Daí esse festival com filmes anódinos”.

(Diario de Pernambuco, 05/05/2011)

quarta-feira, 4 de maio de 2011

A Monga ataca no Cine PE



Estreia hoje o curta Calma, Monga, Calma!, de Petrônio de Lorena, sobre os ataques da mulher-macaco na Região Metropolitana do Recife. Com participações de Samir Abou Hana, Sérgio Dionízio, Jomard Muniz de Brito, Grilowsy e Miró da Muribeca, o filme deve render bons momentos no Teatro Guararapes. Ao Diario, Lorena antecipa que Miró estará na sessão, onde recitará poema vestido de cobrador de ônibus. Se a Monga vai, fica o mistério.

Leia matéria sobre o curta aqui.

Cine PE - noite três



Em noite esvaziada pela tempestade que assola o Recife, o Cine PE reservou para a segunda-feira uma seleção interessante, marcada por documentários sobre a memória. No viés afetivo em Casa 9, de Luiz Carlos Lacerda; no confronto entre o presente cruel com o passado feliz no curta A casa da Vó Neyde (SP), de Caio Cavechini; com irreverência no curta As aventuras de Paulo Bruscky (PE), de Gabriel Mascaro; com liberdade poética no curta Fábula das três avós (SP); e na homenagem a Zelito Viana, que invocou Glauber Rocha, Joaquim Pedro de Andrade e Leon Hirzman antes de exibir Augusto Boal e o Teatro do Oprimido, seu tributo ao amigo de 50 anos.

O curta digital A casa da vó Neyde, trabalho de estreia de Cavechini, é um ato de coragem por escancarar um problema pouco assumido pela classe média: o crack. O que parecia ser mais um documentário com rostos quadriculados de meninos pobres se revela um dos relatos mais amargos e sinceros do festival. O filme mostra sem pudor o vício de seu tio, um quarentão que mora com a mãe. As imagens do tio preparando e acendendo o cachimbo foram feitas por um amigo do diretor, que não conseguiu presenciar o momento. O contraste com o passado impresso no álbum de família só faz aumentar a ressaca no final da projeção. Dizem que o público do Cine PE dá risada por qualquer motivo. Desta vez, não foi o caso.

Casa 9 faz um inventário mais verbal do que imagético do que foi a experiência libertária naquele local, um sobrado no Botafogo que serviu de quartel para o desbunde artístico em plena ditadura militar. Presente na sessão, Jards Macalé foi de bigode (mas não com o casaco de general da música Vapor Barato), para brincar com o apelido do diretor. “Vim de bigode para relaxar o Bigode”, disse, no palco. Longe de qualquer sofisticação, a contação de “causos” é o que há de mais precioso no filme. A baixa resolução da imagem e o acabamento precário são compensados pelo valor cultural do que está ali registrado. Como o próprio Bigode explicou ontem pela manhã na coletiva para a imprensa, o filme foi feito dentro do “esquema Casa 9”. A presença pernambucana é forte, em depoimentos de Naná Vasconcelos e Lenine - a produção local foi da Ateliê e Eric Laurence.

“Minha geração está começando a contar a sua história, que de outra forma não seria contada. Pois a história é contada pelos vencedores, que hoje é a esquerda que achava que a gente era um bando de drogados alienados. Tenho muito orgulho de ter feito parte dessa cultura hippie, anarquista, que originou discursos como o da ecologia, direitos humanos e contra a homofobia”, disse Bigode.

As imagens de arquivo são poucas, mas preciosas. A mais interessante remete a um piquenique em Londres. “Comprei uma câmera Super 8 em 1969. Eu filmava tudo, aleatoriamente. Foi o nosso primeiro ensaio para o Transa, do Caetano”, contou Macalé, que se disse satisfeito com o filme. “Refleti sobre aquela loucura que vivemos, uma ditadura brava a gente fazendo tudo com a maior liberdade. Éramos um exército de Brancaleone”.

Irreverente, Jards Macalé roubou a cena também na coletiva, ao fazer declarações e aparecer vestido de camisa estampada, calção e chinelos. Lembrou da parceria com Naná em Let’s play that: “a gente colocava o disco Hendrix, Axis bold as love, ficávamos horas tocando aos berros na vila e ninguém nunca reclamou”. E da primeira sessão de ácido, dividido com Gal Costa. “Ela é maravilhosa, quem me dera ela ainda estivesse tomando ácido”. Como contrariar?

(Diario de Pernambuco, 04/05/2011)

Quebra-cabeça de muitos mundos



“Para ver as estrelas, tem que olhar de cima para baixo”. A frase, dita por personagem do longa Estamos juntos, é uma das formas que se tem para entender São Paulo. A cidade é cenário do novo filme de Toni Venturi (do premiado Cabra-cega), que estréia hoje, na mostra competitiva do Cine PE. O festival está dominado por produções paulistas e essa pode ser a favorita. A produção é da Olhar Imaginário (de Venturi) Aurora Filmes, responsável por Bicho de 7 cabeças, Carandiru e o recente Reflexões de um liquidificador. A fotografia é de Lula Carvalho.

O filme, que entra em cartaz no próximo 17 de junho, traz no elenco Leandra Leal, Cauã Reymond, Lee Taylor, Dira Paes, Débora Duboc e Sidney Santiago. A trilha sonora é de Bid, produtor de Afrociberdelia (1996), da Nação Zumbi. Todos estarão no festival, exceto Leandra, que está em Nova York e Reymond, que grava novela no Rio. “Estou muito feliz que a estréia vai ser no recife, cidade onde acontece a vanguarda da música, cinema e artes plásticas”, diz Venturi.

Há mais motivos para conferir a sessão de hoje: o roteiro de Estamos juntos foi escrito por Hilton Lacerda e a direção de arte é de Renata Pinheiro. “As pessoas veem Hilton como pertencente ao novo cinema pernambucano, mas ele vive em São Paulo há muitos anos. Isso foi decisivo para construir o roteiro”.

O título remete à saudação comum de companheirismo entre moçambicanos. A história trata das mudanças vividas pela jovem médica Carmem (Leandra), que se muda do interior do Rio para fazer residência em São Paulo. Faz amizade com o DJ Murilo (Reymond), que é mantido na capital pela família rica. O conflito surge quando conhece homem enigmático (Lee Taylor) e se entrega ao músico Juan (Nazareno Casero).

Lacerda conta que a experiência foi boa. “Trabalhei com um grupo diferente do que estou acostumado, tive que me cercar de outro universo, mas não tive que abrir mão das minhas convicções de roteiro. O filme é sobre estrangeiros e a cidade como quebra cabeça de muitos mundos, um núcleo pautado, inclusive, por movimentos sociais”. O argumento original de Venturi e Di Moretti foi visto pelo roteirista como uma limitação educativa. “Sou muito anárquico para escrever. O resultado é bastante surpreendente”.

Renata, que já fez a arte Feliz Natal de Selton Mello e A festa da menina morta, de Matheus Nachtergaele, descreve o filme de Venturi como uma grande produção. “Já tinha filmado em São Paulo, mas agora me aproximei do coração da cidade”. Um dos cenários é real: a sede do Movimento dos Sem Teto, um hotel antigo no centro de São Paulo. Outros cenários foram construídos do zero, como o hospital que Carmem trabalha, que ocupou parte do manicômio do Juqueri. “Precisava construir a arte com um pé na realidade forte de São Paulo e ao mesmo do ponto de vista do personagem, que vai mudando de percepção”.

Venturi diz que o projeto nasceu da vontade de falar da juventude no mundo urbano contemporâneo. “Me interesso no cruzamento de universos na grande cidade. Essa polifonia se cruza involuntariamente, se envolve, se estranha, convive no mesmo espaço”. Promete.

(André Dib, 04/05/2011)

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Uma casa encantada



Certo dia, o cineasta carioca Luiz Carlos Lacerda voltava para sua casa no Jardim Botânico quando, fugindo do trânsito, pegou atalho pelo Botafogo. “De repente, quando olhei, estava na porta da vila em que morei nos anos 1970”, conta o diretor. Assim nasceu Casa 9, longa documentário que concorre esta segunda na mostra competitiva do Cine PE - Festival do Audiovisual. Através de depoimentos, ele remonta a cena cultural que girou em torno do local, um sobrado onde também morou Jards Macalé, Sônia Braga e Lenine, que, não por acaso, batizou sua gravadora de Casa 9.

Gente assim atrai semelhantes: Clarice Lispector, Nelson Pereira dos Santos, Glauber Rocha, Torquato Neto, Gilberto Gil, Gal Costa, Odete Lara, Waly Salomão, Naná Vasconcelos, Helio Oiticica e muitos outros fizeram da Casa 9 um centro cultural. “Comecei a lembrar quantas histórias vivemos ali. Tudo isso iria morrer com a gente?”. A pergunta de Lacerda, conhecido como Bigode, está respondida com o filme, coproduzido pelo Canal Brasil, que tem nesta noite sua primeira exibição pública.

“O Macalé morava na parte de cima quando eu me mudei pra lá. O lugar foi uma vila familiar construída nos anos 1940 por Artur Araripe, o avô do Paulo Coelho, que morou com o pai e a irmã na Casa 12, que foi derrubada em 1974 e construíram um prédio em que veio morar Paulinho da Viola”.

Na casa de Macalé, se hospedava o pessoal da música. O do cinema ficava na casa do Bigode. Um deles foi Robert Freigman, do grupo da Factory, de Andy Warhol, que veio ao Brasil para fugir da guerra do Vietnã. “Na minha casa vinha Nelson, Glauber, Cacá Diegues. Com Clarice escrevi o roteiro de um curta, adaptado de um conto dela, O ovo e a galinha, que foi filmado em 2003 por Nicole Al Granti, sua sobrinha-neta”, lembra Bigode.

A ligação das duas casas rendeu a parceria entre Nelson Pereira e Macalé, que atuou e fez a trilha de Amuleto de Ogun e Tenda dos milagres. Macalé, aliás, revela ao diretor a história por trás de Vapor barato, composta por ele e Waly em 1974. Mas não repassa ao repórter. “A explicação é longa. Tem que ver no filme”.

A turma de Pernambuco chegou depois que Bigode saiu, em 1980. “Veio Lenine, Ivan Santos e Alex Madureira, que na época eram três hippies”, conta. Com eles, vieram Lula Queiroga, Chico César, Bráulio Tavares e outros artistas e escritores do nordeste. “Era uma casa encantada”, conta Queiroga, que na época morava em Copacabana. “Consolidamos nossa amizade ali. Nós éramos os paraíbas que continuaram a história daquela casa. Assim como tem o centro de tradições gaúchas, fizemos um centro de contradições pernambucanas. Tanto que meu sotaque não mudou nada”.

Estirado entre a ditadura militar e a abundância ideológico-criativa, o período 1970-1980 é tema e tanto para quem se interessa por cultura brasileira. Para Bigode, aquele foi um tempo especial. “O mundo encaretou, hoje em dia as pessoas estão entocadas, cada um cuidando do seu umbigo. O planeta virou yuppie”.

E estende a conversa para o cinema feito hoje. “Só se fala em filmes de mercado, os editais pedem para formalizar público-alvo, fazer perspectiva de bilheteria. E os filmes que não conseguem chegar no mercado? Quem vai contar a história do Brasil daqui a alguns anos? Se eu fosse você, Chico Xavier ou Lírio Ferreira e Paulo Caldas? São as novelas da televisão ou o Júlio Bressane, que há 40 anos faz público de 50 mil por filme? O que é mais importante para a cultura brasileira?”. Uma questão e tanto.

(Diario de Pernambuco, 01/05/2011)

Cine PE - noite 2



Mais uma boa noite de curtas, a de ontem, no Cine PE.

A animação Céu, inferno e outras partes do corpo (RS) faz ótima adaptação da arte de Fábio Zimbres, o papa do quadrinho underground gaúcho. Seu diretor, Rodrigo John, fez parte da equipe de Otto Guerra, que trabalhou no longa Wood & Stock - sexo, orégano e rock'n'roll. No curta, entre o trabalho e o descanso, um cachorro humanizado passa por perturbações existenciais que se espalham de forma visceral pelo seu apartamento. No fim, uma frase de Machado de Assis arremata o pensamento. "Essa é a grande vantagem da morte: se não deixa boca para rir, não deixa olhos para chorar".

Com elenco 99% infantil, Tempo de criança (RJ) se apropria desse universo ao focar em duas crianças que se cuidam e brincam enquanto a mãe está no trabalho. A impressão é que o próprio filme é feito por crianças. E isso é um elogio. Algo como crianças que dominam a linguagem do cinema. O diretor, Wagner Novais, não pode vir ao festival. Está em Paris com a equipe do longa 5X Favela - agora por nós mesmos, do qual foi um dos diretores (primeiro episódio, Fonte de renda)

Braxília (DF) trata da relação do poeta matogrossense Nicolas Behr com a cidade em que se mora desde os 14 anos. Através de sua obra, o filme olha para Brasília com necessário estranhamento. "Isso me pegou pela poesia do Nicolas. Em Brasília há um excesso de siglas e poucas pessoas. O mesmo incômodo que ele sentia nos anos 1970 eu sinto agora", diz a diretora, Danyella Proença. No filme, Behr explica que Braxília é seu equivalente a Passárgada, uma cidade que existe a partir das pessoas. O momento mais descontraído é a tentativa do poeta - em vão - de atravessar uma avenida.

Cachoeira (AM) traz visão sobre os índios livre de preconceitos - de direita ou de esquerda. Isso já pode ser sentido na fala de apresentação do diretor, Sérgio José Andrade. "É uma visão nada estereotipada dos índios, diferente do boneco gigante de Tainá, que está lá fora". O filme dramatiza episódio noticiado em 2004, em que jovens índios bebiam uma nociva mistura de álcool, até a morte. "Era como rituais xamânicos, mas com álcool. Como isso é muito transcendental, recolvi fazer uma alegoria, mostrar o lado místico dessa história", diz o diretor.

Café Aurora (PE) trata dos limites de uma relação amorosa - de alguma forma, todos somos cegos ou surdos. Antes do filme, o diretor Pablo Polo fez justa homenagem a João Sagatio, chefe eletricista de longa carreira, iniciada com O pagador de promessas. Pena que as luzes do Cine PE acenderam antes do final, durante os créditos, para anunciar a homenagem a Camila Pitanga. Quebrou o clima do filme. É um desrespeito ao diretor, mais ainda por ser "da casa".

domingo, 1 de maio de 2011

Cine PE - noite um

Não somente Uma história de futebol, de Paulo Machline, mas todos os curtas da mostra competitiva provaram que eles ainda são o que há de melhor no Cine PE. Vou estraçaiá, de Tiago Leitão fez as honras de abertura da melhor forma possível. Assim como o pugilista amador Luciano Todo Duro, o doc foi direto ao assunto. A plateia não resistiu às declarações de Todo Duro, que se intitula o “matador de baiano” para provocar seu arqui-inimigo, Reginaldo Holyfield, e respondeu com risadas e aplausos durante toda a projeção. No final a plateia veio abaixo, no que já é um dos pontos altos do festival.

Se há limitações técnicas de som e imagem, elas caem como uma luva (de boxe): têm tudo a ver com o personagem. Leitão, que estreou na direção com o curta, começou com o pé direito. Ao Diario, ele disse que espera que as pessoas não se atenham somente à parte cômica do filme. "Todo Duro é uma pessoa incrível, com vontade de vencer e tem um lado super-frágil, a ponto de colocar a carreira na mão de filha adolescente". E que está na produção de um novo curta, sobre Nascimento do Passo (que sistematizou os movimentos do frevo), com direção de Helder Vieira.

O gaúcho Muita calma nessa hora, de Frederico Ruas, manteve o tom visceral ao abordar clássica cena de ciúme. Em barzinho “cabeça”, casal discute a relação até chegar na baixaria. A trilha sonora, ao vivo, acompanha a paranoia conjugal. Ideia boa e bem resolvida.

A competição 35mm, para usar um jargão do dia, não deixou a bola cair. O contador de filmes, de Elinaldo Rodrigues (Zé Ramalho – o herdeiro de Avohai), trouxe à tela o cinéfilo paraibano Ivan Cineminha, que deve ter mais horas de filmes assistidos do que todo o público ali presente. Mais do que uma declaração de amor ao cinema – há prazer em assistir trechos de produções antigas citados por Ivan -, o filme é um elogio ao ritual de ir ao cinema. No fim, depoimento de jovem morador de Picuí, cidade natal de Ivan, aponta para o triste fim dos cinemas do interior.

Janela molhada, de Marcos Enrique Lopes, trata da aurora do cinema e sua preservação, pontuado pelo tom afetivo de uma de suas participantes, Dona Didi, filha do pioneiro Ugo Falangola, autor de Veneza americana (1924). Na tela grande do Teatro Guararapes, o filme encontrou o público e, na noite de Pelé e Wagner Moura (que não foi), garantiu espaço para Gentil Roiz, Jota Soares, Ary Severo e Edson Chagas, o marco zero do cinema pernambucano. A casa das horas, de Heraldo Cavalcanti começa bem ao criticar ironicamente a vida moderna, ao inverter o jogo do telemarketing. Procurada por uma farmácia no dia de seu aniversário, senhora solitária e carente de atenção (Nicete Bruno) vira o terror dos telefonistas. No entanto, a queda para o melodrama talvez tenha sido demais para manter o filme de pé.

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Durante a cerimônia da abertura, o casal Alfredo e Sandra Bertini convidou ao palco a Ministra da Cultura Ana de Holanda e o Governador Eduardo Campos, que estava acompanhado de Dona Madalena Arraes. Subiu somente o governador, que ganhou uma salva de palmas de fazer inveja a Pelé. A ministra chegou depois e que duas das prioridades do audiovisual do MinC são dar continuação ao programa Cinema Perto de Você e discutir conteúdo. Antes, em reunião fechada, ela convidou Pelé para o
lançamento do projeto de restauração e digitalização do acervo do Canal 100, que deve ocorrer entre junho ou julho.

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O lutador Luciano “Todo Duro” foi a sensação da noite também no foyer do Centro de Convenções, onde posou para fotos e deu autógrafos para os fãs. “Acho que a gente vai ganhar esse ‘Oscar’”, disse, ao Diario. “Ali estou eu real. Só faltou colocar que sou mestre de capoeira e que trabalho com jardinagem”. Perguntado se o filme pode estimular uma volta aos ringues, a resposta é “sim”. E manda um recado para Holyfield - o esboço para uma revanche? “Eu tô com saúde, ele tá doente”.

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Wagner Moura não veio receber o Calunga honorário. Alegou problemas de saúde e agenda lotada – ele está em Paulínia, onde grava A cadeira de pai, com produção da O2 Filmes de Fernando Meirelles e Paulo Morelli. Mesmo assim, a homenagem foi feita na presença de sua mãe, Alderiva Moura, que veio da Bahia para o evento, e de um boneco gigante do Capitão Nascimento, produzido pela Petrobras, que comemora a marca de 500 filmes patrocinados. Tímida, Dona Alderiva foi ao microfone ler o recado do filho. Depois, não falou muito com a imprensa. “Sou tímida. Subi no palco por amor de mãe”, disse.

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Hoje tem lançamento do DVD de KFZ 1348, de Marcelo Pedroso e Gabriel Mascaro. Vendido a R$ 20, o disquinho traz material extra e uma crítica assinada por Carlos Alberto Mattos. A prensagem é de mil cópias, assinadas pela REC Produtores de João Jr. “Ele chega em momento bacana, em que outros trabalhos nossos estão em circulação. E torna acessível um momento inicial da nossa carreira”, diz Mascaro, que concorre hoje na mostra de curtas com As aventuras de Paulo Bruscky, documentário 100% produzido em ambiente virtual do Second Life.