sábado, 7 de maio de 2011

Cine PE sob protesto (noite seis)


O "OVNI" retrô Casamento brasileiro, de Fauzi Mansur

A mostra competitiva do Cine PE terminou na quinta, novamente esvaziada pela paranóia sobre um possível alagamento da cidade. De acordo com a organização, a chuva que caiu durante os sete dias de evento foi o motivo do público ter se reduzido em 50%. Ou seja, durante uma semana, 15 mil pessoas circularam pelo Teatro Guararapes e nas mostras infantil e itinerante.

O assunto principal da noite foi o tratamento dado pelo festival aos curtas. O motivo foi a soma do longa-metragem Estamos juntos, de Toni Venturi, ao programa, já que ele não foi exibido na quarta por conta de um aviso de tempestade. Originalmente, o plano seria exibir quatro curtas e, após intervalo, um longa. Com a mudança, a ordem foi randomizada para dois curtas + um longa + um curta + um longa + três curtas. Sem intervalo, para não estender ainda mais a duração.

O último curta, Mens sana in corpore sano, de Juliano Dornelles, terminou depois da 1h, em sessão para cerca de 300 pessoas, que aguardaram seis horas para assisti-lo. Carreto, de Cláudio Marques e Marília Hugues, ficou espremido entre dois longas. “Ele dialoga bem com os curtas digitais do começo, poderia estar lá”, diz Marília. “Isso não se deve às chuvas, mas à organização do evento. Até agora não tive explicação plausível”, diz Felipe Peres Calheiros, de Acercadacana.

Seu filme estava programado para 19h e foi exibido às 23h30. Como forma de protesto, uma faixa onde se lê “menos glamour, mais cinema” foi estendida ontem por realizadores, durante a cerimônia de premiação. Além deles, foram exibidos Peixe pequeno (PE), de Vincet Carelli e Altair Paixão, O rio e eu (PR), de Diego Lopes e Claudio Bitencourt e O céu no andar de baixo (MG), de Leonardo Cata Preta.

Alfredo Bertini, diretor do Cine PE, disse que não havia outra saída. “Os longas passaram antes porque dois membros do júri iriam para Cannes naquela mesma madrugada. Com mudanças desse tipo, sempre alguém se sente prejudicado. Disse a eles: ‘vocês são pernambucanos. Segurem a peteca”.

Outro ponto de tensão diz respeito ao melhor longa-metragem do festival. Após exibição de Estamos juntos e Casamento brasileiro, de Fauzi Mansur. Com Leandra Leal e Cauã Reymond, o primeiro é uma poderosa crônica sobre a vida na cidade grande
e sua influência nas relações entre os moradores. A união de talentos como Hilton Lacerda (roteiro), Renata Pinheiro (arte) e Lula Carvalho (fotografia) torna escandaloso o abismo estético entre este e os demais concorrentes.

Com aparência de uma fita VHS que saiu da máquina de lavar, Casamento brasileiro é um representante tardio do cinema popular dos anos 1970. O filme trata de um rapaz que monta as gravações do pai, que filma matrimônios numa cidade do interior, conduzidos por casamenteiro vivido por Nelson Freitas. Veterano da chanchada (A ilha dos paqueras e A noite do desejo), Mansur estava há 20 anos sem filmar e isso fica claro no resultado.

A crítica rachou ao meio. “Ele está mais vivo do que 90% da seleção do festival. Do ponto de vista da linguagem, é o único a criar um universo, o maior desafio do cinema de ficção. É também o melhor trabalho de atuação. Nelson é uma exceção de talento e carisma, que deveria ser tratado com mais respeito”, diz Rodrigo Fonseca, crítico de O Globo.


Mens sana in corpore sano, de Juliano Dornelles

Dois bons curtas - A mudança de horário pode ter reduzido o público, mas não o brilho dos curtas exibidos na quinta-feira. Os pernambucanos foram os mais instigantes. Parceria da Símio Filmes com a produtora Cinemascópio, Mens sana in corpore sano, de Juliano Dornelles, faz uma contribuição e tanto à filmografia zumbi. O filme esquadrinha o cotidiano de um adicto de academia, um professor de musculação movido a barras de ferro e esteróides. O cinemascope (tela larga) tem finalidade prática e conta a favor da imagem de luz e sombras tenebrosas construídas por Pedro Sotero. Humor negro, suor e músculos.

Produzido pela Asterisco, Acercadacana de Felipe Calheiros tem o grande mérito de unir rigor estético e engajamento político. A linguagem adotada para descrever a vida de Dona Maria Francisca, isolada em casebre no meio de um imenso canavial, é tão forte quanto sua denúncia – ela enfrenta a hostilidade da Petribu, uma empresa do açúcar que quer expulsá-la da casa onde mora há quatro décadas.

Em certo momento, há um “duelo” entre o chefe da segurança da empresa, com uma arma na cintura, e Dona Maria, com uma câmera na retaguarda. Bem lembrado por Hilton Lacerda, há um diálogo com Baixio das bestas (de Cláudio Assis), que também se passa na Mata Norte e constrói um espaço atemporal. A lucidez e verdade presentes no filme só aumenta a curiosidade do que Calheiros e a Asterisco devem fazer a seguir. Olho neles.

(Diario de Pernambuco, 07/05/2011)

Nenhum comentário: