segunda-feira, 23 de maio de 2011

Caçador de Cangaceiros



Informado de que seu irmão sucumbiu às forças de Lampião, o tenente Lindalvo Rosas soltou bravatas típicas da época. O sotaque carregado e a valentia bravateira com que o ator Aramis Trindade o interpreta fazem dele um dos personagens mais pitorescos do filme Baile perfumado.

Inspirado na vida real, Rosas é referência direta ao coronel Manuel de Souza Ferraz, também conhecido como Manuel Flor, um dos maiores caçadores de cangaceiros. Sua filha, Marilourdes Ferraz, não viu graça alguma no filme. Ela perdeu mais de 20 parentes durante o reinado de Virgolino Ferreira. Seu tio Ildefonso foi um deles.

“O filme mostra os volantes de forma jocosa. A gente, que viveu a história, sente”, diz Marilourdes, autora do livro O canto do acauã, baseado nas memórias e documentos deixados pelo pai. Publicado em 1978 e relançado em 1985, o título faz importante registro da história do Cangaço do ponto de vista de quem o combateu. Esgotado das livrarias, ele chega a custar R$ 650 no mercado de usados.

Agora, volta atualizado e ampliado com depoimentos, fotografias e desenhos. Suas páginas trazem datas, locais e pessoas envolvidas no conflito que por duas décadas mobilizou o Nordeste e eternizou a figura dos cangaceiros.

Professora e jornalista com passagem pelo Diario de Pernambuco, Marilourdes escreveu mais de 40 livros, a maioria sobre o assunto. Ela defende que Lampião foi um caso atípico que, movido pela vaidade e ambição, quebrou o código de honra dos cangaceiros: “não roubar, não matar e não profanar a família e a terra”, diz a autora.

Marilourdes critica qualquer tentativa de glorificar a vida e o legado de Lampião. Até as motivações que o teriam levado ao crime, como o assassinato do pai, são por ela contestadas. “Antes disso ele já se metia em intrigas e roubo. E não precisava disso. A família dele era muito digna. Tinha propriedades, gado”.

Incorporadas pelas forças do governo, as volantes receberam reforços dos parentes de vítimas, que queriam proteger a família e a propriedade. As mulheres, que chegavam a ser marcadas a ferro pela bandidagem, também pegaram em armas. “Foi uma epopeia. Meu pai dizia: ‘vivemos e não vimos a vida. Perdemos a juventude’”, diz Marilourdes.

Mas nem as maiores atrocidades realizadas pelo rei do Cangaço o impediram de ser eternizado pelo povo e enaltecido na música, literatura, cinema e artes plásticas. Houve quem visse nele uma versão matuta de Robin Hood. “Ele não tinha nada de socialista. Queria riqueza e poder. Fazia acordos com os coronéis e as maiores vítimas eram os sertanejos simples, que eram torturados, mutilados, sequestrados e mortos”.

Ao questionar a força de um mito, Marilourdes talvez encampe em luta ainda mais árdua do que a de Manuel Flor contra Lampião. “Os bandidos se tornaram heróis e quem defendia as vilas foram esquecidos”. Verdade cruel.

O canto do acauã será lançado na próxima quinta-feira, às 18h30, na sede do Memorial de Medicina de Pernambuco (Rua Amaury de Medeiros, 206 - Derby). O livro estará à venda por R$ 70.

(Diario de Pernambuco, 22/05/2011)

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