segunda-feira, 16 de maio de 2011
Um nó no audiovisual
O Recife é reconhecido por sediar uma filmografia das mais vibrantes e desbravadoras do cinema brasileiro. Prêmios e elogios não faltam a essa produção, devidamente apoiada por editais públicos e privados. Se o governo do estado, através da Fundarpe, estabeleceu um modelo incentivador, que somente pelo Funcultura injeta R$ 8 milhões por ano no segmento audiovisual, o mesmo não pode ser dito sobre a política mantida pela Prefeitura do Recife, que há anos tem sido alvo de críticas.
Vale comparar com o que se passa em outras capitais. Na última terça-feira, a gestão municipal de cultura do Rio de Janeiro surpreendeu seus artistas ao dobrar o valor de seus editais (de R$ 13 para R$ 26 milhões). Somente para o cinema, a RioFilme prevê R$ 90 milhões entre 2009 e 2012. A Prefeitura de São Paulo investe R$ 8 milhões em editais do audiovisual. Enquanto isso, no Recife, a gestão de João da Costa se aproxima da reta final e praticamente nada foi feito para reverter o abandono a que o segmento tem sido relegado. Subordinada à Fundação de Cultura, a gerência de audiovisual funciona com orçamento anual de R$ 60 mil, podendo, com aportes suplementares, chegar a R$ 300 mil.
O único edital de investimento direto é o Firmo Neto, que reserva R$ 80 mil anuais para a realização de um curta em 35mm. Ou nem isso, pois, em 2010, sem explicação alguma, ele não foi lançado, pela primeira vez em dez anos. Outra fonte de financiamento, o Sistema de Incentivo à Cultura, tem sido fortemente criticada e aguarda reformulação. A única sala municipal em atividade, o Cineteatro Apolo, carece de direcionamento e a Filmoteca Alberto Cavalcanti, criada por decreto nos anos 1970, nunca saiu do papel.
"A prefeitura está omissa", diz João Jr., da REC Produtores. "2010 foi um ano ímpar, com quatro longas produzidos em 35mm no Recife, com orçamento entre R$ 2 e 3 milhões cada. O estado entrou com percentual entre 20 e 25% na produção e o valor pode aumentar na finalização e distribuição. Com esforço, os produtores conseguiram recursos de outros editais, públicos e privados. Além de produzir cerca de 70 empregos, 60% da verba necessária para fazer um filme são gastos na cidade".
Assim como João, que ano passado deu início ao longa Era uma vez Verônica, de Marcelo Gomes, e que está prestes a começar Tatuagem, de Hilton Lacerda, outros realizadores receberam sinal verde do secretário de cultura, Renato L, da presidente da Fundação de Cultura, Luciana Félix e do próprio prefeito, João da Costa, de que suas produções seriam contempladas com dinheiro municipal. Mas até o momento, só ficou em troca de e-mails. O máximo que obtiveram foi apoio logístico da CTTU e da Emlurb.
"Encontramos o prefeito durante a filmagem e ele disse que tinha o dinheiro (R$ 100 mil) e que iria liberar em setembro. Virou o ano e nos encontramos no carnaval, ele disse que pagaria logo depois da festa, que até poderíamos colocar a logomarca nos créditos. Agora o procuramos e nada. Ligamos para Renato L e ele nem atende o telefone", diz Júlia Moraes, produtora de Febre do rato, novo longa de Cláudio Assis. "Esse tipo de atitude eu nunca vi, se a gente fosse contar com esse dinheiro, estaria ferrado".
Valorização | Paulo Caldas, que em maio passado rodou País do desejo com dinheiro federal e português, diz que o único apoio recebido foram as diárias para utilização do Teatro de Santa Isabel, administrado pela própria prefeitura. "É o primeiro filme que faço sem a prefeitura. Não dá pra entender esse retrocesso. Não faz sentido que a prefeitura não apoie uma atividade cultural que traz tantos recursos para a cidade. Daqui a pouco, as produções vão para outras cidades que valorizem mais o cinema".
Em 2009, em reunião com os gestores acima citados, foi solicitado apoio financeiro de R$ 150 mil para País do desejo. A resposta nunca foi dada. "É uma falta de respeito. Tento uma audiência há mais de dois meses. Que receba o artista e diga que não tem dinheiro, mas receba. Afinal, para que eles estão lá?".
Com os quatro filmes citados em fase de pós-produção, João Jr. diz que ainda há tempo para que a prefeitura reverta a situação. "Boas pessoas trabalham lá, mas solicitações foram feitas e as respostas não aconteceram. O cinema é o carro-chefe da economia criativa, que tanto tem dado destaque à cultura do Recife".
Realizadores querem mais
Edital de investimento direto. Manutenção do cinemas públicos. Formação. Preservação de acervo. Escoamento da produção local. Essas são algumas ações sugeridas por realizadores do audiovisual para que a Prefeitura do Recife atue de forma efetiva no segmento. A falta de uma política definida é apontada como o principal problema. "Tudo o que se reclamava antes da Fundarpe, está sendo criticado hoje na Secretaria Municipal de Cultura", diz Mannu Costa, presidente da seção pernambucana da Associação Brasileira dos Documentaristas. "As reivindicações são as mesmas de dez anos atrás. Não existe desenho estratégico. Mais do que ter cinco ações, cada uma indo para um lado diferente, é melhor estudar o que seria melhor para este momento".
O aprimoramento do Sistema Incentivo à Cultura (SIC) municipal é um dos pedidos mais antigos. Somente no último edital, entraves burocráticos inviabilizaram doze projetos aprovados. Quatro deles são do audiovisual. A Emlurb se dispôs a patrocinar os projetos via renúncia fiscal, mas ficou de mãos atadas pois a prefeitura não repassou metade do dinheiro à instituição, recurso que deveria ter sido encaminhado até dezembro. A lei diz que a captação precisa ser feita até o fim do ano corrente, mesmo assim, a prefeitura teria dito que encontraria um modo de pagar, o que até o momento não aconteceu.
Ainda sobre o SIC, outro problema: não há cadeira fixa para cada setor da cultura. Por exemplo, no último ano, a ABD não pode participar da seleção dos projetos do audiovisual. Outras ideias apontam para uma parceria com o governo federal e estadual, através do Sistema Nacional de Cultura (SNC).
"Outro mecanismo importante é a criação de um edital como o da Fundarpe que, apesar das falhas, é o modelo mais justo e democrático. Melhor do que balcão, que a gente usa porque não há uma outra forma", diz Paulo Caldas, que também defende a criação de uma Film comission, empresa pública que dê suporte a produções de cinema que utilizam a cidade como cenário. "Isso pode sedimentar um mercado. Estado e prefeitura poderiam se unir nesse projeto".
Mannu Costa ainda aponta que lacunas do sistema produtivo - como as fases de finalização, distribuição e exibição - poderiam ser ocupadas pela prefeitura. Todos estes assuntos renderam uma série de pautas que será discutida em encontro marcado para a próxima quarta, com participação de gestores públicos e representantes da ABD/PE, Fórum do Audiovisual e da subsede do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Cinematográfica. "Há um entendimento da prefeitura de que é preciso mudar e percebemos uma vontade política de retomar diálogo com entidades", diz Mannu.
No plano das ideias | Procurados pela reportagem, o secretário Renato L e a presidente da Fundação, Luciana Félix, não se pronunciaram a respeito das promessas não cumpridas aos realizadores que produziram filmes em 2010. Luciana Veras, da Diretoria de Desenvolvimento e Descentralização da Fundação de Cultura, garantiu, no entanto, que o apoio financeiro a estes projetos não estão descartados. "Sempre sinalizamos que é desejo nosso apoiar esses filmes, mas fazer isso de forma isolada pode parecer política de gabinete. Vamos anunciar um pacote de apoio a projetos específicos com nossa nova política de editais".
A previsão é de que o edital de investimento direto seja anunciado este ano, ou com o prêmio Firmo Neto incorporado ou maior, como uma terceira ação. Ainda não se sabe qual será o montante disponibilizado. Já a Filmoteca Alberto Cavalcanti está anunciada para janeiro de 2012, mesma data marcada para a volta do Cineteatro do Parque, cuja reforma ainda não começou. Há planos de pulverizar a exibição nos bairros, com a Federação Pernambucana de Cineclubes. Por enquanto, tudo está no plano das ideias.
Mais próxima está a volta do Panorama Recife de Documentários. Marcado para agosto, deve deflagrar um calendário de ações, entre elas, a itinerância do festival É Tudo Verdade e a retomada do Festival Mix Brasil da Diversidade Sexual.
Sobre a reformulação do SIC, Luciana diz que a prefeitura deve trabalhar com o modelo do Ministério da Cultura, ou seja, conciliar o sistema de mecenato com o de renúncia fiscal. Mas, antes de tudo, a reunião de quarta-feira com os realizadores pode ser promissora para estabelecer a interlocução entre o poder público e a sociedade. "Precisamos retomar diálogos anestesiados", disse. Em véspera de ano eleitoral, nada mais coerente do que retornar às bases.
(Diaerio de Pernambuco, 16/05/2011)
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