sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Um cine-poema para Glauber Rocha



Para evitar o esquecimento, inventa-se a memória. Diario de Sintra (Brasil, 2009), de Paula Gaitán, transmuta o passado em arte presente. Que o público não espere um documentário. O registro visual e sonoro da última viagem com o marido Glauber Rocha é trampolim para outra jornada, igualmente pessoal, mas distinta. O longa, que entra em cartaz hoje no Cinema da Fundação, evoca mais do que homenageia, versa mais do que explica os derradeiros momentos do cineasta.

Vinte e seis anos separam 1981 de 2007, quando Paula refez o percurso que levou Glauber e família ao autoexílio na pequena cidade lusa de Sintra, onde o cineasta esperava se recuperar da saúde. Tempo suficiente para que lembranças se percam no labirinto da memória. Numa árvore de galhos secos, pendura fotos da época. Entre idas e vindas, ela promove um funeral simbólico em Monsanto, referência imediata ao Monte Santo de Deus e Diabo na terra do sol. A banda sonora tem papel tão importante quando a imagem, fotografada por Paula e Pedro Urano. A montagem provoca sensação afinada com o bucolismo dos caminhos lusos.

"Parto do esquecimento para falar de memória", disse Paula, na pré-estreia de seu filme, terça última. O material recriado dá a entender que, após 26 anos, a autora fez as pazes com o passado fazendo um cinema de libertação, que costura tempo próprio, extraído dos grãos de película, de fotogramas envelhecidos e frames do suporte digital. "Não quero tratar de fatos históricos. Faço percurso de reconhecimento, não linear, fragmentado. É minha tentativa de ver nessas imagens algo mais, de descobrir seu segredo".

Após a sessão, críticos e diretores de cinema dividiram seu entusiasmo. "Eu adoro esse filme. É cinema de risco, ninguém sai incólume. Uma pérola de sensibilidade. As pessoas classificam o cinema brasileiro de um jeito ou de outro e Paula numa contramão absurda, de novas apreensões, como poucos conseguem fazer no Brasil", disse Lírio Ferreira. "É um poema escrito em linguagem audiovisual. O filme é dela,mas ali está o espírito de Glauber. Ele recorre ao espírito épico para abordar uma pessoa que viveu uma espécie de epopeia, mas como um anti-herói ", disse Celso Marconi.

"Ela construiu filme pessoal, plástico, bonito e emocionante. Não é um filme sobre Glauber, mas sobre uma mulher que vai em busca de uma memória perdida. É uma ode à saudade do homem com quem ela viveu", disse Marcelo Gomes, que encontra no filme de Paula paralelos com seu último longa (com Karim Ainouz) Viajo porque preciso, volto porque te amo. "Os dois tratam de viagem e deslocamento, com personagens tentando ressignificar o sentimento que tem por outra pessoa e uma observação do mundo muito particular".

Em tempo: o Cineclube Dissenso aproveita a ocasião e exibe amanhã, às 14h, dois outros filmes de Gaitán: o curta Kogi e o longa Vida. Entrada franca.

(Diario de Pernambuco, 05/02/2010)
* com acréscimos

Um comentário:

Anônimo disse...

uhum agora sim!