sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Visões da elite brasileira



Em pleno trânsito por festivais do mundo, o documentário pernambucano Um lugar ao Sol, de Gabriel Mascaro, estreia hoje no Cinema da Fundação. Por enquanto, é a única sala do Brasil a exibir este filme corajoso e necessário. Primeiro, porque Mascaro enfrenta essa espécie de pudor que o cinema nacional tem em abordar a elite e seu imaginário. Segundo, porque ao abrir esse canal, expõe o que há de distorcido e inabalável nessa realidade construída a centenas de metros do chão, cujas convicções se traduzem na imagem-síntese de uma coluna de concreto cravada nas fundações de um edifício, logo no início do filme.

Do Festival de Cartagena, Colômbia, onde onde participa com o longa, Mascaro conta quais motivações o levaram a realizar Um lugar ao Sol. "Percebi uma quase que absoluta ausência de produção de conteúdo audiovisual documental brasileiro que inferisse sobre grupos privilegiados socialmente. Isso me tomou como desafio. Numa segunda premissa, percebi a velocidade que a paisagem urbana no Recife vem se transformando nos últimos anos. Eu poderia também refletir sobre o triunfo dessa arquitetura vertical que hoje é lida no imaginário brasileiro como sinônimo de 'morar bem'".

Para chegar às oito histórias coletadas no Recife, Rio de Janeiro e São Paulo, Mascaro e equipe consultaram um livro com o nome e endereço de 125 donos de coberturas. Sozinhos ou acompanhados pelos familiares, eles tentam traduzir em palavras seu cotidiano. Uma mulher que mora em frente a um morro do Rio de Janeiro descreve a troca de tiros como algo lamentável, mas colorido e bonito de assistir à noite, um espetáculo que batizou de "luzes flamejantes". E que certa vez alguém foi morto na esquina do condomínio, mas eles nem ficaram sabendo porque estão a um quilômetro de altura. Outra personagem diz que é um alívio não ouvir o barulho de panelas e empregados na cozinha, como se não estivessem lá. "Graças a Deus", "agir na hora certa" e "muita luta" são palavras usadas para justificar seu modo de vida.

"Não há como pensar o triunfo do modelo vertical para fins residenciais no Brasil sem pensar a violência e a insegurança. E esta possibilidade de leitura talvez complemente este debate internacional e interesse sobre as questões sociais no Brasil. Acho que é a primeira vez que o documentário brasileiro tem 'set de filmagem' numa cobertura de classe média alta. O filme gera essa curiosidade inerente àquilo que é distante, alto, desconhecido". Depois de Cartagena, Um lugar ao sol viaja para Miami (EUA), Toulouse (França), Málaga (Espanha), Lisboa (Portugal), Bangkok (Tailândia) e Montevidéu (Uruguai).

Para Mascaro, a carência de filmes sobre a elite gerou um problema de apreciação do documentário. "As pessoas esperam um documentário que seja uma representação sólida dessa 'elite'. E Um lugar ao Sol não se propõe a isso. O tema da arquitetura está no filme mas as pessoas não são uma massa de cimento homogêneo possuidor de uma voz de classe totalizante. É um filme de encontro, que se estabelece a partir de um contato com alguns sujeitos singulares".

(Diario de Pernambuco, 26/02/2010)

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