quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Heroínas dos quadrinhos

Se há poucos corajosos que fazem história em quadrinhos em Pernambuco, a parcela feminina dentro desse universo é ainda menor. Desenhistas que atuam no ramo dizem que o preconceito existe como em qualquer outra profissão.

"É engraçado pensar que, se o universo dos quadrinhos em si já é alvo de preconceito, sofrer preconceito dentro dele se torna redundância", diz Roberta Cirne. O maior entrave, no entanto, são as limitações do mercado local e nacional. "Não existe profissionalização aqui em Pernambuco. Em São Paulo você encontra escolas especializadas, mas aqui não. Ou você aprende sozinho e tenta um agenciamento ou não cresce. Publicações, só independentes ou por meio de projetos culturais", diz Danielle Jaimes.

Roberta e Danielle acabam de entregar à gráfica o projeto AfroHQ, sobre a influência africana na formação da cultura brasileira, com texto do professor Amaro Braga. O livro deve ser lançado em maio. "Contamos a saga dos negros desde o surgimento dos povos africanosaté a atualidade, através das vozes dos Orixás, que são os personagens principais", diz Danielle.

A primeira parceria a quatro mãos rendeu a HQ Passos perdidos - História desenhada, série em dois volumes que aborda a presença judaica em Pernambuco; a segunda, publicada em 2009, é sobre os heróis da Restauração Pernambucana. Os projetos contaram com roteiro de Braga e patrocínio do Funcultura. Outros dois projetos focados na história do Recife aguardam aprovação da Fundarpe.

No front independente, Michelle Ramos não chega a pegar no pincel mas seu trabalho é 100% ligado aos quadrinhos. Além de roteirista e pesquisadora do tema, ela mantém há cinco anos o site Zine Brasil, que em 2009 ganhou prêmio de melhor publicação sobre quadrinhos da internet brasileira pelo site especializado Bigorna.net.

Em termos de mercado, a situação não é das melhores e extrapola questões de gênero. "Não creio que haja pouco espaço para as mulheres. Fazer quadrinhos ou não é uma questão de escolha, deafinidade", acredita a desenhista Simone Mendes. Ela diz que a demanda por ilustrações tem sido bem maior do que por quadrinhos. Estes, Simone produz por gosto, pois ganha a vida como free lancer de ilustrações para livros e revistas como Bravo! e Capricho. "Os quadrinhos são uma maneira a mais de criar e expor ideias".

Entrevista // Roberta Cirne: "O mercado brasileiro é extremamente fechado"

Como você se tornou desenhista de quadrinhos?
Desenho desde pequena. Tive uma tia artista plástica que me incentivou, além de meus pais, que compravam quadrinhos da Disney, Luluzinha, Bolinha e de super-heróis como Superman, Batman. E desde pequena já criava HQs com personagens meus dos outros. Até tentei seguir outras carreiras como a advocacia, porém a vocação foi mais forte. Para mim, quadrinhos é um chamado, uma necessidade e um prazer.

Por que há poucas HQs produzidas por mulheres?
Existe um preconceito arraigado, não só a quadrinhos, mas a diversas profissões classificadas como de predominância masculina. Assim como há poucas leitoras de quadrinhos, justamente pelo mercado direcionado ao leitor que consome regularmente, salvo poucas exceções. No Japão, por exemplo, como o mangá se dirige a diferentes públicos, há um fomento de artistas destes nichos, gerando quadrinhistas de diversas faixas etárias e conceitos. No Brasil somos poucas por não contar com leituras direcionadas. Se uma leitora de HQ foraté a banca, é provável que ache poucas coisas de seu interesse.

O predomínio de temáticas de ação e violência nas HQs seria uma justificativa para o número reduzido de leitoras e de quadrinistas mulheres?
Há vários fatores, que vão desde comportamento e padrões sociais até mesmo mercado e lei de oferta e procura que definem o público leitor de HQs no Brasil. As próprias editoras não investem em novos leitores, já sendo difícil manter os antigos face às novas possibilidades oferecidas pela internet. Na maioria das vezes, o que chega às bancas e livrarias refletem o mercado nacional, que lucra mais revendendo quadrinhos americanos, pois para isso pagam apenas os direitos de reprodução.

Como você vê o mercado local, em termos de possibilidades de publicar, formação de público, profissionalização do setor?
O mercado brasileiro é extremamente fechado às publicações locais, salvo exceções. Houve várias tentativas de incentivo ao mercado de quadrinhos nacionais, podemos citar a Editora Escala, que criou um selo de publicação de novos talentos, mas infelizmente nada vingou. Posso parecer pessimista, por um lado, mas é uma questão mercadológica, do que vende e do que não vende, e quanto custa para produzir. Caso haja uma mudança dessa visão, seria possível acreditar em mercado nacional de quadrinhos. Temos inúmeros talentos nacionais, que bancam seus próprios projetos, publicam coisas do próprio bolso, como o pessoal da PADA, o antigo BRADO, o grupo da Garagem Hermética e vários fanzineiros.

(Diario de Pernambuco, 24/02/2010)

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