terça-feira, 13 de outubro de 2009
Descobridor de Brasis
Um dos principais nomes da fotografia brasileira está no Recife. Thomaz Farkas, 85 anos, traz à cidade Notas de viagem, coleção de fotos realizadas numa expedição que fez pelo Rio Amazonas com o biólogo Paulo Vanzolini e o documentarista Geraldo Sarno. A exposição abre hoje, somente para convidados, na Galeria Arte Plural, onde permanece até 22 de novembro. Amanhã, às 19h, Farkas participa de um bate papo com o público, mediado por Simonetta Persichetti, curadora da exposição.
Notas de viagem consiste em 22 fotos coloridas, retiradas de um universo de 73 imagens inéditas até pouco tempo, quando a editora CosacNaify decidiu publicá-las em livro. Na Arte Plural, elas estão distribuídas nos dois andares da galeria. No térreo, é possível apreciar a paisagem amazônica e aglomerados urbanos. O uso das cores, recurso raro numa obra marcada pelo preto e branco, empresta sutileza e mistério à embarcação retratada em tons de azul crepuscular. E vivacidade à cesta carregada num cruzamento urbano, de onde saltam aos olhos frutas amarelas e vermelhas.
No primeiro andar, dedicado a retratos do povo, há o encontro com um vaqueiro que bebe água depositada numa planta, um violeiro, um trabalhador segura o machado, um senhor que carrega no mesmo ombro espingarda e varinha de pescar, a beleza de um bebê no colo da mãe, ao lado da filha. Todos demonstram dignidade. Imagens feitas a partir de um profundo respeito e o encanto de quem descobre o país com os próprios olhos.
Em seu encontro com a imprensa, Farkas se mostrou disposto e bem humorado. É a primeira vez que Notas de viagem sai de São Paulo, terra onde Farkas e família se estabeleceram em 1920, quando deixaram a Hungria e fundaram a Fotoptica, empresa fundamental para o desenvolvimento da fotografia brasileira.
O pequeno Thomaz chegou ao Brasil em 1930, aos seis anos. Como fotógrafo, começou cedo. Com nove ou dez anos fotografava os gatos da vizinhança. Graças ao conhecimento da família, aprendeu a revelar imagens naluz do sol. "Fotografei muito bichinhos e amigos. Andávamos de bicicleta, nos chamávamos "Esquadrilha invencível". O resultado era ótimo, só que eu não guardei nenhuma foto". Adulto, fez sucesso pela primeira vez com uma série de fotos de partidas de futebol no Ginásio do Pacaembu. Naquela época, já fazia parte do Foto Clube Bandeirante, formado pelos pioneiros da fotografia. No cinema, começou nos anos 50, em produções da Vera Cruz. "Ele foi um dos que romperam com o pictorialismo e inauguraram a fotografia moderna", diz Simonetta. A construção de Brasília foi outro tema que marcou sua carreira. "Para fotógrafos, deu certo. No mais, não sou antropólogo nem arquiteto para dizer se funciona".
Quando assumiu a administração, herdada do pai Desidério e os tios Adalberto e Ladislau, fundou a primeira galeria de fotografia do país e a revista Fotoptica, que fez circular o trabalho de vários profissionais. Formado em engenharia elétrica e mecânica, Farkas foi responsável pelo projeto de dois laboratórios fotográficos, um da própria Fotoptica e outro da Escola Politécnica do Rio de Janeiro. "Ele queria estudar cinema, só que estourou a guerra e ele não pode ir à Europa. Então escolheu a engenharia, que era o mais próximo do que ele queria na área técnica", conta Marli, sua companheira. Farkas diz que a engenharia influenciou sua relação com a imagem. "Queria transformar a experiência em cinema. Filmava e depois projetava para os alunos".
Quase três décadas depois da última viagem, Farkas está de volta ao Nordeste que conheceu em expedições hoje conhecidas como Caravanas Farkas, assim batizadas pelo amigo e montador Eduardo Escorel. O resultado foram 33 curta-metragens (que serão exibidos nos próximos dias na Arte Plural) e uma vasta coleção de fotografias. As viagens aconteceram entre 1964 e 1980, anos da ditadura militar. O sentido do projeto não era bater de frente com o poder. "A maior revolução que podemos fazer é mostrar o Brasil aos brasileiros. E essa foi minha trajetória. Geraldo Sarno foi meu maior companheironisso. Depois vieram outros", conta o fotógrafo, que sonha em fazer tudo de novo. "O país mudou, precisa ser redescoberto".
Se hoje imagens do povo parecem algo normal, mas até pouco tempo era algo banido da mídia. "Queríamos mostrar a vida do brasileiro. Íamos às feiras gravar com o microfone escondido. Achava coisas tão maravilhosas. Pensei que, mostrando para as pessoas, a fotografia poderia contribuir para o desenvolvimento". Quando prontos, os filmes não puderam ser exibidos nem mesmo na TV Cultura. "Apresentei ao chefe de lá, que era meu amigo, e ele disse que a censura não deixaria". Da mesma forma, suas convicções o levaram a ser dispensado como fotógrafo da Folha de São Paulo.
"O jornal hoje tem um significado social muito maior do que antes. Na parte escrita e gráfica. No fotojornalismo, há uma preocupação artística e social. No meu tempo, fotografia de gente pobre não saía em jornal. Hoje existe uma consciência social que vai além da fotografia de moda e outras coisas".
Mesmo com todas as facilidades, Farkas ainda não fotografa com câmera digital. Trabalha com as clássicas Leica e Rolleiflex. Mas vê a proliferação de câmeras digitais como algo positivo. "Do ponto de vista artístico, não acho o resultado excepcional. É algo quantitativo. Qualquer lugar com 20 pessoas, 15 têm máquina digital. Então o digital mudou a fotografia. A qualidade é um outro passo. Daí vai sair coisa".
Serviço
Notas de Viagem, por Thomaz Farkas
Quando: de 14 de outubro a 22 de novembro - de terça a sexta, das 13h às 19h; sábados e domingos, das 16h às 20h
Onde: Arte Plural (R. da Moeda, 140 - Recife Antigo)
Informações: 3424-4431
(Diario de Pernambuco, 13/10/2009)
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