domingo, 11 de outubro de 2009

Dez longos anos sem João Cabral



Na última sexta-feira completaram-se 10 anos desde que morreu João Cabral de Melo Neto. Na época, a má notícia tomou de assalto o meio literário. Quem poderia subsituí-lo no posto de maior poeta do país? Foram apontados nomes como Ferreira Gullar, os irmãos Haroldo e Augusto Campos e Décio Pignatari. Todos concordaram que, a figurar ao lado de Manuel Bandeira e Carlos Drummond, só haveria João Cabral.

A morte veio suave, aos 79 anos. O coração do poeta parou enquanto rezava, disse a segunda esposa, Marly de Oliveira, com quem estava de mãos dadas. Os últimos anos foram difíceis, marcados pela depressão e a cegueira. "Ele se lamentava da solidão, que a vida era chata, a velhice era insuportável", diz Castello, autor do livro João Cabral de Melo Neto: o homem sem alma (Bertrand Brasil), fruto de mais de 20 entrevistas entre 1991-92, quando especulava-se que João Cabral ganharia o Prêmio Nobel de Literatura.

A maior inspiração da obra de João Cabral era a terra natal Pernambuco, onde viveu a infância e parte da juventude. Nasceu nas margens do Capibaribe, rio presente em toda sua obra, como o famoso poema Morte e vida Severina. Os livros Quaderna e Educação pela pedra são considerados o auge de sua produção.

Palalelamente, fez carreira na diplomacia em países como Inglaterra, Senegal, Suíça e Honduras, onde sua filha, Isabel Cabral, é uma das funcionárias. Mas para João Cabral, a paixão pela literatura falava mais. "No Senegal ele tinha uma série de encontros privados com o romancista Leopold Senghor, presidente do Senegal, para falar sobre literatura", diz o jornalista e crítico de literatura José Castello. Na Espanha, país decisivo para seu processo de formação, conheceu artistas surrealistas. A experiência o levou a escrever o ensaio Joan Miró e poemas como Cão sem plumas. Em outro, revela o desejo de "Sevilhizar o mundo".

Nas artes, é comum que a obra subjugue o autor; no caso de João Cabral, que sua personalidade se confunda com o teor gélido, metódico e racional dos escritos. Ao contrário: o poeta adorava falar de si e seu trabalho. "Ele mesmo se dizia seco e antilírico. Mas as conversas deixaram claro que era organizado porque tinha uma convulsão interior. Ele me disse que a poesia era sua tentativa de se reprimir. Dentro desse homem sem alma havia um sujeito emocionado, cheio de temores e muito sucetível", diz Castello.

O caráter depressivo era outra característica atribuída a João Cabral, que fez mais de um poema sobre as aspirinas que tomava para aplacar as dores de cabeça. A Castello, o escritor contou que, quando pequeno, chegou a ficar internado em hospital psiquiátrico. "Os médicos diziam que ele sofria de forte depressão. Ele dizia que tinha melancolia, a mesma dos poetas do século 19. Ficava revoltado de tomar remédio. Gostava de viver, de escrever. Dizia que melancolia é como uma dor no peito. E que escrevia poesia para conter esse desamparo".

Homenagens - No Brasil, a efeméride dos dez anos sem João Cabral passou praticamente batida, sem homenagens ou novidades no mercado - a última grande reedição de sua obra foi da editora Objetiva, em 2007. Da mesma forma, eventos locais se movimentam timidamente. Na última sexta, a Bienal do Livro de Pernambuco promoveu mesa com Selma Vasconcelos e Janilto Andrade, autores dos Retrato falado do poeta e O erotismo em João Cabral. A Fliporto elegeu o escritor como principal homenageado. No mês que vem, a programação trará conferências com os especialistas Antônio Carlos Secchin e Lawrence Flores Pereira.

Na próxima terça-feira, sua obra e vida na Espanha será objeto de seminário da Fundação Cultural Hispano Brasileira, com sede em Madri, e desdobramentos em Salamanca, Barcelona e Sevilha. No evento haverá representantes do Instituto Joan Miró, da Universidade Federal do Paraná e do Instituto Cervantes de Curitiba. Em virtude do evento, uma versão em espanhol do primeiro volume dos Cadernos de Literatura, dedicado ao escritor, foi rodado pelo Instituto Moreira Salles.

(Diario de Pernambuco, 11/10/2009)

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