domingo, 18 de outubro de 2009
Hitchcock extrai lições da guerra fria
Qual seria a visão de Alfred Hitchcock sobre os anos da guerra fria? A resposta do belga Johan Grimonprez está em seu primeiro longa, Double take (Alemanha / Bélgica, 2009), fruto do cruzamento dos dois temas, já abordados pelo diretor nos curtas Dial H.I.S.T.O.R.Y. e Looking for Alfred.
Para tanto, ele desconstrói imagens antigas de TV e da filmografia do mestre do suspense, para extrair de seus poros uma versão remixada, em que a história oficial é mero ponto de partida. Um monumental trabalho de pesquisa e montagem, que aos poucos estabelece um diálogo sinistro com a plateia. O filme será exibido hoje, às 15h50, no Cinema da Fundação, como parte da programação da 2ª. Janela Internacional de Cinema do Recife.
"Se você encontrar seu duplo, deve matá-lo. Ou então, ele o matará", diz Hitchcock, em frase replicada em diferentes contextos pelo filme. Primeiro, na tese falsa de que o próprio diretor de Psicose teria sido substituído por um duplo, ou pior, um doppelganger (em alemão, clone maldito), em circunstâncias misteriosas durante as gravações do clássico Os pássaros (1963). Este "outro", interpretado pelo ator Ron Burage, conhecido sósia de Hitchcock, oscila entre o papel e a verdadeira identidade.
Aplicada à história recente, a frase se torna um princípio não-assumido, mas praticado pela corrida armamentista, em que comunistas e capitalistas se negavam como água e óleo, mas em essência se mostravam iguais na luta pelo poder. Líderes dos dois blocos são filmados em encontros sorridentes, enquanto a ameaça da bomba atômica paira no ar junto a pássaros negros que voam nas telas do cinema.
O próprio cinema, ameaçado pelo surgimento da TV, vira argumento para o jogo paranóico. A hipótese é que a TV está matando o cinema, que fechou 50% das portas. "A TV devorou o cinema, como pássaros devoram seus pais", diz o crítico, pouco depois convertido e popularizado pela série televisiva Hitchcock apresenta. Em outra passagem, ele compara a telinha a uma torradeira. "Você aperta o botão e a mesma coisa salta todo dia para fora".
Almodóvar - Coincidência ou não, às 21h20, na exibição de Abraços partidos (Los abrazos rotos, Espanha, 2009), Pedro Almodóvar retoma de alguma forma o tema de Double take.
Aqui, o homem se abriga em seu duplo como fuga psicológica de um acidente traumático, que o deixou cego e matou sua mulher (Penelope Cruz). Antes, Harry Caine era apenas o pseudônimo adotado pelo diretor de cinema Mateo Blanco (Lluís Homar) para escrever o roteiro de seus filmes. Após a tragédia, o alter ego se torna mais real do que toda sua vida e memórias pregressas.
Dado o apelo do diretor de Tudo sobre minha mãe, a sessão deve ser disputada. Abraços partidos dividiu opiniões no último Festival de Cannes e estreia comercialmente no Brasil dia 20 de novembro.
(Diario de Pernambuco, 18/10/09)
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