sábado, 3 de outubro de 2009

Gregório de ferro e flor vai para a tela



Começam hoje as filmagens de História de um valente, longa-metragem de ficção sobre o líder político Gregório Lourenço Bezerra. A produção aborda a vida do pernambucano entre 1957, quando retornou de um exílio de sete anos no Sertão nordestino, até 1964, quando foi preso pelos militares e torturado em praça pública, no bairro de Casa Forte. Hoje praticamente esquecido, o episódio foi transmitido em rede nacional de TV, o que gerou forte repercussão no país.

Dirigido por Cláudio Barroso, o filme está orçado em R$ 4 milhões e conta com patrocínio da Petrobras, BNDES, Governo do Estado, as prefeituras do Recife e Olinda e a Coopergás. A produção é de Germano Coelho, da Camará Filmes, que traz no currículo o longa Deserto Feliz, de Paulo Caldas.

A primeira locação será o Palácio do Campo das Princesas, que hoje e amanhã reviverá o golpe militar de 31 de março de 64, conturbado momento histórico marcado por protestos, mortes e a prisão de Miguel Arraes. Esta é a primeira vez que o ex-governador ganha um papel no cinema. Ele será interpretado pelo ator Edmilson Barros, que participou da série global Decamerão, a comédia do sexo. Em outra sequência no Palácio, Arraes, Bezerra e Davi Capistrano conversam na varanda, logo após reunião inédita que colocou frente a frente usineiros e camponeses, que conquistaram o salário mínimo.

Gregório Bezerra será vivido por Francisco Carvalho, ator piauiense desde 1975 radicado em São Paulo, onde fez carreira em teatro, TV e cinema. Inicialmente, o papel seria de Jackson Antunes. Depois, foi para o ator gaúcho Werner Schunemann. Até ser convocado pela produção, Carvalho confessou desconhecer a vida do líder camponês. Para compor o personagem, ele conta com o auxílio da atriz Magdale Alves, que além de preparar Carvalho, interpreta Maroca, a esposa de Bezerra. A longa entrevista e o livro de Geneton Moraes Neto no início dos anos 80 serviram de referência para toda a produção. O papel de Capistrano é de Jones Melo (Amarelo Manga, A pedra do reino), que em 1964 teve dois amigos assassinados na passeata em solidariedade a Arraes. "Levei porrada de soldado", disse Melo.

Mais conhecido pelo curta O mundo é uma cabeça, co-dirigido com Bidú Queiroz, o paulista Cláudio Barroso tem carreira em artes plásticas, cinema e publicidade. Ele conta que a primeira versão do roteiro abarcava toda a vida de Bezerra, que nasceu em 1900 e morreu 83 anos depois. "Ele participou de quase tudo o que aconteceu nesse período. Nos anos 40 foi um deputado moderno, que brigava pelos direitos dos meninos de rua, das mães solteiras, contra a destruição de favelas no Rio de Janeiro", conta o diretor que, para chegar à versão final, contou com a parceria de Paulo Caldas, Pedro Severien e Amin Stepple. "Paulo é amigo de vários anos, Pedro é de uma geração mais nova. E Stepple trouxe para o filme expressões da época".

A partir de segunda-feira, o set passa para a Zona da Mata Sul, região onde Bezerra organizou núcleos de resistência entre os camponeses e foi capturado pelo regime militar. As filmagens terminam em novembro, quando a equipe vaia Fernando de Noronha, onde o personagem foi preso por ter liderado a Intentona Comunista de 1935.

Consultoria do filho, Jurandir Bezerra
Desde o início do projeto, a equipe de História de um valente conta com a consultoria especial do filho de Gregório, Jurandir Bezerra. Aos 80 anos, ele continua o trabalho do pai como defensor das causas populares e militante do movimento Tortura Nunca Mais.

Na tarde de ontem, ele foi apresentado ao elenco do filme, do qual fazem parte Tuca Andrada, Carol Holanda, Hermila Guedes (que viverá sua irmã, Jandira), Rui Ricardo Diaz, Germano Haiut, Sóstenes Vidal, Zé Barbosa (seu alter-ego no filme) e Cláudia Maciel (que interpreta sua esposa, Dona Horquina).

Enquanto Seu Jurandir conversava com a reportagem do Diario, na mesa de um restaurante, os demais ouviam atentamente a conversa, como fosse parte da pesquisa para uma boa atuação. Ele contou sobre a emoção que foi receber o pai em sua casa, na Rua do Imperador, após sete anos de exílio no sertão. Não por acaso, essa é a sequência escolhida pela produção para iniciar o filme. Nos braços da família, ele estaria pronto para a próxima luta.

Seu Jurandir também aprovou a escolha de Francisco Carvalho para o papel de Gregório. E brinca: "A única diferença é que ele era um pouco mais alto".

Entrevista // Cláudio Barroso: "Vamos ser criticados pela esquerda e pela direita"

Como nasceu o projeto?
Ele está misturado com a minha vida. Vim pra Pernambuco em 1979, fazer um filme sobre as ligas camponesas que não vingou porque tomou outro rumo. Em 1982, fiz o curta Pedras de fogo, sobre o líder camponês João Pedro Teixeira. Em 83 fiz Margarida sempre viva, sobre a primeira presidente da federação de agricultores da Paraíba. Em 2006 resolvi escrever um roteiro sobre Gregório Bezerra, que eu conheci, tive convivência, fiz horas e horas de entrevistas.

A história de Gregório é muito forte. Qual será a abordagem?
O filme é sobre Gregório, mas aborda um momento histórico em que Pernambuco e o país viveram. Como é sobre um líder comunista, tem gente que acha que vai ser chato, ter muita conversa, mas a ideia é fazer diferente. Nos baseamos em fatos reais para construir um clima de suspense, de ação, que é algo que não faltou naquele período. A vida de Gregório era vigiada constantemente.

Como Gregório Bezerra será apresentado?
O filme quer mostrar um tipo de brasileiro que a gente vê muito pouco hoje. Que acredita em ideais, que não deixa se levar por qualquer oferta, que luta pelo acredita, independente do que pode acontecer. Não sei qual será a repercussão. Acho que vamos ser criticados tanto pela esquerda quanto pela direita e esse é o objetivo. Queremos mostrar que os problemas enfrentados por Gregório ainda estão aí.

Por que foi difícil definir o ator principal e algumas locações?
Um dos momentos do filme é a chacina da Usina Estreliana e para isso precisamos de uma grande casa de engenho. Conseguimos quatro ou cinco, mas quando explicamos qual será a cena, as pessoas dão ré. O mesmo aconteceu com atores que buscamos para viver Gregório. Quando eles leem o roteiro, sentem o peso. E ainda não encontramos a casa grande.

(Diario de Pernambuco, 03/10/09)

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