segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Sertão onírico de Gomes e Aïnouz


Chico Ribeiro, Marcelo Gomes, Ofir Figueiredo e João Vieira Jr. Diretor do longa de abertura com produtores da REC. 16.10.2009 (foto: Rodrigo Pessoa)

A estreia pernambucana de Viajo porque preciso, volto porque te amo, de Marcelo Gomes e Karim Aïnouz, teve forte significação para o público que compareceu à noite de abertura da 2ª Janela Internacional de Cinema do Recife, na última sexta-feira.

Mas não só para a plateia, que certamente voltou para casa com muito o que digerir. Foi especial também para Gomes, que começou sua carreira naquele mesmo Cineteatro José Cavalcanti Borges, onde hoje funciona o Cinema da Fundação, e há 20 anos sediava o cineclube Jurando Vingar. "Aqui é minha casa", disse Gomes, a uma sala com gente sentada até na escadaria.

O filme - que ganhou sessão extra na tarde de ontem - é de longe o mais experimental da carreira da dupla de cineastas, marcada por pérolas como Cinema, aspirinas e urubus (Gomes, com colaboração de Aïnouz) e O céu de Suely (Aïnouz, com colaboração de Gomes). Apesar da lotação, durante a sessão não se ouviu um ruído sequer além dos que saíam das caixas de som. Na plateia estavam vários realizadores, de iniciantes a veteranos, e pessoas ligadas a demais atividades do audiovisual. E jovens, muitos jovens, cujo silêncio deu a entender que sabiam exatamente o que estavam procurando.

Todos estavam atentos à narração de José Renato (Irandhir Santos), geólogo que parte para o Sertão com a missão de descobrir o lugar ideal para a passagem do canal que fará a transposição das águas do São Francisco. Ao longo da jornada, ele conversa com seu amor, Joana, que ficou em Fortaleza. A dor da separação aos poucos se espalha em imagens que choram cores e sangram luz. Estamos de volta ao Sertão existencial e onírico de Gomes e Aïnouz, que costuram linguagens de forma radical, sem medo de errar. Cada um tem o seu.

Objetivamente, trata-se de uma costura aparentemente sem conexão - algumas documentais e outras que beiram a abstração - unidas pela voz do narrador-personagem, que nunca aparece em cena. Na subjetividade deste protagonista reside a matéria cinematográfica, o extrato que conduzuma delicada história de alguém que fecha os olhos e vê paisagens da amargura e desamparo.

Após a exibição, Gomes, Irandhir e os músicos do grupo Chambaril (que assinam a trilha sonora) conversaram com o público. Gomes disse que sua busca é fazer cinema de invenção: filmes baratos e que procuram novas formas de contar uma história. "Queremos investigar a feitura do cinema. Por exemplo, será que precisamos ver o ator para nos emocionar?". No dia seguinte, durante conversa com jovens realizadores convidados pelo Janela, falou sobre estratégias de exibição alternativa em escolas e outros espaços, que não a sala de cinema. Nestas, disse que seria melhor que seu filme fosse exibido em poucos horários, com mais tempo em cartaz.

Antes da projeção de Viajo porque preciso, pensando no ritmo lento do filme, Gomes pediu paciência ao público. Nem foi preciso. O pedido deveria ser transferido para Politist, adjetiv (Romênia, 2009), novo longa de Corneliu Porumboiu (A leste de Bucareste), que muito bem pode ser resumido na palavra "estranho". Pois, ao contar a história de um agente que espiona três adolescentes que fumam haxixe no fundo do pátio da escola, o diretor contraria a agilidade dos filmes de investigação policial hollywoodianos e testa a resistência do público com longos planos de situações triviais, com especial apreço por corredores, escadarias e calçadas, registrados de forma interminável, como se a elipse não existisse como recurso cinematográfico.

Força dos curtas - Porção majoritária da programação (são mais de 140 em exibição), os curtas apresentados pelo festival Janela confirmam a clara função do formato em oxigenar a produção de filmes. Na noite de abertura, foi apresentada uma prévia do que virá ao longo da semana. A animação Cão tarado (Horny dog, EUA, 2009), de Bill Plympton, é mais um episódio da série indicada ao Oscar. O curta faz parte do programa Amor, Perdas e Danos, que será reprisado amanhã, às 20h, no Cinema Apolo (Bairro do Recife). O programa inclui Noche adentro (Paraguai/Argentina), de Pablo Lasmar (um dos convidados do festival), exibido na semana da crítica em Cannes.

98001075056 (SP, 2009), de Felipe Barros, é um ensaio/experimento de linguagem sobre memória e exploração do espectro de cores, disponível quando fotografias antigas se dissolvem na água. Ele figura no programa Eu Me Lembro, reprisado hoje, às 18h, no Apolo, junto com A montanha mágica, de Petrus Cariry, Três tabelas (SP, 2008), de Tatiana Azevedo, As sombras (SP, 2009), de Juliana Rojas e Marco Dutra, Olhos de ressaca (RJ, 2009), de Petra Costa (melhor curta do Festival do Rio) e Minami em Close Up - A boca em revista, de Thiago Mendonça.

Este último conta a história de Minami Keizi, editor da revista Close Up, que serviu de porta voz do cinema Boca do Lixo. Nos anos 70 produziu filmes de baixo orçamento, estética questionável e grande bilheteria, responsáveis pela marca quase indelével de que cinema nacional tem que ter cena de sexo. "Era um cinema autônomo, feito sem apoio do governo ou leis de incentivo, onde prostitutas viravam atrizes, atrizes viraram prostitutas e que, em apenas um ano, produziu 104 filmes", diz um dos participantes do movimento.

(Diario de Pernambuco, 19/10/2009)

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