domingo, 11 de outubro de 2009

A angústia da miséria em "Garapa", de José Padilha



O que há de atraente na fotografia em preto e branco granulada de Garapa (Brasil, 2009) logo se esvai na contundência de suas imagens. Tour de force pelo mundo daqueles que passam fome, o documentário de José Padilha (Ônibus 174, Tropa de Elite) é tão desprovido de recursos quanto as três famílias cearenses por ele apresentadas. Como num teste de resistência, o longa mostra tudo aquilo que as pessoas sabem que existe, mas ninguém quer olhar. Muito menos experimentar, nem que seja durante seus 110 minutos de duração. Para ter uma ideia, na sessão que a reportagem do Diario acompanhou, apenas 15 pessoas compareceram. Destas, cinco deixaram a sala antes do final do filme.

Mas o que torna Garapa um desafio ao espectador? Moscas se emburacando nas feridas de uma criança? O close em dentes cariados na boca dos mais crescidos? A luta da mãe para criar a família na base de papa de farinha? A indiferença do pai bêbado, que não se importa em gerar mais um filho, pois "Deus dará" o que for preciso?

Sem soluções ou porquês à vista, tudo converge para a angústia de que nada pode mudar essa situação. Nesse confinamento que beira o insuportável se revela a principal intenção de Padilha - a de provocar uma reação puramente emocional na plateia. Público que, ao longo da projeção, está condenado a testemunhar um Big Brother às avessas. Não um desfile de corpos bronzeados e bem alimentados, mas pálidos e subnutridos. A se acotovelar não pelo prêmio de 1 milhão, mas por um punhado de leite em pó e os R$ 50 mensais do bolsa-família. Necessário contraponto, frente a euforia pela eleição do Brasil como sede da Olimpíada.

Ao fim da projeção, algumas estatísticas dão o escopo intelectual a possíveis espíritos dilacerados: segundo a FAO (órgão da ONU dedicado à alimentação), quase um bilhão de pessoas passam fome no mundo e 1.400 crianças morreram de fome durante aquela sessão do filme. O que coloca o público médio na difícil posição de sentir culpa ou não por ter investido R$15 em um combo de pipoca com refrigerante.

No Recife, Garapa está em cartaz na Sessão de Arte do Kinoplex Casa Forte (hoje, às 12h10), Multiplex Tacaruna (amanhã, às 19h) e Multiplex Recife (quarta, às 19h, seguido de debate).

(Diario de Pernambuco, 11/10/2009)

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