domingo, 24 de abril de 2011

O incansável Chico Diaz



A média é de quase dois filmes por ano: são 55, em 29 anos. “Até agora”, diz o incansável Chico Diaz. Da estreia em As aventuras de um paraíba (1982) a O sol do meio dia (2010), de Eliane Caffé, podemos citar papeis memoráveis, como o açougueiro Wellington Canibal, vítima do assédio de Dunga (Matheus Nachtergaele) em Amarelo manga (2003).

Como o professor Paulo, protagonista de Praça Saenz Peña (2009), ganhou o prêmio de melhor ator no Cine PE - Festival do Audiovisual. Foi a segunda estatueta concedida pelo festival - a primeira foi em 1998, por Múcio, o pistoleiro de Os matadores.

Uma trajetória e tanto, que será reconhecida em homenagem na próxima edição do Cine PE. A aproximação com Pernambuco, aliás, rendeu bons momentos de sua carreira. Começou com o curta Cachaça, de Adelina Pontual, que o levou a Baile perfumado, Amarelo manga e Deserto feliz. Entre os projetos novos está o longa O último animal, do diretor português Leonel Vieira, que deve iniciar as filmagens em agosto, no Rio de Janeiro.

Enquanto isso, Chico cuida de seu monólogo, A Lua vem da Ásia, onde versa sobre razão e loucura através de Astrogildo, um aluno que mata o professor de lógica. A peça, que já passou por Brasília, Rio e São Paulo, rendeu elogios da presidente Dilma. Na entrevista a seguir, é o próprio artista quem conta essa história.

Entrevista // Chico Diaz: "A pátria artística que me fez é nordestina"

Você nasceu no México. Como veio para o Brasil
Sou brasileiro nato, pois minha mãe nos registrou na Embaixada do Brasil. Morei na Costa Rica, Peru, Estados Unidos, com férias em Ribeirão Preto e Assunção, no Paraguai, país de meu pai. Ele trabalhava na OEA, de onde se explica esse périplo pelos países e o fato de meus irmãos terem outras naturalidades. Em 1968 chegamos no Rio de Janeiro, de onde, com exceção de meu pai, nunca mais saímos.

Como foi a sua formação?
Fiz arquitetura, porque naquele tempo ser artista era coisa de maluco. Hoje em dia isso é uma bela credencial, apesar de não querer dizer nada. A não ser que você tenha realmente algo para dizer, e para isso você tem que saber ficar calado. Pode parecer paradoxal mas é assim que vejo.

Por que você decidiu ser ator?
Não sei te dizer ao certo. Naquela época, havia sombras silenciosas, gente apanhando e sumindo, as ideias eram veladas e me parecia que a arte, a alegria, o lúdico e a imaginação poderiam ser mais interessantes na medida que congregava as pesssoas.

Como foi o começo?
Em um colégio, o Souza Leão, apareceu um fiscal de disciplina chamado Carlos Wilson, vulgo Damião, que era ator de O Tablado e desencaretou o fazer teatral na Zona Sul. Fundamos um grupo com pretensões circenses chamado Manhas e Manias, com José Lavigne, Andréa Beltrão, Débora Bloch, Pedro Cardoso. Foi minha verdadeira escola, pois faziamos tudo. Por ali mesmo houve possibilidade de participar de O sonho não acabou, de Sérgio Rezende. Daí o vento foi um só, generoso e cálido.

Baile perfumado completa 15 anos e também será homenageado no Cine PE. Que lembranças você guarda do filme?
Da garra, da inteligência e da vontade de se fazer, independentemente de como. Me lembrou muito os tempos do Manhas e Manias. Me lembro do convite sendo feito e me lembro do Cláudio Assis por ali, assuntando possibilidades futuras. Já havia um embrião do que é o cinema pernambucano hoje, com seu vigor e fúria. Fiquei muito orgulhoso quando vi o Baile ganhando prêmio no Festival de Brasília.

Qual sua opinião sobre o cinema feito em Pernambuco?
Sem dúvida é dos mais interessantes no Brasil. Não só o cinema, mas tudo o que diz respeito às artes. Pena é não poder aprender mais com vocês, pois a vida impede. Mas minha admiração é tremenda. Aliás, dizem que sou mexicano, mas eu digo a pátria artística que me fez é nordestina.

Você tem uma longa história com o Cine PE, onde já foi premiado duas vezes. Que lembranças você guarda?
Foram momentos de reconhecimento e gratidão, porque as pessoas acham que é fácil ter um diagnóstico sobre determinado personagem e, consequentemente, sobre sua gente. Mas, se o personagem não representa ninguém, perde a força. As pessoas dizem que nós, atores, representamos personagens. Mas, se eles não representarem a gente, não há porque fazê-los. O corte tem que ser dado ali na raiz, aonde o personagem se torne representativo.

Certa vez Paulo César Peréio disse que faz filmes por identificação com o cinema, porque dinheiro ele ganha com publicidade e TV. Como você vê essa relação?
Acho importante o ator ter curiosidade e se garantir em todas, pois para cada uma existe demanda. No teatro temos os deuses ali perto, os verdadeiros deuses em frente à plateia, sem rede de proteção. Na TV, os deuses são outros e lidamos com ritmo industrial e visibilidade continental, é o olho do furacão. E o cinema exige um conhecimento técnico profundo, aonde a espera e discussão são grandes, sabe-se lá quando o filme vai ficar pronto. Sou muito agradecido a ele, pois nas horas mais duras ele me pegou e levou para uma locação e fez humildemente reconhecer o caminho e a estrada necessárias que me trazem agora ao Recife.

Como tem sido a experiência com o monólogo?
Não poderia ser melhor, pois é fruto de uma ânsia de liberdade criativa que consegui realizar. Uma espécie de graduação, da qual muito me orgulho. A solidão dos dias que correm, a nossa condição no mundo, o tênue limite entre lucidez e loucura, consciência e inconsciência, liberdade e prisão, presentes no texto tem feito com que as pessoas se identifiquem, questionem e reflitam. Isso para mim é o bom teatro.

Na estreia do espetáculo, você foi recebido por Dilma no Planalto. Depois ela o visitou no camarim. O que foi dito nos encontros?
No Planalto Saudamos o teatro, o cinema, as artes em geral e suas impressões sobre a obra de Campos de Carvalho. No teatro falamos sobre a excelência do texto e adequação aos dias de hoje, apesar de ter sido escrito em 1956. Ela já conhecia o autor e gostou demais do que viu, o que me deixou muito orgulhoso e feliz.

(Diario de Pernambuco, 24/04/2011)

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