sábado, 2 de abril de 2011

A carne fresca do hermano



Não é novidade que o cinema argentino vive ótima fase e o ator Ricardo Darín é seu principal rosto. Antes mesmo da consagração de O segredo dos seus olhos, ele já vinha fazendo um trabalho notável em filmes como Kamchatka, Clube da lua e XXY. Portanto, nada de novo. Em Abutres (Carrancho, 2010), em cartaz no Cinema da Fundação, no Derby, temos um Darín em modo áspero.

Dirigido Pablo Trapero (Família rodante), o filme reafirma argumentos a favor de uma cinematografia que muito tem a nos ensinar. O principal, o de que é possível fazer cinema ´de gênero` derivado da matriz norte-americana, sem que o resultado seja um subproduto de Hollywood. Não é a toa que o longa foi o candidato oficial da Argentina para concorrer ao Oscar.

Mesmo que se movimente em clichês bem definidos, este tour de force noturno sobre a exploração de acidentados no trânsito de Buenos Aires transpira verdade. Primeiro, a de filme-denúncia, que desvenda a engrenagem de um sistema criminoso formado por médicos, advogados e policiais. Tudo é explicado passo a passo, enquanto os casos acontecem. Do atropelamento ao hospital, da abordagem hipócrita de impostores supostamente bem intencionados à briga pela fatia maior da indenização.

Depois, o filme assume a forma de ´plantão médico`, em que a câmera gruda na ambulância, recolhe atropelados e se movimenta com maestria para a sala de emergência. No meio dessa adrenalina, Luján (Martina Gusman) conhece Sosa (Darín).

Ela é médica idealista em hospital público equivalente ao nosso SAMU, onde trabalha com devoção insone. Ele é um ´abutre`, como são conhecidos os advogados que se aproveitam da ignorância das vítimas ou seus parentes sobre o quanto podem ganhar de indenização pelos acidentes.

São condições adversas para começar um romance e é exatamente isso o que fazem. Sosa está apaixonado e cansado da vida de trapaceiro, mas seu chefe se recusa a liberar alguém com sua capacidade de convencimento. A tensão libera uma nova e definitiva identidade para a narrativa, que se assume como filme de gângster. O sangue vem de todos os lados e ainda assim o casal planeja escapar do jugo dos chefões da máfia e seus capangas sebosos.

O visual regado a luzes artificiais de escritórios e ambientes sujos ajudam a construir a dura realidade de um mundo cão, que se resolve na porrada. Se as coisas são como o filme mostra, muita gente deveria estar presa. Enquanto cinema, a experiência é de tirar o fôlego.

*no Recife, Abutres está em cartaz desde sexta no Cinema da Fundação

(Diario de Pernambuco, 02/04/2011)

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