quarta-feira, 27 de abril de 2011

15 anos do maior palco do cinema nacional



Às vésperas de completar uma década e meia de vida, o Cine PE - Festival do Audiovisual se afirma, como poucos, como evento capaz de popularizar o cinema. Ele é o maior palco da retomada do cinema nacional, no sentido de que atrai gente que de outra forma jamais iria ao cinema. Democrático talvez seja o adjetivo que melhor o define, pois formou uma plateia que de fato é a maior e a mais heterogênea do país.

Anunciada para o fim do mês, sua 15ª edição pode ser a maior de todas. Em boa parte porque o grande homengeado será o Rei Pelé, cuja presença inesperada em evento de cinema mobilizou TVs internacionais, como a italiana RAI e a árabe Al-Jazira, que prepara documentário sobre os 70 anos do craque do futebol. Além disso, homenagens a Wagner Moura, Camila Pitanga e Chico Diaz devem garantir lotação do Teatro Guararapes.

E o que é o Cine PE senão o Maracanã dos festivais? Tudo nele é superlativo, do jeito que o pernambucano gosta. Desde que começou, foram mais de 750 filmes exibidos, um público de 300 mil pessoas, além de 322 artistas e 536 jornalistas convidados. Quinze anos não são 15 dias.

Segundo o diretor do Cine PE, Alfredo Bertini, a ideia para este ano seria lançar Chatô, o filme-lenda de Guilherme Fontes, em produção desde 1996. ´Nos encontramos duas vezes no Rio. Ele disse que o filme está pronto mas depois que precisa de mais dinheiro para terminar`. Sai Chatô, entra O rochedo e a estrela, de Kátia Mesel. O projeto, que começou a ser desenvolvido em 1998 e rodado em 2004, em quatro países, trata da trajetória dos judeus expulsos de Pernambuco pelos holandeses até a fundação de colônia na futura Nova York. Finalizado em 35mm, ele deve ser o único longa pernambucano a figurar na programação deste ano. Ou na oficial ou na Mostra Pernambuco, dias 28 e 29 no Cinema da Fundação.

O júri oficial de longas já está nomeado. Será composto por Amir Labaki (diretor do festival É Tudo Verdade), o cineasta Joel Zito Araújo, o fotógrafo argentino Hugo Kovensky, o ator Marco Riccae a produtora Cleria Bessa. Quanto ao júri popular, após suspeita de fraude nos votos eletrônicos do festival passado, um novo método será colocado em prática: será formado por cerca de 60 pessoas, escolhidas a partir de uma amostragem de público do festival.

A programação completa será anunciada na próxima terça à noite, em evento no Rio de Janeiro. Sim, o Cine PE deve ser o único festival do Brasil a ser lançado em outro estado. Apesar de no ano passado o evento ter coincidido com a tempestade que arrasou a capital carioca, diz Bertini, a repercussão foi ótima. ´Nossos principais patrocinadores do evento, a Petrobras e o BNDES, estão lá. Além disso, o Rio é a principal referência do audiovisual`.

O ímpeto de internacionalizar o Cine PE, que já rendeu a presença dos diretores Fernando Solanas e Costa Gavras, se materializa este ano numa mesa de co-produção Brasil/Itália. Descendente de italianos, não é de hoje que Bertini quer trazer o diretor Giuseppe Tornatore ao Cine PE e fazer conexões com o Festival deVeneza. ´Não vai ser desta vez, mas haverá produtores e um 'grande artista' vindo aí`.

Um pouco de história - Não deve ser coincidência o fato de Baile perfumado, o início da atual boa fase do cinema pernambucano, completar 15 anos junto com o Cine PE. Agora ele volta ao evento como homenageado, em cerimônia de encerramento, no dia 6 de maio.

´No primeiro ano não teve nem competição, foi uma mostra. A ideia foi fazer pequeno, como tantas outras mostras no Brasil. Fiz a programação sozinho. Não pensei que fosse ter a dimensão que ganhou`, diz Alfredo Bertini. ´O Baile ajudou muito, era o primeiro filme da 'terra' após muitos anos. Quando acabou, deu pra imaginar um festival maior no ano seguinte. Embora tivesse planejado para continuar no Cine São Luiz, tinha vislumbrado um evento maior`.

Anos antes, Bertini havia visitado o Festival de Gramado e teve a ideia de fazer algo semelhante no Recife, que conciliasse cinema, celebridades e turismo, como também fazem os festivais de Cannes e Veneza. ´Fiquei impressionado com Festival de Gramado. Até que uma TV de Porto Alegre me entrevistou e perguntou porque não havia um festival de cinema em Pernambuco. E pensei que a ideia era muito boa`.

A sessão de Central do Brasil, que tinha acabado de chegar premiado do Festival de Berlim, foi decisiva para o evento consolidar a fama de maior do Brasil. A mudança para o longínquo Teatro Guararapes se deu porque, às vésperas do evento, o grupo Severiano Ribeiro disse que não poderia manter as datas no São Luiz para prolongar o tempo de exibição de Titanic. ´Foi uma ação ousada. O desafio foi fazer no Guararapes, que nunca tinha recebido eventos de cinema, porque não era um local adequado, como não é até hoje. Mas conseguimos domina-lo tecnicamente`, conta Bertini. E o resto é história.

Um dos maiores do país - No panorama dos festivais fora do eixo Rio-São Paulo, o Cine PE figura entre os principais do país. No entanto, é comum ouvir críticas à qualidade de sua programação, principalmente, a de longa-metragens.

´Os realizadores independentes querem guardar seus filmes para estrear em Cannes, Berlim e Veneza. Depois não consegue colocar o filme no circuito e fica por isso mesmo. E os distribuidores de filmes comerciais evitam festivais porque temem a má recepção da imprensa`, explica Bertini. ´Digo que isso é uma bobagem, pois em algum momento a imprensa vai assistir aos filmes, mas não adianta. Ano passado só consegui O bem amado por causa de Guel, que não queria ser homenageado sem o filme. E Quincas Berro D'Água foi exibido na véspera de sua estreia`.

O problema não é só do Cine PE. Outros festivais do mesmo porte sofrem sintomas parecidos. Em busca de soluções, representantes de Paulínia (SP), Gramado (RS) e Brasília se reunirão durante o Cine PE. ´A minha sugestão é que os filmes que usam dinheiro público devem ser exibidos pela primeira vez no Brasil. Se a Petrobras e o BNDES patrocinam o festival, porque não posso passar os filmes patrocinados por eles? Hoje estamos baseados na relação que temos com diretores e produtores. Neste ano, um deles contrariou a determinação dos distribuidores e trouxe seu filme para o festival`.

Um festival de elogios e críticas

"Uma 'entidade' como o Cine PE, que existe há 15 anos com a qualidade da programação e a presença de um público expressivo e devoto, merece todo o nosso reconhecimento por seus benefícios prestados à cultura cinematográfica do nosso país. Parabéns pelo exemplar trabalho de toda a equipe. "

Fernanda Montenegro, atriz

"Desejo longa vida ao Cine PE. Tive a felicidade de participar de algumas sessões para o público caloroso que lota a sala de exibição. De fato, é uma experiência única ver tanta gente saboreando nosso cinema. Muita sorte para o Cine PE em seu aniversário de debutante! "

Selton Mello, ator

"Cine PE? Um festival de cinema que parece de rock, tamanha é a empolgação com que o público participa. Um festival que é o carnaval do cinema, um autêntico final de campeonato, um exemplo real de que o cinema brasileiro é uma das paixões nacionais. "

Guel Arraes, diretor de cinema e TV

"É inegável a contribuição do Cine PE para o fortalecimento da cultura cinematográfica no Recife. Tem como pontos positivos a realização de cursos, oficinas e seminários sobre políticas para o audiovisual. E sobretudo é um espaço privilegiado para os curtas. Quanto aos longas, infelizmente, o festival a cada ano vem se revelando um fiasco. Com exceção de um ou outro filme, a maior parte é composta por documentários enfadonhos e filmes de ficção medíocres. Não é novidade entre críticos e cinéfilos o questionamento dos critérios (ou a absoluta falta deles) para a seleção. O público também percebe isto. Tanto que muita gente abandona a projeção e prefere badalar na praça da alimentação."

Alexandre Figueiroa, professor e crítico de cinema

"Esperamos que o Cine PE continue a crescer com maturidade e bases firmes. O cinema pernambucano é reconhecido como um cinema inovador, criativo, de vanguarda. Por isso, talvez chegou a hora de rever o valor da Mostra Pernambuco, que deveria ser vista não só pelo grande público mas também pela imprensa especializada, profissionais de difusão e de festivais nacionais e internacionais. Também acho que a seleção nacional de curtas deveria ser feita a partir de outros critérios além da descentralização regional. Também acho que não deveria haver diferenças entre curtas digitais e 35mm. Eles poderiam se dividir entre ficção, documentário e animação."

Cynthia Falcão, documentarista

"Assim como o cinema pernambucano cresce, o Cine PE se consolida como janela de exibição para curtas e longas brasileiros que muitas vezes não chegam às salas de cinema. Mas esta potencialidade se dissolve porque não provoca uma discussão que contemple debates abertos ao público. Há ainda, a falta de premiação em dinheiro e a falta de um mercado de vendas e negociações de filmes. Desta forma ficamos numa eterna festa, que passa sem que fique algo de concreto para a formação audiovisual dos pernambucanos. "

Jura Capela, cineasta

"O Cine PE é muito importante para a cidade e para o mercado cinematográfico nacional. É interessante para o público local assistir a filmes antes deles entrarem em exibição no circuito. Para mim, que programo vários cinemas, serve para ter idéia dos longas que serão oferecidos pelas distribuidoras. Muitos deles foram lançados posteriormente. A presença de profissionais e os debates incentivam todos a participarem intensamente. Cada ano tem uma importância maior que a do anterior. "

Pedro Pinheiro, programador dos Grupo UCI Ribeiro

Linha do tempo do Cine PE

1997 - Baile perfumado, o primeiro longa feito em Pernambuco após 20 anos, marca a estreia do Festival de Cinema do Recife, no Cine São Luiz

1998 - Já no Teatro Guararapes, a maior atração foi a primeira sessão de Central do Brasil, após o filme de Walter Salles ter sido premiado em Berlim. Ao lado do marido Fernando Torres, Fernanda Montenegro foi ovacionada e disse nunca ter visto um público como o do festival; Grande vencedor, o longa A ostra e o vento, de Walter Lima Jr. é até hoje uma das sessões mais emocionantes do festival. O filme ganhou quatro Calungas: melhor filme, direção, fotografia e montagem

1999 - Os destaques deste ano foram os longas Nós que aqui estamos por vós esperamos, de Marcelo Massagão (melhor filme), e Ação entre amigos, de Beto Brant (melhor diretor)

2000 - Em sessão memorável, O rap do pequeno príncipe contra as almas sebosas, de Paulo Caldas e Marcelo Luna, encerra o festival

2001 - O ano de Bicho de sete cabeças, de Laís Bodansky, que ganhou oito Calungas e marcou a consolidação de Rodrigo Santoro como ator de cinema

2002 - No elenco de O invasor (oito prêmios), Paulo Miklos e Sabotagem cantam no palco do Teatro Guararapes

2003 - O festival passa a se chamar Cine PE - Festival do Audiovisual; com nove prêmios, Narradores de Javé, de Eliane Caffé, foi o grande destaque

2004 - O outro lado de rua, de Marcos Bernstein, traz Fernanda Montenegro de volta ao festival; Contra todos, de Roberto Moreira, é outro destaque

2005 - Com imagens inéditas de Chico Science, o curta O mundo é uma cabeça, de Cláudio Barroso e Bidu Queiroz, foi a sensação; outros curtas locais se destacam: Fuloresta do samba, de Marcelo Pinheiro, Vinil verde, de Kleber Mendonça Filho, e Entre paredes, de Eric Laurence, são premiados; o documentário Do luto à luta, de Evaldo Mocarzel, (sete prêmios) foi o principal vencedor

2006 - Seis prêmios para Árido movie, de Lírio Ferreira, inclusive o de melhor ator para Selton Mello; a animação Wood & Stock, de Otto Guerra, rende prêmio de melhor atriz para Rita Lee

2007 - Cão sem dono, de Beto Brant, é o grande vencedor; Não por acaso marca a estreia de Phelippe Barcinski na direção e a volta de Rodrigo Santoro ao festival

2008 - Nossa vida não cabe num Opala, de Reinaldo Pinheiro, é eleito o melhor filme

2009 - Diretor grego Constantin Costa Gavras é convidado de honra; Documentário Alô, alô, Terezinha!, de Nelson Hoineff, e Praça Saens Peña, de Vinícios Reis, dividem os Calungas; Superbarroco, de Renata Pinheiro, e Muro, de Tião, são destaques entre os curtas

2010 - Laís Bodansky repete o feito de 2001 e ganha oito prêmios por As melhores coisas do mundo; os curtas Recife frio, de Kleber Mendonça Filho, e Faço de mim o que quero, de Sérgio Oliveira e Petrônio de Lorena, levantaram o público; o encerramento marca o retorno do festival ao Cine São Luiz, agora restaurado.

(Diario de Pernambuco, 27/04/2011)

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