quinta-feira, 4 de junho de 2009

O humano tratado com leveza e humor



Ao longo do tempo, o psiquiatra José Ângelo Gaiarsa desenvolveu um admirável talento: o de tratar de temas complicados, geralmente ligados ao comportamento humano, com leveza, humor e clareza. Enquanto fala, ele chama a atenção não somente pela força do discurso, como pela forma jovial e franca de expressá-lo.

Há quem o reconheça graças à TV - durante cerca de dez anos, ele apresentava todas as manhãs o quadro matinal Quebra-cabeça, transmitido pela Band. Sua carreira, no entanto, data de muito tempo antes, e já ultrapassa seis décadas de dedicação e mais de 30 livros publicados.

Aos 88 anos "e meio", faz questão de ressaltar, ele acaba de lançar A inconsciência coletiva (Ágora, R$ 51,90), em que analisa e atualiza o trabalho do psicanalista Wilhelm Reich, o criador da análise bioenergética.

Dr. Gaiarsa está no Recife e apresenta hoje a palestra Por que é tão difícil amar o próximo?. Será às 19h, no Libertas Socializante (Rua Rodrigues Sette, 80 - Casa Amarela). Inscrições custam R$ 20 e devem ser feitas pelo telefone 3441-7462.

Em entrevista ao Diario, ele trata das razões, sintomas e consequências dessa dificuldade em lidar com "o outro" e aborda temas pessoais sem muitas abstrações: sua capacidade de traduzir grandes verdades para o cotidiano continua impecável.

Entrevista // José Ângelo Gaiarsa: "Somos muito mais versáteis e precisamos desenvolver isso"

Por que "amar o próximo" é algo que fica mais no discurso que na prática?
O "próximo" é sempre algo coletivo, pois na prática ele é meu inimigo, meu competidor. Eu posso até amar o próximo, desde que ele seja sempre o mesmo. É fato que estamos todos "emoldurados", não usamos 10% de nossa aptidão de movimento. Todo mundo sabe qual o seu jeito. Se você sai dele, os conhecidos falam: "como assim?" E a paralisia que você aprendeu na infância está fadada a ser eterna.

As pessoas se sentem mais seguras quando "o outro" é sempre o mesmo...
Sim, pois é preferível ter o outro sob controle que amá-lo. A "educação" consiste em limitar movimentos. Você não faz ideia das possibilidades do nosso aparelho locomotor, a nossa capacidade de movimento é infinita. A soma de todas as danças, lutas, esportes e artes circenses é o que o corpo humano pode fazer. E a restrição de movimentos é mortífera. É ser morto em vida, virar um paspalho bem comportado, com meia dúzia de movimentos repetidos. Como duas estátuas podem se amar, ou dois bonecos articulados podem se amar, dançar, ter relações sexuais, a não ser de formas pré-estabelecidas? Somos muito mais versáteis e precisamos desenvolver isso.

Como?
Para bem amar é preciso repensar a posição machista da sociedade. Sexo para o homem começa quando ele entra na gangue, que é a pior forma de "machice". E para me aproximar de uma mulher com amor, preciso perder 80 % da minha "machice". Antes de mais nada, amar envolve um profundo respeito pela mulher. Coisa que o machão não tem nem de longe. Das inversões mais radicais da espécie humana, a maior é a opressão da fêmea. A mulher vive para manter a vida, é dona indiscutível da natureza. O melhor que o homem pode fazer é pôr-se a serviço dela. E experimentar prazeres como nunca sentiu na vida, em vez da vulgaríssima trepada. Talvez a maior revolução seja o avanço da mulher na representação social. Sempre falo de um partido das mães e de uma escola para a família. Sei que a mulher corre o sério risco de se contaminar e virar "macho". Eu espero que não, pois a mulher não é inerentemente agressiva. O macho é. Enquanto os machos dominarem o mundo, a humanidade será a catástrofe que já tem sido.

Do que trata seu último livro, A inconsciência coletiva?
Ele tem muito do Ensaio sobre a cegueira, de José Saramago. Tem a ver com não querer olhar a si, não se deixar influir pelo outros.

Qual a importância do trabalho de Wilhelm Reich, tema que o senhor desenvolve não só na nova obra, mas ao longo de sua carreira?
Podemos entender a partir da diferença entre Freud e Reich. Freud disse: "deita aí e fala. Eu não quero te ver". Após certo número de encontros, ele se sentia um pouco embaraçado de ficar diante da pessoa, pois é difícil ficar sem interagir. O jeito é só escutar. É a antecipação da psicologia pelo celular. Por sua vez, Reich começou a reparar no paciente e viu que tudo o que havia de inconsciente nele está expresso pelo corpo. E assim começou a psicologia do corpo.

O senhor ganhou fama nacional com um programa de TV bastante assistido por mães que não sabem o que fazer com seus filhos. Hoje, o que diria para essa audiência?
É difícil, não gosto de dar conselhos, pois a criança é um produto que aparece no mundo sem instruções para uso. Mas posso dizer o seguinte: seu filho não é nada do que você pensa. Ele não é bobo, não é inocente, não é ingênuo. Ele é muito esperto, muito atento, aprende dez vezes mais depressa que você. Em vez de tratá-lo como criança, o melhor que você pode fazer por ele é respeitá-lo. Isso é até mais importante que amá-lo.

Um comentário:

Anônimo disse...

tô mesmo mal:
gaiarsa em recife e eu só agora?
valeu, andré:
pelo menos mitigou...