sexta-feira, 30 de janeiro de 2009
Fantasma da crise ronda quadrinho nacional
HQ // Com o mercado em ebulição, profissionais dizem que ano será de retração, mas algumas editoras preparam surpresas
André Dib // Especial para o Diario
andrehdib@gmail.com
Há 140 anos nascia a primeira história em quadrinhos produzida no Brasil: As Aventuras de Nhô Quim ou Impressões de uma Viagem à Corte, série criada pelo italiano (depois naturalizado brasileiro) Angelo Agostini, e publicada no periódico Vida Fluminense.
Hoje, o caminho inverso foi percorrido: o artista brasileiro Rafael Grampá publicou sua primeira HQ no exterior, para depois conquistar a terrinha com Mesmo delivery (Desiderata), um dos melhores lançamentos dos últimos tempos. O trabalho de estréia rendeu prêmios, elogios e o convite para desenhar o personagem Constantine, criado por Alan Moore com roteiro do celebrado Brian Azarello.
O caso de Grampá contrasta com o espaço reservado à maioria dos autores nacionais, quase sempre espremidos entre editais públicos e a instabilidade de um mercado que investe em novos e promissores artistas, mas que pode estar entrando em recessão. A suspeita é baseada em indícios como o fechamento da Opera Graphica, que há pelo menos 15 anos publicou diversos autores brasileiros. Outros episódios preocupantes: a Conrad, uma das maiores editoras do ramo, teve parte das ações vendidas para poder seguir em frente; Cassius Medauar, responsável pelos quadrinhos da Pixel, pediu as contas ("Acabei não me encaixando mais nos planos da empresa", escreveu no seu blog); e o editor S. Lobo saiu do cargo que ocupava na Desiderata para criar a própria editora, a Barba Azul.
Para Gabriela Javier, atual editora da Desiderata, o ano será de muita cautela. "As empresas devem preferir projetos de retorno garantido, e o retorno financeiro dos quadrinhos ainda não é o mesmo que o de livros de prosa convencional. Espero que os prêmios - tanto os internacionais quanto o Jabuti conquistado pelo Fábio Moon e o Gabriel Bá pela versão em quadrinhos do Alienista - e a adoção pelas escolas públicas dessas publicações ajudem a rebater os efeitos dessa possível retração".
Indo pelo caminho inverso, a Companhia das Letras acaba de lançar o Quadrinhos e Cia, selo exclusivo para o gênero. Os planos são os melhores possíveis: ao lado das HQs Jimmy Corrigan, de Chris Ware, e American Born Chinese, de Gene Yang, serão lançados Jubiabá, adaptação de Spacca para o romance de Jorge Amado, e Cachalote, graphic novel de Daniel Galera e o Rafael Coutinho. "Acho que é um mercado novo, e há vários modelos a serem explorados. Estamos otimistas porque conseguimos uma série de títulos ótimos, porque as edições estão ficando muito bonitas. E porque acreditamos que há um público enorme que não lê quadrinhos, mas que, por inúmeros fatores, está muito mais aberto para começar", afirma o editor André Conti.
A postura otimista é compartilhada por Carlos Mann, ex-editor da Opera Graphica. Apesar da empresa ter fechado as portas definitivamente, ele acredita que a crise mundial afetará o mundo dos quadrinhos não a ponto de haver uma derrocada, mas sim, um resfriamento. "Esta visão fatalista a respeitode 2009 é, a meu ver, equivocada, pois coloca o foco em apenas um dos quadros do mercado brasileiro. Se, por outro lado, olharmos um panorama mais amplo de uma ou duas décadas, teremos uma análise menos pessimista e mais real. Nunca houve tantas editoras de médio e grande portes lançando quadrinhos, muito menos tamanha diversidade de gêneros, estilos e formatos", diz Mann. Apesar da transição acionária, a Conrad também guarda boas notícias: "temos muito material bom para lançar, e certamente o faremos ao longo de 2009", garante o coordenador editorial Alexandre Boide.
Entrevista // Leandro Luigi Del Manto: "Sempre vale a pena investir em talentos nacionais"
Ele comanda o setor de quadrinhos da editora paulista Devir há seis anos, mas desde 1987 atua diretamente no mercado. De forma que Leandro Luigi Del Manto é o nome por trás de alguns dos melhores títulos dos quadrinhos nacionais dos últimos tempos, como as obras dos premiados irmãos gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá. Em entrevista ao Diario, ele diz porque, apesar dos obstáculos que possivelmente surgirão em 2009, o quadrinho nacional tem muito o que comemorar.
Numa perspectiva mercadológica, o que há para comemorar no dia do quadrinho nacional?
Podemos comemorar o número grande de conquistas das HQs brasileiras em território nacional e no exterior em 2008. Devemos aplaudir todos os lançamentos de autores brasileiros e o destaque que receberam lá fora, seja com suas próprias obras, como os gêmeos Gabriel Bá e Fabio Moon, ou desenhando para editoras do mainstream americano, como os talentosos Ivan Reis e Renato Guedes.
Nos últimos anos, a Devir tem investido em alguns títulos nacionais. Vale a pena?
Sempre vale a pena investir em talentos nacionais, mas em 2008 a imprensa deu muito destaque à produção nacional, o que certamente impulsionou o interesse dos leitores por essas obras . A Devir tem em seu catálogo autores já consagrados no mercado de tiras diárias de jornais, como Fernando Gonsales, Laerte e Angeli, entre outros. No entanto, o grande número de lançamentos nacionais por tantas editoras que entraram no mercado em 2008, fez com que segurássemos alguns projetos.
Após um ano de euforia, há quem defenda que 2009 será um ano complicado para o mercado nacional. Você concorda?
Acho que será um ano difícil, sim. Embora em 2008 tenhamos visto muitos lançamentos nacionais, alguns foram feitos de maneira não muito séria por editoras pequenas que se aventuraram num mercado extremamente competitivo. Então, o final de 2008 foi um momento de todos colocarem os pés no chão e fazer as contas na ponta do lápis. Assim, quando começamos o ano em plena crise econômica mundial, dizer que 2009 será um mar de rosas seria um ato de inconsequência. Devemos ter consciência de que, independentemente da qualidade ou da autoria, as HQs são entretenimento. Por causa disso, nesse momento de controlar custos e fazer cortes orçamentários, a primeira coisa que as pessoas deixam de comprar é tudo aquilo que não é essencial. Assim, creio que as editoras terão de ser mais dinâmicas e criativas com seus lançamentos para chamar a atenção de seus leitores.
Restauração Pernambucana ganha versão quadrinizada
CAPA // No Recife, Dia do Quadrinho Nacional é celebrado com lançamento
Várias cidades comemoram hoje o Dia do Quadrinho Nacional com exposições e palestras. No Recife, será lançada Heróis da Restauração Pernambucana (100 páginas, R$ 20), adaptação do livro do historiador José Antônio Gonsalves de Mello, quadrinizada por Amaro Braga, Danielle Jaimes e Roberta Cirne, o mesmo trio responsável pela série Passos perdidos, que reconta a trajetória dos judeus em Pernambuco a partir do livro de Tânia Kaufmann.
O evento é gratuito, e está marcado para as 19h de hoje, na Livraria Cultura (Paço Alfândega), e conta com duas palestras: uma, sobre outras obras que contam a história de Pernambuco em quadrinhos, e outra sobre histórias em quadrinhos feitas por pernambucanos, como o célebre Péricles, criador do famigerado personagem O Amigo da Onça.
Publicado com recursos do Funcultura, o que permitiu a impressão de mil cópias, Heróis da Restauração Pernambucana é dividido em quatro blocos. Cada um apresenta personagens essenciais na luta pela expulsão dos holandeses do território nacional, em1654: Henrique Dias, João Fernandes Vieira, Felipe Camarão e Antonio Dias Cardoso. "Um negro, um mestiço, um índio e um português. Ali se deu a formação da identidade brasileira", afirma Braga, professor de sociologia que assina o roteiro da obra.
Braga conta que encontrou no meio acadêmico um campo fértil e praticamente virgem para adaptações para os quadrinhos, linguagem que pode quebrar a resistência à temas considerados difíceis. "Não se trata de uma simplificação de um texto, pois a linguagem sequencial é mais do que isso. É uma maneira convidativa, lúdica e prazeirosa de escoar a produção acadêmica", conta o autor, cujo plano de distribuição inclui escolas estaduas, onde a revista será adotada como material paradidático.
Estilhaços no sonho americano
Adaptação do livro homônimo de Richard Yates, o drama conjugal Foi apenas um sonho (Revolutionary road, 2008) marca a volta do diretor Sam Mendes a um tema já introduzido em Beleza Americana (1999): o questionamento das normas e convenções sociais baseadas no american way of life. É emblemático que o tempo-espaço estabelecido seja o subúrbio de Nova York dos anos 1950, época em que o império se afirmava a partir de estereótipos como o da família feliz, mesmo que às custas de alguns amantes e um emprego medíocre.
Tudo isso se materializa na história dos Wheller (Leonardo DiCaprio e Kate Winslet), jovem casal tido pelos vizinhos como modelo de família feliz. Exceto pelo fato de April, a esposa, não reconhecer mais no marido Frank, que galga carreira de vendedor para sustentar os filhos, a pessoa brilhante com quem se casou anos atrás.
Decidida a reavivar a relação, ela propõe uma fuga definitiva para Paris, o que gera curiosas reações nos vizinhos e colegas de trabalho. A mais interessante vem da figura louca(ou enlouquecida por pais alienados e ultraconservadores) e sincera de John Givings, interpretado por Michael Sannon, não por acaso indicado ao Oscar de melhor ator coadjuvante.
Não deixa de ser irônico que o longa seja estrelado pela dupla DiCaprio e Winslett, eternizada como o casal apaixonado de Titanic. Onze anos depois, essa imagem é finalmente estilhaçada por Mendes, numa produção que reduz o sonho americano a uma fuga confortável, vazia e sem esperança.
quinta-feira, 29 de janeiro de 2009
Fundarpe concede autonomia à literatura
Criação de uma pasta específica para o setor, antes atrelado às artes plásticas/gráficas, sinaliza nova disposição do governo com as letras
André Dib // Especial Para o Diario
A notícia ainda não foi divulgada oficialmente, mas desde outubro Pernambuco conta com uma coordenação específica para a literatura. O escritor e jornalista Samarone Lima foi nomeado para a pasta, até então conjugada com artes plásticas e gráficas, sob responsabilidade do artista plástico Félix Farfan. "Muitas pessoas ainda não estão sabendo porque foi uma entrada mansa. Antes de convocar o setor, precisei de um tempo para conhecer melhor a nova casa", disse Samarone à reportagem do Diario.
A missão do novo coordenador será desenvolver no âmbito da literatura as diretrizes estabelecidas pela política cultural da gestão estadual. Para ele, o desmembramento para uma coordenadoria exclusiva foi um movimento natural por parte da Fundarpe. "O objetivo é colocar a literatura na pauta da sociedade. O estado tem tradição de grandes vôos na literatura, e como não havia uma interlocução específica, esse trabalho estava sendo tocado com certa dificuldade".
Nascidono Crato, interior do Ceará, Samarone Lima se mudou em 1987 para o Recife, onde se formou jornalista pela Universidade Católica. Na imprensa, foi repórter do Diario de Pernambuco e da revista Veja, entre outros veículos. Como escritor, sua trajetória inclui passagem por pequenas e grandes editoras, onde publicou quatro livros. Outros dois estão em gestação: Adiós Nonino, sobre uma visita recente a Cuba; outro, baseado nas viagens que fez Brasil afora com o espetáculo Nau, de Ariano Suassuna.
Durante as viagens com a trupe de Suassuna, Samarone constatou que a presença de bibliotecas e livrarias nas cidades do interior é praticamente nula. Por isso, um primeiro passo no sentido de interiorizar a ação da coordenadoria será incluir a dimensão literária no circuito Pernambuco Nação Cultural. Enquanto isso, parcerias estão sendo estabelecidas com a UFPE, Companhia Editora de Pernambuco e da sociedade civil, através de ONGs como o Centro Luiz Freire, Pontos de Cultura e bibliotecas comunitárias. "Temos acesso ao registro dos fóruns realizados nas 12 regiões de Pernambuco, e acredito que podemos fazer muito articulando projetos isolados e promovendo encontros estaduais".
"Sou uma pessoa apaixonada pela literatura. O desafio é transformar isso em políticas públicas, articular parceiros, e pensar projetos", avalia Samarone. Para chegar a tanto, seu maior trunfo está na valiosa experiência de educador, desenvolvida nas Oficinas da Palavra com jovens do projeto Oi Kabum!. Nada mais emblemático do que o fato dos dois integrantes da nova equipe, Gabriela Alves Lima, 22 anos, e Aldemir Félix, 21 anos, virem justamente desse contexto. "Lá, lidando com alunos que antes odiavam livros, eu vi como a literatura pode transformar a vida das pessoas", conta o escritor, que pretende interagir em bairros com histórico de violência, como o Santo Amaro, em parceria com o Pacto pela Vida. "Um jovem com um livro de poesia na bolsa está mais protegido", acredita.
Apesar do orçamento para 2009 não ter sido revelado, Samarone adianta algunsplanos, como a criação dos agentes de leitura (nos mesmos moldes dos agentes de saúde) e do selo Amigo do Livro, que premiará os melhores projetos de leitura com incentivo financeiro para aquisição de acervo. "Se conseguirmos articular esses primeiros projetos, começaremos a respirar literatura e pensar em passos maiores".
A publicação de livros, que talvez seja a demanda mais forte a ser enfrentada pela coordenadoria, terá regras a serem estabelecidas por um conselho editorial, ainda não definido. "É a maneira mais democrática de não privilegiar ninguém, pois diariamente chegam propostas de todos os tipos", explica Samarone que, enquanto não conta com um espaço definitivo nos prédios da Fundarpe, informa o email para os primeiros contatos: literatura.fundarpe@gmail.com .
quarta-feira, 28 de janeiro de 2009
Realidades paralelas de Lírio
Retrospectiva da obra do cineasta pode ser vista no contexto da evolução do "novo cinema de PE"
André Dib // Especial para o Diario
O Cinema do Parque exibe hoje, a partir das 14h, uma retrospectiva do cineasta pernambucano Lírio Ferreira. Fazem parte da mostra os curtas O crime da imagem, That´s a lero lero, e os longas Baile perfumado, Árido movie e Cartola - Música para os olhos.
Colocados em perspectiva, os cinco filmes permitam observar tanto a trajetória do cineasta, quanto a evolução do cinema pernambucano nas últimas décadas. Em conversa com o Diario, Lírio Ferreira diz que, se há conexão entre seus filmes, ela está na representação de diferentes mitos, sob um olhar ou foco de análise nem sempre vinculado à realidade.
Esse é o caso de O crime da imagem (1989), onde se narra o suposto episódio em que Antonio Conselheiro parte para sua peregrinação após assassinar a esposa e a própria mãe. "Esta é uma explicação popular, que depois se provou não ser verdadeira", conta Ferreira. Dois anos depois, com That's a lero lero (dirigido com Amin Stepple), outra fabulosa história é retomada: uma noitada de 1942, quando o cineasta Orson Welles se jogou com três companheiros na boemia do Recife.
A parceria com Stepple seria a primeira de muitas, sendo a estabelecida com Hilton Lacerda a mais constante (o roteirista e diretor participa de todos os seus filmes), e com Paulo Caldas a mais emblemática, pois Baile perfumado (1996) é o primeiro longa feito em Pernambuco após uma "seca" de quase 20 anos.
Ao contar a aventura do libanês que filmou Lampião e seu bando, Baile perfumado inaugurou um novo capítulo para o cinema pernambucano, ciclo que vem sendo reconhecido internacionalmente pela força renovadora e criativa, e que parece estar longe de terminar. "Se fosse feito hoje, nem sei como seria, pois ele é um retrato daquela época, em que a cidade fervia na produção musical, de cinema e artes plásticas", lembra o diretor.
Quase dez anos depois, Árido movie (2005) tardou, mas chegou. Ofilme conta a história de Jonas, que após vários anos trabalhando em São Paulo, retorna ao sertão pernambucano para o enterro do pai. O elemento transcendental está na figura de Meu Pai (Zé Celso Martinez), personagem baseado na história real de Meu Rei, falecido líder de uma seita que acredita na imortalidade através do consumo da água "da vida".
Por fim, Cartola - Música para os olhos (2007) recria o contexto social, político e cultural do período vivido pelo antológico sambista. Feito em parceria com Lacerda, a montagem é um dos grandes méritos do longa: hipertextual, imprevisível, caótica.
Esta incursão pelo gênero documentário levou Lírio Ferreira a seu mais recente projeto, intitulado O homem que engarrafava nuvens. O filme, que gira em torno do compositor popular Humberto Teixeira, já circula nos festivais mundo afora, e aguarda resposta do Cine PE para estrear no Nordeste em abril.
Entre imagens próprias e de arquivo, intérpretes como Chico Buarque, David Byrne e o próprio Luiz Gonzaga cantam músicas do autor de Asa branca. "É um filho direto de Cartola, com a diferença de que, por tratar do baião, é mais alegre e colorido", conta o diretor que, enquanto viaja com o novo longa, escreve (com Sérgio Oliveira e o carioca Fellipe Gamarano) o roteiro de Sangue azul, o retorno do cineasta ao universo da ficção.
Serviço
Cinema Falado, com Lírio Ferreira
Quando: Hoje, a partir das 14h
Onde: Cinema do Parque (Rua do Hospício, 81 - Boa Vista)
Informações: 3232-1553. Entrada franca
sábado, 24 de janeiro de 2009
Lula, o filme, chega às telas este ano
Diretor Fábio Barreto pretende estrear a cinebiografia ficcional do presidente em outubro
André Dib // Especial para o Diario
andrehdib@gmail.com
Garanhuns - No set de Lula - O filho do Brasil, Fábio Barreto agia de forma um tanto apreensiva. No terceiro dia de filmagens, repetiu pelo menos uma dezena de vezes a cena da partida do pau-de-arara, que conduziu a família de Dona Lindu de Caetés ao litoral paulista. Um perfeccionismo mais do que justificado, considerando a importância da história a ser retratada. Inicialmente, o filme seria um documentário. Três anos atrás, quando se optou pelo gênero ficcional, o filho mais novo de Luiz Carlos e Lucy Barreto foi uma escolha natural para conduzir a produção. Em entrevista exclusiva ao Diario, Barreto revela detalhes do que pode ser seu mais ambicioso projeto, que deve estar nos cinemas ainda em 2009.
Entrevista // Fábio Barreto: "Estaremos no Oscar do ano que vem"
Uma inevitável dúvida paira sobre as implicações políticas de produzir um filme sobre um presidente em exercício, que certamente estará em cartaz em ano eleitoral. Como você vê esta questão?
Este é um filme sobre o lado humano de Lula, não o político. Tanto que o filme termina em 1980, com o enterro de Dona Lindu. O único momento em que se toca em política é no contexto de líder operário, onde mostramos nele a preocupação de não deixar o sindicato ser tutelado por nenhum partido político. Para ele era fundamental defender o direito do trabalhador, não pela via partidária, pois Lula era um humanista. Daí ele ter chegado onde chegou.
Qual o conceito do projeto?
Esse filme trata principalmente de três esferas. A primeira é a da perda e superação. A segunda, é a da relação entre mãe e filho, ou seja, como o filho herda de uma maneira muito forte uma base moral e ética muito profunda, de uma guerreira que arrancou sete filhos do nordeste em um pau de arara. É bom lembrar que Lula nasceu em uma época em que o índice de mortalidade do Nordeste era de 35%. E a terceira é sobre a família, os Silva, que passaram pelo mesmo destino de outras milhares de famílias brasileiras.
O filme é uma adaptação do livro de Denise Paraná?
Não. O livro da Denise é uma rica coletânea de informações e depoimentos. Fizemos do filme uma ficção mesmo. Creio que o gênero desse filme é o da "dramaturgia de informação".
Então seria uma cinebiografia?
Sim, uma cinebiografia ficcionada. Como existem várias: Ghandi, Nixon, Bush, Chaplin. Lula hoje é uma personalidade brasileira do nível e extensão somente comparável a Carmem Miranda e Pelé.
O filme pode saciar o que seria uma curiosidade mundial em torno do presidente?
Ele vem exatamente para isso. Temos um plano de fazer um lançamento continental em setembro ou outubro, e depois na Europa. Assim como o lançamento no circuito comercial, pois não queremos entrar em 2010, que será ano eleitoral. Além disso, outubro é uma boa época para estar entre os filmes com potencial para o Oscar. Essa é uma certeza que eu tenho: a de que estaremos no Oscar do ano que vem.
Que estética foi adotada para o filme?
Estou tentando romper com o que fiz até agora em termos de linguagem com a câmera, tentanto dar a maior força possível para o que está sendo encenado, da mise en scène à marcação de atores. A fase Nordeste é muito despojada e simples. Escolhi uma abordagem em que a câmera participe o mínimo das situações. Indo para Santos, a família sai de uma realidade para outra, igualmente adversa, só que mais violenta, marcada pelo alcoolismo de um pai doente, que reprimia muito os filhos. Aí, sim, usarei mais interferências e movimentos de câmera. Em termos de referência visual, vejo uma mistura louca entre Sangue negro, de P.T. Anderson, que seria o máximo do épico, até Gomorra, por ser uma ficção feita como se fosse documentário.
E quanto à trilha sonora?
Estou conversando com Jaques Morelenbaum, que já trabalhou comigo em A paixão de Jacobina e em O quatrilho. Por se tratar de um filme histórico, que vai de 1945 a 1980, também vamos ter trilha incidental para pontuar cada época. Teremos de Luiz Gonzaga a Ray Conniff, que a família de Lula ouvia bastante em São Paulo. Vamos investir na própria Dona Lindu, que cantarolava músicas de Jackson do Pandeiro.
Uma das características dos filmes da LC Barreto é a de fazer filmes em família. Como tem sido essa experiência para você?
Tem suas vantagens e desvantagens. Por um lado, todas são pessoas do mais alto nível e gabarito. Meu pai é o maior produtor de cinema da América Latina, com milhões de prêmios internacionais, e trabalhar com ele significa ter condições que raramente são providas em outras situações. A desvantagem é que entre família tudo é mais passional. Rola briga, desgastes, estresses, e às vezes as relações afetivas se sobrepõem às profissionais. Às vezes sou tratado mais como filho do que como diretor.
Hijos del Mar traz engajamento ensolarado
Uma banda nova estréia na noite de hoje. Fruto da miscigenação das culturas pernambucana e portenha, a Hijos del mar se apresenta no Quintal do Lima, em Santo Amaro. Antes, haverá show do grupo Embuás.
A Hijos del mar nasceu em Buenos Aires, cidade natal do cantor, compositor e instrumentista Santiago, que desde 2007 mora no Recife. A banda se renova a partir da junção do criador do projeto com músicos atuantes no eixo Recife/Olinda, a saber: Paes (baixo), Kuka (trompete e percussão) e Iezu Raeru (bateria).
Paes é mais conhecido por seu projeto autoral, baseado no samba. Por sua vez, Raeru acumula a função nos grupos Embuás, Backin' Ball Cats Barbies Volcals, Sabiá Sensível e Trio Pouca Chinfra. O repertório de hoje é composto de músicas da primeira fase da banda, e também de outras, inéditas, que em breve devem virar CD.
O nome da banda faz referência aos filhos de vítimas da ditadura argentina, cujos corpos muitas vezes eram jogadas ao mar. Para Santiago, está é uma história muito pessoal. "Meu pai foi sequestrado em 1978, e até hoje não sabemos o que aconteceu com ele", diz. Além do contexto daquele período, as letras abordam temas contemporâneos. "Sou da geração seguinte. É outro ponto de vista", explica Santiago, que também fará as vezes de DJ na festa de hoje.
Serviço
Quando: Hoje, às 22h
Onde: Quintal do Lima (Rua Capitão Lima, 100 - Santo Amaro)
Quanto: R$ 6
Informações: 3221-6552
sexta-feira, 23 de janeiro de 2009
A saga dos Silva do Brasil
Da pacata Caetés, seguindo o fluxo migratórioi para o Sudeste, saiu uma mãe acompanhada de sete filhos, um deles se tornaria mais tarde o presidente do país
André Dib // Enviado Especial
Garanhuns - O ano é 1952. Na estrada de chão batido, o motorista do pau-de-arara aguarda os passageiros se acomodarem na boléia de madeira. A lotação se faz rapidamente, com homens em busca de trabalho, uma mulher grávida e o marido, e uma mãe acompanhada de sete filhos, um deles ainda no colo. Lobo, o cão, quer se juntar ao grupo, mas acaba deixado para trás, se misturando com a poeira. A bela cena contrasta com a dureza da viagem, uma das tantas daquela época marcada pelo fluxo migratório para o Sudeste. O que ninguém poderia imaginar é que naquele grupo que enfrentou 13 dias de estrada e amargou a morte de uma menina estaria o futuro Presidente da República.
Esse é o mote de Lula - filho do Brasil, longa-metragem de Fábio Barreto que começou a ser rodado na última terça-feira, nos arredores do município de Caetés, no Agreste pernambucano, onde a equipe permanece até a tarde de hoje. Anteontem, a reportagem do Diario visitou o set da produção, montado na zona rural de Capoeiras. Frei Chico, irmão mais velho do presidente, que acompanhou as filmagens sentado ao lado do diretor, e estava visivelmente tocado pela dramatização daquele difícil momento vivido na própria pele. "Foi muito forte", disse, enquanto observava o caminhão partir. Terminada a gravação, ele fez questão de ajudar os figurantes a descer precária estrutura.
A atriz global Gloria Pires, que aqui incorpora Dona Lindú, se disse totalmente envolvida com a personagem. "Reconheço a responsabilidade que é interpretar a mãe de um presidente, mas a história de Dona Lindú simboliza as milhares de mães heroínas, que criam seus filhos mesmo com todas as dificuldades. Ao mesmo tempo, ela oferece uma ideia de vida, um exemplo de estrutura familiar muito raro, que não tem a ver com dinheiro, mas com caráter", comentou a atriz, que no dia anterior contracenava com Milhem Cortaz, que interpreta Aristides, o pai do pequeno Luiz Inácio.
Mais conhecido como o Capitão Fábio, o "número 2" do filme Tropa de Elite, Cortaz disse que impôs a si o desafio de mostrar um outro lado do pai que abandona a família em prol de outra mulher. "Estou criando o meu próprio Aristides. Tenho distanciamento para perceber que ele foi aquela pessoa dura, que abandonou a mulher e filhos, mas que também era pacato, e sentia amor pela família. Se eu for capaz de mostrar uma parte desconhecida deste pai, a ponto de criar dúvidas na própria família Silva, terei meu papel cumprido", disse o ator, que ressalta o caráter decisivo do pai para definir alguns traços de caráter de Lula, assim como seu futuro não no Agreste pernambucano, mas nas indústrias do ABC paulista.
Para entrar em contato com essas origens, o ator Rui Ricardo Dias, que será Lula na idade adulta, esteve presente nas locações. Com barba cheia e oito quilos a mais, ele disse que para compor seu personagem, ele buscou referência em filmes que retratam Lula em diferentes momentos, como ABC da greve, de Leon Hirzman, Peões, de Eduardo Coutinho e Entreatos, de João Moreira Salles.
"Não estamos preocupados em reproduzir como Lula fala ou anda, mas em como ele se sentia, quais são suas dores e alegrias. Quero me dedicar às questões emocionais, subjetivas, que acaba por revelar as atitudes objetivas. São das questões internas que nasce a verdade entre ator e personagem", revela o preparador de elenco Sérgio Penna, que com isso dá pistas de qual será a essência do longa-metragem.
Família unida nos bastidores
Matéria de capa // Clã Barreto participa de várias funções na produção de Lula o Filho do Brasil, filme orçado em R$ 12 milhões e que não terá recursos públicos
"Tem um cara de branco atrapalhando o quadro!", bradou o contra-regra. Os olhares se voltaram para o intruso, ninguém menos do que Luiz Carlos Barreto. A brincadeira com o produtor, que circulava no set como se estivesse em casa, descontraiu a equipe por alguns segundos. É possível compreender sua postura, ao mesmo tempo profissional e afetiva, pelo fato de que Lula – o filho do Brasil é basicamente um projeto tocado em família: os filhos Paula e Fábio assinam, respectivamente, produção e direção; e Lucy, a esposa, divide a produção geral com o próprio "Barretão", como é mais conhecido o patriarca.
Há também o fotógrafo Gustavo Hadba, que não tem ligações sanguineas com os Barreto, mas trabalhou em vários filmes produzidos pelo clã. Sua experiência como cinegrafista de Miguel Arraes, com quem viajou todo o estado nos anos 1980, dá segurança para a aposta na dura luz do meio-dia, com sombras e sem truques de embelezamento. "Busco a luz como ela é aqui, cruel, não-cosmética", revela.
Atenta a cada movimento estava Denise Paraná, co-roteirista e autora do livro que originou o filme. "Esta é a realização de um sonho de 18 anos. Quando comecei a pesquisa, as histórias que Lula me contava nas entrevistas com uma plasticidade tão grande que parecia um filme", contou a jornalista. Ela disse que o objetivo é reproduzir a realidade, mas com algumas licenças poéticas. "Nós queremos mostrar a formação do personagem, para que as pessoas entendam suas motivações". Durante a conversa com o Diario, ela revelou que sua próxima biografia será de Luiz Carlos Barreto, projeto em que já está trabalhando.
As filmagens em São Paulo começam neste domingo, e seguem até o fim de março, com locações na Igreja Matriz de São Bernardo no antigo Estádio da Vila Euclides, local do antológico discurso para milhares de operários. O objetivo é que o longa fique pronto em setembro, a tempo de ser exibido em pelo menos cinco países, a convite dos festivais de Toronto, San Sebastian, Roma, Latino LA (EUA) e Internacional Lima, no Peru.
Segundo a assessoria de imprensa da LC Barreto, ainda não foram divulgados os patrocinadores do filme, orçado em R$ 12 milhões, porque a captação ainda não está completa. O único consenso é que não haverá dinheiro público para que não acusem o filme de chapa branca. No entanto, inevitáveis comentários surgiram pelo o fato do lançamento no circuito comercial estar marcado para janeiro de 2010, ano de eleição presidencial.
O bem amado reencarna em Marechal Deodoro
Começaram ontem as filmagens de O bem amado, novo longa de Guel Arraes. O município escolhido como cenário é Marechal Deodoro, no interior de Alagoas. A equipe, que conta com os atores Caio Blat, Mateus Nachtergaele, Tonico Pereira e Maria Flor, chegou anteontem na histórica cidade. Antes, eles concederam coletiva de imprensa com a presença do governador do estado, Teotônio Vilela Filho. O ator Marco Nanini, que interpretará o lendário coronel Odorico Paraguaçu, tem chegada prevista para o sábado.
Escrita por Dias Gomes, com Paulo Gracindo no papel principal, a telenovela O bem amado bateu recordes de audiência na TV brasileira nos anos 1970, se tornando uma referência na teledramaturgia. O longa-metragem é produzido por Paula Lavigne (Natasha Filmes), em parceria com a Globo Filmes e a Buena Vista Internacional. O roteiro é Claudio Paiva e do próprio Guel Arraes, que já produziu outros filmesfortemente ligados à TV e teatro, como O auto da compadecida, Lisbela e o prisioneiro e A grande família.
Segundo Paula Lavigne, a versão cinematográfica não vai ser influenciada pela famosa adaptação televisiva. "Como as duas versões são baseadas na mema peça original, é natural que surjam diversos pontos em comum, mas vamos acrescentar, por exemplo, cenas narradas sob o ponto de vista do antagonista, intepretado por Tonico Pereira", prevê a produtora.
No mês passado, Guel e Lavigne estiveram em Pernambuco, e consideraram o Sítio Histórico de Olinda como forte candidato a locação. "Desistimos por causa da proximidade com o período carnavalesco. Seria inviável. As filmagens são uma verdadeira operação de guerra. Teríamos que interromper as ruas e pedir silêncio. Não queríamos atrapalhar a festa", justifica Paula.
O bem amado será um filme de época, pois Guel Arraes optou por manter o contexto histórico do texto original, ambientado na década de 1920, um pouco antes da Revolução de 30. As filmagens em MarechalDeodoro devem durar duas semanas. Logo após, a equipe vai ao Rio de Janeiro, rodar em cidades do interior e em estúdios, durante mais um mês de trabalho. Recentemente, Nanini intepretou o mesmo personagem no teatro, mas, de acordo com Paula, apesar da coincidência, os dois projetos não têm relação entre si.
Escrita por Dias Gomes, com Paulo Gracindo no papel principal, a telenovela O bem amado bateu recordes de audiência na TV brasileira nos anos 1970, se tornando uma referência na teledramaturgia. O longa-metragem é produzido por Paula Lavigne (Natasha Filmes), em parceria com a Globo Filmes e a Buena Vista Internacional. O roteiro é Claudio Paiva e do próprio Guel Arraes, que já produziu outros filmesfortemente ligados à TV e teatro, como O auto da compadecida, Lisbela e o prisioneiro e A grande família.
Segundo Paula Lavigne, a versão cinematográfica não vai ser influenciada pela famosa adaptação televisiva. "Como as duas versões são baseadas na mema peça original, é natural que surjam diversos pontos em comum, mas vamos acrescentar, por exemplo, cenas narradas sob o ponto de vista do antagonista, intepretado por Tonico Pereira", prevê a produtora.
No mês passado, Guel e Lavigne estiveram em Pernambuco, e consideraram o Sítio Histórico de Olinda como forte candidato a locação. "Desistimos por causa da proximidade com o período carnavalesco. Seria inviável. As filmagens são uma verdadeira operação de guerra. Teríamos que interromper as ruas e pedir silêncio. Não queríamos atrapalhar a festa", justifica Paula.
O bem amado será um filme de época, pois Guel Arraes optou por manter o contexto histórico do texto original, ambientado na década de 1920, um pouco antes da Revolução de 30. As filmagens em MarechalDeodoro devem durar duas semanas. Logo após, a equipe vai ao Rio de Janeiro, rodar em cidades do interior e em estúdios, durante mais um mês de trabalho. Recentemente, Nanini intepretou o mesmo personagem no teatro, mas, de acordo com Paula, apesar da coincidência, os dois projetos não têm relação entre si.
quinta-feira, 22 de janeiro de 2009
Narrativas gráficas, de Will Eisner, em nova edição pela Devir
A Devir vai lançar a segunda edição de Narrativas gráficas, de Will Eisner. Assim como o clássico Quadrinhos e arte sequencial, também de sua autoria, o livro
é pioneiro na sistematização e definição dos conceitos que regem a linguagem das histórias em quadrinhos.
Usando exemplos de mestres como Harold Foster, Robert Crumb, Art Spiegelman, Al Capp e George Herriman, Narrativas gráficas é baseado no legendário curso de Will Eisner na Escola de Artes Visuais de Nova York, que inspirou gerações de artistas e estudantes.
Costa-Gavras apresenta novo filme no Brasil
Constantin Costa-Gavras virá ao Brasil no mês de abril, para apresentar seu novo longa, O Éden está à oeste (Eden à l'ouest).
O cultuado diretor greco-francês será o grande convidado da 13ª edição do Cine PE – Festival Audiovisual do Recife, marcado para o período entre 27 de abril e 3 de maio. O filme será exibido fora de competição, na noite de abertura.
A informação foi confirmada hoje por Alfredo Bertini, da BPE Produções, empresa responsável pela realização do evento.
"Este é o ano da França no Brasil e, neste sentido, a presença de Costra-Gavras é bastante emblemática", comentou Bertini.
Costa-Gavras, que entre em fevereiro presidirá o júri do 59º Festival de Berlim, na Alemanha, deve desembarcar na capital pernambucana no dia 26 de abril, um dia antes da abertura do Cine PE.
Bertini não adiantou detalhes sobre a agenda do cineasta, pois ela ainda não está definida, mas afirmou que ele passará cinco dias em Pernambuco.
Autor de clássicos da cinematografia européia, Costa-Gavras é conhecido por produzir filmes críticos e de forte teor político-social.
Z, Amén e O quarto poder são três de suas melhores e mais conhecidas obras. Em O Éden está à oeste, o diretor trata do fluxo de imigrantes ilegais nos países da União Européia.
Bertini também antecipou algumas das oficinas em planejamento para este ano, entre elas, cinema e literatura, economia da cultura, co-produção internacional e preparação de elenco.
Mais uma batalha dos Guararapes
Há três semanas o multiartista Lula Côrtes assumiu a gerência municipal de cultura de Jaboatão dos Guararapes. A nomeação, evidentemente carregada de simbolismo, provoca a imaginação e acende uma inevitável expectativa sobre o que vem por aí. Por um lado, ninguém melhor do que um representante da categoria para conhecer e pensar soluções para transformar a cidade em território favorável às atividades culturais. Por outro, é preciso concatenar sua estreia no ofício com os melindres políticos e entraves burocráticos que costumam reinar nas administrações públicas.
O notório músico, escritor e artista plástico chegou à função por indicação do radialista Ivan Lima, atual secretário municipal de cultura, turismo e esportes. O convite foi aceito de imediato. "Nunca fui conivente com política de exploração. Não gostava da forma como se comportava as gestões anteriores, e nunca quis me comprometer com esse tipo de convívio. Com a posse de Elias Gomes, que é umapessoa que confio, de palavra firme, eu não pensei duas vezes", conta Côrtes.
A primeira conquista chegou cedo: semana passada, a festa de Santo Amaro, que já chegou a custar R$ 80 mil, foi realizada a custo zero para os cofres públicos. "Não havia um centavo disponível. Fomos ao local, falamos com os barraqueiros e parques de diversão, e colocamos a condição de que, para participar do evento, seria necessário pagar uma taxa para a paróquia. Por sua vez, a paróquia pagou as bandas da festa. Tudo custou R$ 16 mil, sem nehum ônus para a prefeitura", relata Côrtes.
As intenções são as melhores possíveis, e os planos também. Ainda esta semana, será lançado o calendário cultural da cidade, que traz boas surpresas: em março, haverá o festival Patativa do Assaré, um encontro entre repentistas e cordelistas; em setembro, um festival de música. Ainda nos planos estão uma feira literária, a implantação do fundo municipal, a reabilitação do conselho municipal de cultura, e a criação de fóruns em cada distrito da cidade.Ainda este mês, o jingle oficial da gestão, com arranjos de hip hop, será gravado pelo próprio Côrtes (veja letra no box).
Segundo Ivan Lima, a captação de recursos via iniciativa privada será ponto fundamental da nova gestão. A começar pelo Carnaval, cuja licitação para os festejos de 2009 e 2010 foi aberta na última sexta-feira, e já conta com a partipação de uma famosa cervejaria. O objetivo é montar seis polos, um em cada região, com decoração feita com material reciclável por grupos da terceira idade. A programação privilegiará agremiações, caboclinhos, marcatus e escolas de samba do município. Não haverá prévias, mas está confirmada a gigantesca Orquestra Jaguar, com seus 567 integrantes, e uma Noite dos Tambores Silenciosos, no sábado seguinte ao Carnaval.
A decisão em terceirizar os recursos também vale para o São João e a bicentenária festa da Pitomba, e libera o pequeno orçamento da gerência, algo em torno de R$ 2 milhões, para investimento em projetos de capacitação, que funcionarão como "vasos capilares" para chegar a diferentes locais. "Esse trabalho é uma extensão do que já venho desenvolvendo. Tive uma escola onde cuidei de 80 meninos de rua, sem apoio algum da prefeitura. Agora vou poder ajudar 80 mil meninos", vislumbra Côrtes, prestes a dar os primeiros mergulhos nas comunidades.
Antes, a ideia é promover o cadastro cultural dos artistas da cidade. "Nossa matéria-prima é o talento dos nossos artistas. Na medida em que eles foram abandonados pelas gestões anteriores, ficaram apenas alguns focos de resistência. A função dessa nova gestão é reverter isso da maneira mais prática, que é a inclusão de artistas através do cadastro", explica Côrtes.
Olinda e Recife também estão nos planos da gestão, que quer estreitar laços com administradores e artistas vizinhos, e buscar alinhamento com os modelos estadual e federal. Um primeiro movimento nesse sentido ocorreu anteontem, em encontro com a presidente da Fundarpe, Luciana Azevedo. Na pauta da parceria está a recuperação de pontos estratégicos como a Casa Emílio de Morais, o Monte dos Guararapes e o Cine Teatro Samuel Campelo.
Na terça-feira que vem, Côrtes estará ao lado do secretário de cultura do Recife, Renato L, em palestra às 19h, no auditório da Livraria Cultura. "Defendo uma única obra para o bem de todos, e a necessidade de intercâmbio. Porque privar o povo de Jaboatão das obras de um artista de Olinda? Agora ficou mais fácil, porque as pessoas que estão ocupando os cargos públicos estão abertas ao diálogo", afirma Côrtes, em pleno recrutamento de forças para esta, que pode muito bem ser batizada de "nova batalha dos Guararapes".
Saiba mais
Conheça a nova equipe de cultura de Jaboatão:
Ivan Lima - secretário de cultura, turismo e esportes
Lula Côrtes - gerente de cultura
Roseane Cabral - coordenadora de fomento
Felipe Cabral - captação de recursos
Luzarcus, assessor técnico
Jota Andrade - coordenação de artes cênicas
Cordelista Cobra - coordenação de eventos
Lenemar - educadora popular
Recado para a juventude (Lula Côrtes)
Pense melhor,
Viva melhor
Lance o pensamento nas alturas,
Junte-se a nós,
E vamos promover a ruptura
Poder andar na sua cidade com cabelo ao vento,
E ter coragem de abraçar o novo movimento,
Ao sair para trabalhar com seu olhar brilhante,
Vivendo com dignidade assim como era antes,
Cruzando a rua sem ter medo,
E em cada cruzamento dar outro passo pro futuro,
Sem perder seu tempo.
Tente lembrar que nessa vida,
O bom é a plenitude,
Saiba que nada se conquista,
Sem ter atitude,
Não tenha medo do que é novo,
E abra o coração,
Para cantar o novo hino de Jaboatão.
Pense melhor,
Viva melhor
Lance o pensamento nas alturas,
Junte-se a nós,
E vamos promover a ruptura.
segunda-feira, 19 de janeiro de 2009
Cinema é um ótimo negócio
Luiz Severiano Ribeiro ergueu um verdadeiro império de salas de exibição espalhadas pelo país; sua trajetória é contada em livro lançado pela Record
André Dib // Especial para o Diario
andrehdib@gmail.com
São Luiz, Odeon, Moderno, Majestic, Palácio. Por trás das maiores salas de cinema, havia um único homem: Luiz Severiano Ribeiro. Fundador da rede de exibição que por décadas foi a maior do país (hoje perde para o grupo estrangeiro Cinemark), o empresário cearense viveu entre 1885 e 1974. Através de uma terceira geração de descendentes, seu legado empresarial chega aos dias de hoje com mais de 200 salas no país. Elas atingem números surreais, como a marca de 15 milhões de espectadores por ano.
Essa trajetória, que se mistura com a história da própria indústria cinematográfica, está contada no livro O rei do cinema - a extraordinária história de Luiz Severiano Ribeiro (Record, R$ 37), do jornalista Toninho Vaz. Entre seus biografados anteriores estão o poeta paranaense Paulo Leminski (também pela Record) e o compositor piauiense Torquato Neto (Casa Amarela).
Lançado no mês passado, o novo livro de Toninho revela passo-a-passo como Severiano construiu seu império. Cearense de Baturité, ele nunca foi movido pelo ideal romântico de exibir filmes. Quando assumiu sua primeira sala, em 1915, não havia rádio, TV ou internet, o que fazia do cinema muito mais do que a maior diversão: era um ótimo negócio. Ele viu na atividade o grande filão na indústria do entretenimento, que deveria ser explorado com o máximo de competência - e o mínimo de concorrência.
Seus primeiros passos em Fortaleza, décadas antes de se consolidar na Cinelândia carioca, já indicavam que ele não levaria muito tempo para Severiano Ribeiro se tornar o grande nome por trás de um fenômeno de massa movido a luz, sombras e gigantescas salas, suntuosas em cada detalhe. Antes mesmo de mergulhar de cabeça na atividade, o empresário já tinha seu nome vinculado a atividades díspares como hotéis, cafés, e a Casa Ribeiro, com filial no Recife. Além disso, era revendedor exclusivo da Antarctica para o Nordeste, comércio que prosperou atrelado à venda de gelo, produto ainda mais precioso naquela época.
Por essa voraz propensão ao monopólio, ao passo em que o império se consolidava nos anos 30 e 40, crescia a antipatia das pessoas. A associação da Atlântida Cinematográfica, conduzida pelo filho Ribeiro Júnior, com a poderosa cadeia de exibição foi o próximo passo. Para se ter uma ideia, lembra o biógrafo, "O Homem do Sputnik, de Carlos Manga, com Oscarito, teve 15 milhões de espectadores em 1959, época em que o Brasil tinha 60 milhões de habitantes". De acordo com o crítico de cinema Paulo Emílio Salles Gomes (em trecho pinçado pela pesquisa de Toninho Vaz), "uma nova fase de harmonia para o cinema comercial no Brasil, que determinou a solidificação da chanchada e sua proliferação por mais de quinze anos. O fenômeno repugnou críticos e estudiosos".
Na entrevista a seguir, exclusiva para o Diario, Vaz conta como foi o processo de pesquisa, e sua visão sobre o empresário por trás de um mito.
Entrevista // Toninho Vaz: "Poucos empresários brasileiros souberam tirar proveito do seu tempo como ele"
Leminski, Torquato e Severiano ostentam personalidades distintas entre si. Para reconstruir essas trajetórias você adotou diferentes abordagens ou um método único?
O método é único: pesquisar. Saber o máximo do personagem e jogar luzes sobre sua obra, mostrando a intenção e a ação. Os três eram notáveis pela tenacidade e dedicação exclusiva ao seu ofício. Assim, na narrativa, é preciso aliar as informações colhidas em várias fontes e demonstrar a capacidade de acomodá-las nas personalidades sem criar ficção.
O que os leitores podem aprender com a história de Luiz Severiano Ribeiro?
Essa é a história de como um homem arrojado pode se atirar de cabeça num projeto pioneiro, movido apenas pela intuição de um sucesso improvável. Quando o Severiano conheceu o cinema, em 1910, este ainda era chamado de cinematógrafo, e o tempo perdido com complicações técnicas durante as projeções eram maiores do que os momentos de exibição. Por outro lado, poucos empresários brasileiros souberam tirar proveito do seu tempo como ele, quando funcionava como operador de finanças. Ele comprava com preço fixo em longo prazo, prevendo a inflação, e vendia em curto prazo. Foi pioneiro também na prática do overnight, operando com o dinheiro vivo que saia das bilheterias dos cinemas.
A biografia nasceu de um interesse espontâneo pelo personagem ou foi encomenda da família?
Eu fui contratado para escrever um livro chamado 90 anos de cinema, um álbum de luxo que não foi comercializado. Foi distribuído como brinde do Grupo Severiano Ribeiro para amigos e clientes numa festa oferecida no Rio de Janeiro. O texto era secundário, pois o magnífico trabalho gráfico mostrava dezenas de fotos inéditas do acervo da Atlântida (empresa criada pelo filho, Severiano Ribeiro Jr.) e tinha acabamento de livro de arte. A iniciativa de prosseguir nas pesquisas e fazer um novo livro, com mais investigação e pesquisa, foi minha, em parceria com a editora Record.
Como se deu o processo de busca de imagens, depoimentos e demais informações? Quais foram as dificuldades?
Nenhum sofrimento. As pesquisas foram desenvolvidas por um especialista, Vinicius Braga, que teve acesso ao fantástico acervo de 2 mil fotos da Atlântida e documentos da família Severiano Ribeiro, que ajudou bastante. Meu empenho foi entrevistar cerca de vinte pessoas ligadas a Luis Severiano Ribeiro, sobretudo, ex-funcionários da empresa e atores das chanchadas da Atlântida: Norma Bengel, John Herbert, Agildo Ribeiro, Anselmo Duarte...
Apesar de ter construído um império cinematográfico, a trajetória da família Severiano Ribeiro é pouco conhecida. Como isso se explica?
Eles tinham uma briga crônica com a imprensa carioca. Durante anos as iniciativas de instalações de cinemas na cidade foram muito criticadas, enquanto salas de exibição. Quando o filho, Ribeiro Jr, passou a produzir as chanchadas, a crítica que vinha de setores da esquerda exigia nacionalismo e seriedade temática e técnica nas produções. Mas as chanchadas, mesmo ingênuas e com muitos defeitos técnicos, foram importantes para a implantação e formação de uma platéia brasileira.
quinta-feira, 15 de janeiro de 2009
Robert e Aline Crumb na Piauí de janeiro
Já não era sem tempo: após publicar trabalhos de Art Spiegelman, Joe Sacco e Angeli, a edição de janeiro da revista Piauí traz uma história inédita do casal Robert e Aline Crumb.
A família Crumb está radicada na França desde 1994. No entanto, nada de aposentadoria. Todos continuam a desenhar HQs, inclusive Sophie, a única filha, hoje com 27 anos.
A HQ publicada na Piauí foi feita por Robert e Aline-Kominsky Crumb, que desenham juntos desde os anos 80.
A história, como sempre uma autoficção (ou seria autobiografia?) versa sobre a vida íntima do casal, quando Aline volta de uma cirurgia plástica para rejuvenescimento facial.
Crumb, que nos últimos tempos vem produzindo sua versão para o antigo testamento, divide com os leitores seu horror em ver o estado do rosto da mulher. "... ela está chafurdando num materialismo nojento! O que ela sabe da extraordinária batalha interior, de quantos mulhares de horas de meditação são necessários para confrontar a verdade, a velhice e a morte?, reflete o desenhista, sentado em sua privada.
Além da espirituosa HQ, a revista traz uma excelente matéria sobre o caricaturista norte-americano David Levine, que após 45 anos trabalhando na New York Review of Books, está aposentando o pincel devido a uma doença degenerativa dos olhos.
A capa da revista também está uma beleza:
Boa leitura!
Adeus, Ricardo Montalbán...
Acabo de saber da morte do ator mexicano Ricardo Moltalbán. Ele tinha 88 anos.
Apesar da longa carreira, cujo auge se deu entre os anos 40 e 60, minha geração o imortalizou em dois papéis: o Senhor Roarke da série de televisão Ilha da Fantasia, e Khan Noniah Sing, o vilão de Jornada das Estrelas que recitava Sheakspeare em pleno espaço sideral.
O Quadro Mágico lhe deseja Vida longa e próspera, mesmo que em outra dimensão, Mr. Montalbán... !!
quarta-feira, 14 de janeiro de 2009
Poetas urbanos na tela grande
Cineasta Antônio Carrilho arma set de filmagem para retratar a poesia marginal do Recife e de Olinda em curta-metragem
André Dib // Especial Para o Diario
andrehdib@gmail.com
Na última quinta-feira, o clima festivo que tem tomado conta dos Quatro Cantos de Olinda na expectativa do carnaval deu lugar a uma movimentação menos efusiva, mas nem por isso desconhecida aos olhos de quem frequenta o local.
Até porque, bem pouco tempo atrás, boa parte dos recitais noturnos promovidos pelo poeta França aconteciam ali mesmo, na frente do bar de Dona Darcy. Desta vez, o elemento agregador foi a produção do curta-metragem Poeta Urbano, novo projeto do cineasta Antônio Carrilho, premiado diretor de O homem da mata.
No set montado nos Quatro Cantos estavam praticamente todos os representantes poesia "marginal" da cidade. Ou melhor, urbana, como faz questão de diferenciar o poeta Carlos Carlos, autor do argumento que deu origem ao projeto, e que assina o roteiro ao lado de Carrilho. Foi um grande - e infelizmente raro - encontro entre Jorge Lopes, Samuca Santos, Ãngelo Bueno, Valmir Jordão, Cida Pedrosa, Silvana Menezes, Lara, Malungo, Pitanga, Eunápio Mário, Luis Carlos Dias, entre vários outros. Alberto da Cunha Melo, Chico Espinhara, Erickson Luna e França também estiveram lá, em saudosa evocação de todos.
De acordo com Carrilho, o recente falecimento destes poetas foi uma das motivações para realizar o curta. "Em três semanas formatamos e escrevemos o roteiro", disse o diretor. Foram sete dias desta primeira fase, as filmagens, encerradas na segunda-feira passada. Entre as locações, bares do Pátio de São Pedro e da Praça do Sebo (no Centro do Recife), o casario deteriorado da Rua do Sol e da Rua do Imperador, a ponte Princesa Isabel, o Sítio Histórico de Olinda e a periferia do bairro do Cordeiro.
Graças a recursos do concurso Ary Severo/Firmo Neto, e ao apoio do Centro Audiovisual Norte Nordeste (Canne), a produção coordenada por Tiago Melo conseguiu reunir uma equipe de 40 pessoas e equipamento de qualidade, como a câmera Aaton 35mm, grua e traveling. O objetivo é valorizar, com recursos do cinema clássico, um personagem normalmente vistocom preconceito.
O suporte película e o tratamento técnico diferenciado podem ser decisivos para a construção de um novo olhar sobre o tema, mas também geraram alguns obstáculos à realização. Os melindres no manuseio da câmera e a necessidade de muitos ensaios antes de o rodar os preciosos rolos da Kodak atrasaram em três dias o cronograma, transferindo para março o fim das filmagens. Além disso, o suporte película exige um oneroso processo de finalização, o que está conduzindo a um novo processo de captação de recursos para a pós-produção.
Sequências são estrofes, planos são versos
Poeta urbano, o curta-metragem, conta a história de Urbano, poeta que vive de vender um jornal independente que divulga a produção poética da cidade. No entanto, a noite passa e ele não consegue vender nada. Ao contrário do que esperava, Urbano vira alvo de incompreensão e violência, e busca nos amigos que organizam um recital em Olinda a inspiração para seguir adiante.
Urbano tenta vender a coletânea Aciranda poesia urbana, criada especialmente para o filme e que deve ganhar vida própria a partir de agora. O argumento veio do poema Coletivoraz, que recorta toda a publicação de poemas e desenhos. "Vejo esse filme como um poema onde as sequencias são estrofes, e os planos são os versos. É algo intenso, como a poesia de Miró", diz Carlos Carlos, que por 15 anos manteve nas ruas o períodico Poesicanteantroz.
Entre os poetas presentes no set, foi grande a identificação com o personagem. "Urbano sou eu", garante Jorge Lopes, que participou das filmagens do recital. "Poucos fizeram isso. Eu fui um deles", garante Lopes, que viveu 20 anos exclusivamente da venda da coletânea Balaio de gato. "Mais do que a necessidade de sobrevivência, Urbano passa à determinação de um sonho", afirma, com brilho nos olhos.
Carlos diz que a poesia urbana no Recife encontra eco em outros locais e épocas, mas há quem defenda que no Recife esse movimento é muito mais forte. "Morei em muitas partes do Brasil e nunca vi nada parecido com o que existe aqui", afirma Ângelo Bueno. A fala de Valmir Jordão, no entanto, sintetiza o assunto com maestria: "são pérolas que estão por aí, escondidas, esperando para serem colhidas".
Coletivoraz (Carlos Carlos)
Além do desconforto
E de não poder pedir parada
Pior é o perigo de cair no catabiu
Meter a cara na cratera e
Talvez até, ser preso
É, acusado de danificar o asfalto!
Eu acho isso tão comum
Que já está ficando monótono
Só não desisto da viagem
Porque não tenho medo
De acidente de percurso
Eu ainda chego em casa hoje
André Dib // Especial Para o Diario
andrehdib@gmail.com
Na última quinta-feira, o clima festivo que tem tomado conta dos Quatro Cantos de Olinda na expectativa do carnaval deu lugar a uma movimentação menos efusiva, mas nem por isso desconhecida aos olhos de quem frequenta o local.
Até porque, bem pouco tempo atrás, boa parte dos recitais noturnos promovidos pelo poeta França aconteciam ali mesmo, na frente do bar de Dona Darcy. Desta vez, o elemento agregador foi a produção do curta-metragem Poeta Urbano, novo projeto do cineasta Antônio Carrilho, premiado diretor de O homem da mata.
No set montado nos Quatro Cantos estavam praticamente todos os representantes poesia "marginal" da cidade. Ou melhor, urbana, como faz questão de diferenciar o poeta Carlos Carlos, autor do argumento que deu origem ao projeto, e que assina o roteiro ao lado de Carrilho. Foi um grande - e infelizmente raro - encontro entre Jorge Lopes, Samuca Santos, Ãngelo Bueno, Valmir Jordão, Cida Pedrosa, Silvana Menezes, Lara, Malungo, Pitanga, Eunápio Mário, Luis Carlos Dias, entre vários outros. Alberto da Cunha Melo, Chico Espinhara, Erickson Luna e França também estiveram lá, em saudosa evocação de todos.
De acordo com Carrilho, o recente falecimento destes poetas foi uma das motivações para realizar o curta. "Em três semanas formatamos e escrevemos o roteiro", disse o diretor. Foram sete dias desta primeira fase, as filmagens, encerradas na segunda-feira passada. Entre as locações, bares do Pátio de São Pedro e da Praça do Sebo (no Centro do Recife), o casario deteriorado da Rua do Sol e da Rua do Imperador, a ponte Princesa Isabel, o Sítio Histórico de Olinda e a periferia do bairro do Cordeiro.
Graças a recursos do concurso Ary Severo/Firmo Neto, e ao apoio do Centro Audiovisual Norte Nordeste (Canne), a produção coordenada por Tiago Melo conseguiu reunir uma equipe de 40 pessoas e equipamento de qualidade, como a câmera Aaton 35mm, grua e traveling. O objetivo é valorizar, com recursos do cinema clássico, um personagem normalmente vistocom preconceito.
O suporte película e o tratamento técnico diferenciado podem ser decisivos para a construção de um novo olhar sobre o tema, mas também geraram alguns obstáculos à realização. Os melindres no manuseio da câmera e a necessidade de muitos ensaios antes de o rodar os preciosos rolos da Kodak atrasaram em três dias o cronograma, transferindo para março o fim das filmagens. Além disso, o suporte película exige um oneroso processo de finalização, o que está conduzindo a um novo processo de captação de recursos para a pós-produção.
Sequências são estrofes, planos são versos
Poeta urbano, o curta-metragem, conta a história de Urbano, poeta que vive de vender um jornal independente que divulga a produção poética da cidade. No entanto, a noite passa e ele não consegue vender nada. Ao contrário do que esperava, Urbano vira alvo de incompreensão e violência, e busca nos amigos que organizam um recital em Olinda a inspiração para seguir adiante.
Urbano tenta vender a coletânea Aciranda poesia urbana, criada especialmente para o filme e que deve ganhar vida própria a partir de agora. O argumento veio do poema Coletivoraz, que recorta toda a publicação de poemas e desenhos. "Vejo esse filme como um poema onde as sequencias são estrofes, e os planos são os versos. É algo intenso, como a poesia de Miró", diz Carlos Carlos, que por 15 anos manteve nas ruas o períodico Poesicanteantroz.
Entre os poetas presentes no set, foi grande a identificação com o personagem. "Urbano sou eu", garante Jorge Lopes, que participou das filmagens do recital. "Poucos fizeram isso. Eu fui um deles", garante Lopes, que viveu 20 anos exclusivamente da venda da coletânea Balaio de gato. "Mais do que a necessidade de sobrevivência, Urbano passa à determinação de um sonho", afirma, com brilho nos olhos.
Carlos diz que a poesia urbana no Recife encontra eco em outros locais e épocas, mas há quem defenda que no Recife esse movimento é muito mais forte. "Morei em muitas partes do Brasil e nunca vi nada parecido com o que existe aqui", afirma Ângelo Bueno. A fala de Valmir Jordão, no entanto, sintetiza o assunto com maestria: "são pérolas que estão por aí, escondidas, esperando para serem colhidas".
Coletivoraz (Carlos Carlos)
Além do desconforto
E de não poder pedir parada
Pior é o perigo de cair no catabiu
Meter a cara na cratera e
Talvez até, ser preso
É, acusado de danificar o asfalto!
Eu acho isso tão comum
Que já está ficando monótono
Só não desisto da viagem
Porque não tenho medo
De acidente de percurso
Eu ainda chego em casa hoje
quinta-feira, 8 de janeiro de 2009
A vida íntima do presidente
Trajetória da família Silva será filmada sob o ponto de vista de Dona Lindu, a matriarca que migrou com os filhos de Capoeira, no interior de Pernambuco, para São Paulo
André Dib // Especial para o Diario
andrehdib@gmail.com
"Se for para me puxar o saco, eu não quero não. Mas se for pra me ajudar a me entender, faça", teria dito o presidente Lula a Denise Paraná, autora do livro Lula - O filho do Brasil. A orientação, acatada à risca pela jornalista, parece ter sido igualmente adotada pela equipe que daqui a duas semanas começa a rodar, nos arredores de Garanhuns, a versão cinematográfica da história de uma das maiores lideranças populares do país.
O conselho do presidente foi resgatado por Luiz Carlos Barreto, o homem forte por trás da LC Produções, empresa dona do projeto. Em conversa exclusiva com o Diario, ele antecipou detalhes da produção, a ser dirigida por seu filho, Fábio Barreto (O quatrilho). De acordo com Barretão (como é conhecido no meio), em momento algum da película serão usadas imagens reais de Lula. Muito menos haverá conotação político-partidária.
O roteiro, escrito por Paraná em parceria com Daniel Tendler e o próprio diretor, se restringe a contar a trajetória da família Silva, sempre sob o ponto de vista da matriaca Dona Lindu (a ser vivida por Glória Pires), da vida simples em Capoeiras (zona rural de Caetés), à sua morte, em 1980. "Você conhece o homem, mas não a sua história", diz o slogan do filme, orçado em R$ 12,7 milhões, e que deve ser lançado simultaneamente em todas as capitais da América Latina, ainda este ano.
Até ontem, Barreto e sua esposa Lucy estiveram no Recife para articular, com a ajuda do produtor Alfredo Bertini, parcerias com o governo do estado e Prefeitura de Garanhuns. "Apoios não financeiros", ressalta o produtor, que não usou dos sistemas de lei de incentivo para evitar qualquer suspeita de que o filme seria "chapa-branca".
Em Pernambuco, serão dez dias de filmagens em Capoeiras e na Serra do Tará, onde será reconstituída a casa onde nasceu Luiz Inácio. A segunda etapa começa em fevereiro e durará oito semanas, com locações em Santos e na periferia de São Paulo, cenário em que se formou o operário e líder sindical.
O elenco ainda não foi oficialmente anunciado, mas é praticamente certa a escalação dos pernambucanos Tay Lopes e Sóstenes Vidal, que farão, respectivamente, Lula (Lopes engordou dez quilos para viver o personagem) e seu irmão Ziza, mais conhecido como Frei Chico. Juliana Baroni será a primeira-dama, Dona Marisa Lima. Cleo Pires, filha de Glória, fará a primeira esposa de Lula.
Quem assina a produção geral é a irmã de Fábio, Paula Barreto. Já a equipe técnica está muito bem definida, com profissionais recorrentes nas produções da família Barreto. A fotografia será de Gustavo Hadba; a arte, de Clóvis Bueno; a montagem, de Letícia Giffoni.
Barreto disse que cinco atores interpretarão Lula, em diferentes momentos de sua vida. Ele não confirmou a escolha, mas deixou a entender que Tay Lopes teria sido escolhido após um teste com mais de 70 atores, selecionados entre 500 candidatos. "Fábio irá bater o martelo ainda esta semana". Leia mais a seguir.
Entrevista // Luiz Carlos Barreto: "O objetivo não é exaltar nada"
Qual o maior apelo da história de Lula, em termos cinematográficos?
A história de Lula é a mesma de milhares de famílias pobres. Ela representa as famílias Silva do Brasil, sobretudo entre os anos 20 e 60, em que houve o deslocamento de populações pobres em busca de sobrevivência. As estradas eram coalhadas de cruzes, de adultos e crianças que morriam no caminho. Só que essa família soube superar as dificuldades e melhorar de vida. Lula e seus irmãos tinham tudo para cair na marginalidade, e essa é a história que ninguém conhece: a da família Silva, que segue para Santos e emerge, contrariando todas as possibilidades.
Como nasceu o projeto?
Em 2003, a pergunta que mais ouvia nos festivais em torno do mundo era: e o Lula? Antes era Pelé, Garrincha, Ronaldinho, mas de uma hora pra outra, era o Lula, e a gente não sabia responder muita coisa. Um dia, conversando com Gilberto Carvalho, que é secretário dele, coloquei essa situação e ele me entregou uma cópia do livro de Denise Paraná. Quando li, pensei: aqui tem um filme. Inicialmente, ele seria um docudrama, com narração de Fernanda Montenegro. Mas como tínhamos outros projetos em marcha, encostamos o projeto. Quando retomamos, a ideia já era fazer um filme de ficção, baseado em fatos reais.
Assim como Lula, o senhor é um nordestino que migrou para o Sudeste. Existe aí alguma identificação pessoal com a história do presidente?
Sim, pois meu pai também sumiu do mundo, e deixou minha mãe com 11 filhos. Fui para o Rio de Janeiro em 1947, não de caminhão, mas de pau-de-arara aéreo, o avião dos Correios, porque eu era do partido comunista do Ceará, e tive que me afastar de lá por causa da perseguição. Lá, sempre recebi muito convite para me tornar político, mas nunca quis. Dizia que o meu partido era o PCB, partido do cinema brasileiro.
O filme será um tipo de cinebiografia?
Não me interessa uma cinebiografia, pois todo mundo sabe quem é o Lula presidente. O que ninguém sabe é quem foi esse personagem, cuja trajetória guarda coisas verdadeiramente surpreendentes. O objetivo não é exaltar nada, nem de culto à personalidade. Por exemplo, todo mundo pensa que Lula tem uma ideologia política, mas a visão de mundo de Lula é a visão de Dona Lindu, uma mulher analfabeta que tem como princípio de vida uma visão da leitura direta e concreta da vida.
André Dib // Especial para o Diario
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"Se for para me puxar o saco, eu não quero não. Mas se for pra me ajudar a me entender, faça", teria dito o presidente Lula a Denise Paraná, autora do livro Lula - O filho do Brasil. A orientação, acatada à risca pela jornalista, parece ter sido igualmente adotada pela equipe que daqui a duas semanas começa a rodar, nos arredores de Garanhuns, a versão cinematográfica da história de uma das maiores lideranças populares do país.
O conselho do presidente foi resgatado por Luiz Carlos Barreto, o homem forte por trás da LC Produções, empresa dona do projeto. Em conversa exclusiva com o Diario, ele antecipou detalhes da produção, a ser dirigida por seu filho, Fábio Barreto (O quatrilho). De acordo com Barretão (como é conhecido no meio), em momento algum da película serão usadas imagens reais de Lula. Muito menos haverá conotação político-partidária.
O roteiro, escrito por Paraná em parceria com Daniel Tendler e o próprio diretor, se restringe a contar a trajetória da família Silva, sempre sob o ponto de vista da matriaca Dona Lindu (a ser vivida por Glória Pires), da vida simples em Capoeiras (zona rural de Caetés), à sua morte, em 1980. "Você conhece o homem, mas não a sua história", diz o slogan do filme, orçado em R$ 12,7 milhões, e que deve ser lançado simultaneamente em todas as capitais da América Latina, ainda este ano.
Até ontem, Barreto e sua esposa Lucy estiveram no Recife para articular, com a ajuda do produtor Alfredo Bertini, parcerias com o governo do estado e Prefeitura de Garanhuns. "Apoios não financeiros", ressalta o produtor, que não usou dos sistemas de lei de incentivo para evitar qualquer suspeita de que o filme seria "chapa-branca".
Em Pernambuco, serão dez dias de filmagens em Capoeiras e na Serra do Tará, onde será reconstituída a casa onde nasceu Luiz Inácio. A segunda etapa começa em fevereiro e durará oito semanas, com locações em Santos e na periferia de São Paulo, cenário em que se formou o operário e líder sindical.
O elenco ainda não foi oficialmente anunciado, mas é praticamente certa a escalação dos pernambucanos Tay Lopes e Sóstenes Vidal, que farão, respectivamente, Lula (Lopes engordou dez quilos para viver o personagem) e seu irmão Ziza, mais conhecido como Frei Chico. Juliana Baroni será a primeira-dama, Dona Marisa Lima. Cleo Pires, filha de Glória, fará a primeira esposa de Lula.
Quem assina a produção geral é a irmã de Fábio, Paula Barreto. Já a equipe técnica está muito bem definida, com profissionais recorrentes nas produções da família Barreto. A fotografia será de Gustavo Hadba; a arte, de Clóvis Bueno; a montagem, de Letícia Giffoni.
Barreto disse que cinco atores interpretarão Lula, em diferentes momentos de sua vida. Ele não confirmou a escolha, mas deixou a entender que Tay Lopes teria sido escolhido após um teste com mais de 70 atores, selecionados entre 500 candidatos. "Fábio irá bater o martelo ainda esta semana". Leia mais a seguir.
Entrevista // Luiz Carlos Barreto: "O objetivo não é exaltar nada"
Qual o maior apelo da história de Lula, em termos cinematográficos?
A história de Lula é a mesma de milhares de famílias pobres. Ela representa as famílias Silva do Brasil, sobretudo entre os anos 20 e 60, em que houve o deslocamento de populações pobres em busca de sobrevivência. As estradas eram coalhadas de cruzes, de adultos e crianças que morriam no caminho. Só que essa família soube superar as dificuldades e melhorar de vida. Lula e seus irmãos tinham tudo para cair na marginalidade, e essa é a história que ninguém conhece: a da família Silva, que segue para Santos e emerge, contrariando todas as possibilidades.
Como nasceu o projeto?
Em 2003, a pergunta que mais ouvia nos festivais em torno do mundo era: e o Lula? Antes era Pelé, Garrincha, Ronaldinho, mas de uma hora pra outra, era o Lula, e a gente não sabia responder muita coisa. Um dia, conversando com Gilberto Carvalho, que é secretário dele, coloquei essa situação e ele me entregou uma cópia do livro de Denise Paraná. Quando li, pensei: aqui tem um filme. Inicialmente, ele seria um docudrama, com narração de Fernanda Montenegro. Mas como tínhamos outros projetos em marcha, encostamos o projeto. Quando retomamos, a ideia já era fazer um filme de ficção, baseado em fatos reais.
Assim como Lula, o senhor é um nordestino que migrou para o Sudeste. Existe aí alguma identificação pessoal com a história do presidente?
Sim, pois meu pai também sumiu do mundo, e deixou minha mãe com 11 filhos. Fui para o Rio de Janeiro em 1947, não de caminhão, mas de pau-de-arara aéreo, o avião dos Correios, porque eu era do partido comunista do Ceará, e tive que me afastar de lá por causa da perseguição. Lá, sempre recebi muito convite para me tornar político, mas nunca quis. Dizia que o meu partido era o PCB, partido do cinema brasileiro.
O filme será um tipo de cinebiografia?
Não me interessa uma cinebiografia, pois todo mundo sabe quem é o Lula presidente. O que ninguém sabe é quem foi esse personagem, cuja trajetória guarda coisas verdadeiramente surpreendentes. O objetivo não é exaltar nada, nem de culto à personalidade. Por exemplo, todo mundo pensa que Lula tem uma ideologia política, mas a visão de mundo de Lula é a visão de Dona Lindu, uma mulher analfabeta que tem como princípio de vida uma visão da leitura direta e concreta da vida.
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