quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

A vida íntima do presidente

Trajetória da família Silva será filmada sob o ponto de vista de Dona Lindu, a matriarca que migrou com os filhos de Capoeira, no interior de Pernambuco, para São Paulo


André Dib // Especial para o Diario
andrehdib@gmail.com

"Se for para me puxar o saco, eu não quero não. Mas se for pra me ajudar a me entender, faça", teria dito o presidente Lula a Denise Paraná, autora do livro Lula - O filho do Brasil. A orientação, acatada à risca pela jornalista, parece ter sido igualmente adotada pela equipe que daqui a duas semanas começa a rodar, nos arredores de Garanhuns, a versão cinematográfica da história de uma das maiores lideranças populares do país.

O conselho do presidente foi resgatado por Luiz Carlos Barreto, o homem forte por trás da LC Produções, empresa dona do projeto. Em conversa exclusiva com o Diario, ele antecipou detalhes da produção, a ser dirigida por seu filho, Fábio Barreto (O quatrilho). De acordo com Barretão (como é conhecido no meio), em momento algum da película serão usadas imagens reais de Lula. Muito menos haverá conotação político-partidária.

O roteiro, escrito por Paraná em parceria com Daniel Tendler e o próprio diretor, se restringe a contar a trajetória da família Silva, sempre sob o ponto de vista da matriaca Dona Lindu (a ser vivida por Glória Pires), da vida simples em Capoeiras (zona rural de Caetés), à sua morte, em 1980. "Você conhece o homem, mas não a sua história", diz o slogan do filme, orçado em R$ 12,7 milhões, e que deve ser lançado simultaneamente em todas as capitais da América Latina, ainda este ano.

Até ontem, Barreto e sua esposa Lucy estiveram no Recife para articular, com a ajuda do produtor Alfredo Bertini, parcerias com o governo do estado e Prefeitura de Garanhuns. "Apoios não financeiros", ressalta o produtor, que não usou dos sistemas de lei de incentivo para evitar qualquer suspeita de que o filme seria "chapa-branca".

Em Pernambuco, serão dez dias de filmagens em Capoeiras e na Serra do Tará, onde será reconstituída a casa onde nasceu Luiz Inácio. A segunda etapa começa em fevereiro e durará oito semanas, com locações em Santos e na periferia de São Paulo, cenário em que se formou o operário e líder sindical.

O elenco ainda não foi oficialmente anunciado, mas é praticamente certa a escalação dos pernambucanos Tay Lopes e Sóstenes Vidal, que farão, respectivamente, Lula (Lopes engordou dez quilos para viver o personagem) e seu irmão Ziza, mais conhecido como Frei Chico. Juliana Baroni será a primeira-dama, Dona Marisa Lima. Cleo Pires, filha de Glória, fará a primeira esposa de Lula.

Quem assina a produção geral é a irmã de Fábio, Paula Barreto. Já a equipe técnica está muito bem definida, com profissionais recorrentes nas produções da família Barreto. A fotografia será de Gustavo Hadba; a arte, de Clóvis Bueno; a montagem, de Letícia Giffoni.

Barreto disse que cinco atores interpretarão Lula, em diferentes momentos de sua vida. Ele não confirmou a escolha, mas deixou a entender que Tay Lopes teria sido escolhido após um teste com mais de 70 atores, selecionados entre 500 candidatos. "Fábio irá bater o martelo ainda esta semana". Leia mais a seguir.

Entrevista // Luiz Carlos Barreto: "O objetivo não é exaltar nada"

Qual o maior apelo da história de Lula, em termos cinematográficos?
A história de Lula é a mesma de milhares de famílias pobres. Ela representa as famílias Silva do Brasil, sobretudo entre os anos 20 e 60, em que houve o deslocamento de populações pobres em busca de sobrevivência. As estradas eram coalhadas de cruzes, de adultos e crianças que morriam no caminho. Só que essa família soube superar as dificuldades e melhorar de vida. Lula e seus irmãos tinham tudo para cair na marginalidade, e essa é a história que ninguém conhece: a da família Silva, que segue para Santos e emerge, contrariando todas as possibilidades.

Como nasceu o projeto?
Em 2003, a pergunta que mais ouvia nos festivais em torno do mundo era: e o Lula? Antes era Pelé, Garrincha, Ronaldinho, mas de uma hora pra outra, era o Lula, e a gente não sabia responder muita coisa. Um dia, conversando com Gilberto Carvalho, que é secretário dele, coloquei essa situação e ele me entregou uma cópia do livro de Denise Paraná. Quando li, pensei: aqui tem um filme. Inicialmente, ele seria um docudrama, com narração de Fernanda Montenegro. Mas como tínhamos outros projetos em marcha, encostamos o projeto. Quando retomamos, a ideia já era fazer um filme de ficção, baseado em fatos reais.

Assim como Lula, o senhor é um nordestino que migrou para o Sudeste. Existe aí alguma identificação pessoal com a história do presidente?
Sim, pois meu pai também sumiu do mundo, e deixou minha mãe com 11 filhos. Fui para o Rio de Janeiro em 1947, não de caminhão, mas de pau-de-arara aéreo, o avião dos Correios, porque eu era do partido comunista do Ceará, e tive que me afastar de lá por causa da perseguição. Lá, sempre recebi muito convite para me tornar político, mas nunca quis. Dizia que o meu partido era o PCB, partido do cinema brasileiro.

O filme será um tipo de cinebiografia?
Não me interessa uma cinebiografia, pois todo mundo sabe quem é o Lula presidente. O que ninguém sabe é quem foi esse personagem, cuja trajetória guarda coisas verdadeiramente surpreendentes. O objetivo não é exaltar nada, nem de culto à personalidade. Por exemplo, todo mundo pensa que Lula tem uma ideologia política, mas a visão de mundo de Lula é a visão de Dona Lindu, uma mulher analfabeta que tem como princípio de vida uma visão da leitura direta e concreta da vida.

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