quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Poetas urbanos na tela grande

Cineasta Antônio Carrilho arma set de filmagem para retratar a poesia marginal do Recife e de Olinda em curta-metragem



André Dib // Especial Para o Diario
andrehdib@gmail.com

Na última quinta-feira, o clima festivo que tem tomado conta dos Quatro Cantos de Olinda na expectativa do carnaval deu lugar a uma movimentação menos efusiva, mas nem por isso desconhecida aos olhos de quem frequenta o local.

Até porque, bem pouco tempo atrás, boa parte dos recitais noturnos promovidos pelo poeta França aconteciam ali mesmo, na frente do bar de Dona Darcy. Desta vez, o elemento agregador foi a produção do curta-metragem Poeta Urbano, novo projeto do cineasta Antônio Carrilho, premiado diretor de O homem da mata.

No set montado nos Quatro Cantos estavam praticamente todos os representantes poesia "marginal" da cidade. Ou melhor, urbana, como faz questão de diferenciar o poeta Carlos Carlos, autor do argumento que deu origem ao projeto, e que assina o roteiro ao lado de Carrilho. Foi um grande - e infelizmente raro - encontro entre Jorge Lopes, Samuca Santos, Ãngelo Bueno, Valmir Jordão, Cida Pedrosa, Silvana Menezes, Lara, Malungo, Pitanga, Eunápio Mário, Luis Carlos Dias, entre vários outros. Alberto da Cunha Melo, Chico Espinhara, Erickson Luna e França também estiveram lá, em saudosa evocação de todos.

De acordo com Carrilho, o recente falecimento destes poetas foi uma das motivações para realizar o curta. "Em três semanas formatamos e escrevemos o roteiro", disse o diretor. Foram sete dias desta primeira fase, as filmagens, encerradas na segunda-feira passada. Entre as locações, bares do Pátio de São Pedro e da Praça do Sebo (no Centro do Recife), o casario deteriorado da Rua do Sol e da Rua do Imperador, a ponte Princesa Isabel, o Sítio Histórico de Olinda e a periferia do bairro do Cordeiro.

Graças a recursos do concurso Ary Severo/Firmo Neto, e ao apoio do Centro Audiovisual Norte Nordeste (Canne), a produção coordenada por Tiago Melo conseguiu reunir uma equipe de 40 pessoas e equipamento de qualidade, como a câmera Aaton 35mm, grua e traveling. O objetivo é valorizar, com recursos do cinema clássico, um personagem normalmente vistocom preconceito.

O suporte película e o tratamento técnico diferenciado podem ser decisivos para a construção de um novo olhar sobre o tema, mas também geraram alguns obstáculos à realização. Os melindres no manuseio da câmera e a necessidade de muitos ensaios antes de o rodar os preciosos rolos da Kodak atrasaram em três dias o cronograma, transferindo para março o fim das filmagens. Além disso, o suporte película exige um oneroso processo de finalização, o que está conduzindo a um novo processo de captação de recursos para a pós-produção.

Sequências são estrofes, planos são versos

Poeta urbano, o curta-metragem, conta a história de Urbano, poeta que vive de vender um jornal independente que divulga a produção poética da cidade. No entanto, a noite passa e ele não consegue vender nada. Ao contrário do que esperava, Urbano vira alvo de incompreensão e violência, e busca nos amigos que organizam um recital em Olinda a inspiração para seguir adiante.

Urbano tenta vender a coletânea Aciranda poesia urbana, criada especialmente para o filme e que deve ganhar vida própria a partir de agora. O argumento veio do poema Coletivoraz, que recorta toda a publicação de poemas e desenhos. "Vejo esse filme como um poema onde as sequencias são estrofes, e os planos são os versos. É algo intenso, como a poesia de Miró", diz Carlos Carlos, que por 15 anos manteve nas ruas o períodico Poesicanteantroz.

Entre os poetas presentes no set, foi grande a identificação com o personagem. "Urbano sou eu", garante Jorge Lopes, que participou das filmagens do recital. "Poucos fizeram isso. Eu fui um deles", garante Lopes, que viveu 20 anos exclusivamente da venda da coletânea Balaio de gato. "Mais do que a necessidade de sobrevivência, Urbano passa à determinação de um sonho", afirma, com brilho nos olhos.

Carlos diz que a poesia urbana no Recife encontra eco em outros locais e épocas, mas há quem defenda que no Recife esse movimento é muito mais forte. "Morei em muitas partes do Brasil e nunca vi nada parecido com o que existe aqui", afirma Ângelo Bueno. A fala de Valmir Jordão, no entanto, sintetiza o assunto com maestria: "são pérolas que estão por aí, escondidas, esperando para serem colhidas".

Coletivoraz (Carlos Carlos)

Além do desconforto
E de não poder pedir parada
Pior é o perigo de cair no catabiu
Meter a cara na cratera e
Talvez até, ser preso
É, acusado de danificar o asfalto!
Eu acho isso tão comum
Que já está ficando monótono
Só não desisto da viagem
Porque não tenho medo
De acidente de percurso
Eu ainda chego em casa hoje

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