sábado, 19 de março de 2011

A hora dos mortos-vivos



Se comparados a Drácula e Frankenstein, eles são monstros de segunda categoria. No entanto, cada vez mais, zumbis povoam a cultura contemporânea. Exemplos não faltam: em encontros marcados via internet, eventos batizados Zombie walks arrastam para as ruas milhares de mortos-vivos. Também na rede, não é difícil acessar um manual de sobrevivência para lidar com zumbis e até um dicionário de grunhidos básicos para bater um papo com os monstrengos. Na TV, sucesso recente é a série The walking dead, baseada em história em quadrinhos publicada desde 2003.

Destituída da tradição literária que ampara os membros da elite do terror, foi através do cinema que a cultura zumbi se estabeleceu ao longo do século 20. Ou melhor, a partir de um relato de lendas do Haiti, uma nova mitologia foi inventada.

Para saber essa história em detalhes, basta ler Zumbis - o livro dos mortos (464 páginas, R$ 44,90), que acaba de ser lançado pela Leya Cult / Barba Negra. Em minucioso trabalho de pesquisa, Jamie Russell remonta às antigas lendas vudu do oeste africano trazidas ao Haiti por escravos da cana-de-açúcar para então serem apropriadas e adaptadas pela indústria cultural norte-americana.

O livro é ricamente ilustrado, e inclui uma filmografia de títulos disponíveis no Brasil. Nele, é curioso constatar a evolução do personagem ao longo do século, do seminal Zumbi branco (1932), em que um feiticeiro (Bela Lugosi) usa mortos como força de trabalho para colher e moer a cana-de-açúcar, ao divisor de águas que são os filmes de George Romero, onde zumbis se integram irreversivelmente à vida moderna: vestem camisetas, assistem TV e, claro, vão ao supermercado.

"Ao usar zumbis para criticar a sociedade, Romero elevou o gênero dos filmes terror", diz o cinéfilo Osvaldo Neto. Especialista no assunto, ele diz que a trilogia de Noite dos mortos vivos (1968), Despertar dos mortos (1978) e Dia dos mortos (1985) é essencial para qualquer apreciador que se preze. "Nesses filmes os vilões são os seres humanos, não os zumbis, pois se as pessoas fossem mais unidas e compreendessem o próximo, sobreviveriam aos ataques".

Filmes inéditos no Recife - Se ainda restava certa metafísica nos zumbis carnívoros de George Romero, a produção italiana dos anos 1970 se encarregou de esvaziá-la. É como se retirassem os miolos dos roteiristas, o que resultou em histórias com pouca ou nenhuma coerência. Em compensação, não faltam vísceras à vista. Foi o triunfo do subgênero splatter (ou gore), surgido nos EUA e elevado a níveis pornográficos por diretores como Lucio Fulci.

A partir de hoje, a Mostra Spaghetti Zombies traz ao Recife essa produção regada a sangue feito com molho de tomate. "São filmes indisponíveis comercialmente no Brasil que precisam ser conhecidos. Alguns eu descobri em VHS e guias de vídeo, antes da internet facilitar esse trabalho", diz Osvaldo Neto, que há tempos idealizava o evento e já pensa uma segunda edição.

"Coproduzido por Dario Argento, O despertar dos mortos fez sucesso monstruoso na Itália, que vivia boa fase no cinema popular, com faroeste e filmes de gladiador. Não foi problema seguir o filão".

Com cabeças voadoras e ataques de zumbis ninjas, não é preciso explicar muito sobre a essência do programa. "São filmes que usam do experimentalismo de som e imagem para provocar o espectador. Por exemplo, a primeira vez em que assisti a Terror nas trevas, eu odiei. Depois percebi que ele é o mais próximo de um pesadelo filmado que já vi. Nada faz sentido, é um filme de terror em estado puro". Sediada na Fundação Joaquim Nabuco, a Mostra Spaghetti Zombies estreia hoje no Cinema da Fundação e segue até sexta na Sala João Cardoso Ayres, com entrada franca.

Mostra Spaghetti Zombies - Programação

Hoje, 14h
Pelo amor e pela morte (Dellamorte Dellamore, 1985), de Michele Soavi

Segunda, 19h
Zombie 3 (1988) , de Lucio Fulci

Terça, 19h
A casa do cemitério (Quella villa accanto al cimitero, 1981), de Lucio Fulci

Quarta, 19h
Let sleeping corpses lie (1974)

Quinta, 19h
Terror nas trevas (E tu vivrai nel terrore), de Lucio Fulci

Sexta, 19h
Burial ground (Le notti del terrore, 1981), de Andrea Bianchi


Os dez melhores filmes, por Osvaldo Neto

1. Zumbi branco (1932), de Victor Halperin
2. A morta-viva (1943), de Jacques Tourneur
3. A noite do terror cego (Tombs of the blind dead, 1971), de Amando de Ossorio
4. Zumbi 3 (Let sleeping corpses lie, 1974), de Jorge Grau
5. Zombie (1979), de Lucio Fulci
6. Os mortos vivos (Dead and buried, 1981), de Gary Sherman
7. Terror nas trevas (The beyond, 1981), de Lucio Fulci
8. Re-animator (1985), de Stuart Gordon
9. A volta dos mortos vivos (The return of the living dead, 1985), de Dan O'Bannon
10. Pelo amor e pela morte (Dellamorte dellamore, 1985), de Michele Soavi

(Diario de Pernambuco, 19/03/2011)

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