domingo, 7 de março de 2010

O recado de Hollywood



Em um, triunfa a forma; no outro, a substância. Neste domingo à noite saberemos qual o recado de Hollywood para o mundo. Vence Avatar, produto eficaz do processo de colonização cultural em curso, detentor do mais estratosférico lucro via tecnologia de ponta já obtido com discurso ecologicamente correto? Ou Guerra ao terror, que conecta a linguagem cinematográfica ao drama geopolítico do momento?

Previsto para iniciar às 22h (horário de Brasília) no Kodak Theatre, Los Angeles, o 82º Academy Awards, o Oscar 2010, tem recebido atenção acima da média se comparado com edições anteriores. Boa parte por conta do embate entre os favoritos aos prêmios principais. Os filmes de James Cameron e Kathryn Bigelow estão indicados para nove categorias, empate que parece não ter nada de acidental. Disputas acirradas garantem audiência, e nada como uma briga de casal (Cameron e Bigelow foram casados por três anos) para esquentar a festa de logo mais.

A mídia mundial responde à altura,e nas últimas semanas têm dedicado espaço nobre para cada episódio. O último diz respeito ao processo judicial encampado por um sargento do exército americano aos produtores de Guerra ao terror, cujo roteiro ele alega ter sido baseado em sua experiência no Iraque. Curioso o fato do filme ter sido lançado há um ano, e somente agora, a menos de uma semana do Oscar, o sujeito tome consciência disso. Outro revés para Guerra ao terror foi o envio de emails depreciando seu principal concorrente a membros da Academia. Como punição, o co-produtor Nicolas Chartier, autor das mensagens, está proibido de participar da cerimônia. Mais um barrado de última hora - este por motivos de segurança moral - é o comediante inglês Sacha Baron Cohen. Ele faria uma sátira à Avatar, mas considerando o que o criador de Borat e Brüno é capaz, os produtores da festa decidiram não arriscar.

Em meio à batalha dos gigantes, nada resta aos demais concorrentes, senão aguardar. Seria uma ousadia se Distrito 9 ou Bastados inglórios, filmes que se sustentam em qualquer círculo cinéfilo, ganhassem o prêmio principal. Esborram sangue pelos ladrões e são muito experimentais para os senhores da Academia. Já Preciosa - uma história de esperança e Um sonho possível, com suas tramas de sofrimento e superação, têm tudo para comovê-los. O trabalho de suas atrizes - Gabourey Sidibe e Mo'Nique no primeiro e Sandra Bullock no segundo - está entre os favoritos à estatueta.

Quanto a Up - altas aventuras, o simples fato de ser indicado representa uma vitória para os desenhos animados. Antes dele, somente A bela e a fera (1991) havia conseguido a proeza. Deve ganhar o de melhor animação, a despeito do belo trabalho de Wes Anderson em O fantástico Senhor Raposo. A produção inglesa Educação e Um homem sério devem ficar a ver navios - só faz dois anos que os Coen levaram quatro Oscar por Onde os fracos não têm vez (2007). Amor sem escalas poderia colocar George Clooney como favorito a melhor ator, não fosse a interpretação arrebatadora outro candidato: Jeff Bridges, que vive um astro da música country em decadência em Coração louco.

Entre os filmes estrangeiros, o favorito é A fita branca, que conseguiu furar o bloqueio e ser indicado também a melhor fotografia, verdadeira obra-prima em um filme distante daquilo que se supõe ser o gosto da Academia. É o caso de outro sério candidato, o peruano A teta assustada. Fica a lição aos brasileiros, que indicam filmes supostamente alinhados à linguagem do cinemão americano e ficam a ver navios.

(Diario de Pernambuco, 07/03/2010)

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