sexta-feira, 19 de março de 2010

Policial em crise



Com toda a estranheza que possa causar, o filme romeno Polícia, adjetivo (Politist, adjectiv, 2009) atinge em cheio a atual discussão sobre drogas, o anacronismo da lei e o consequente dilema ético de seus representantes, a polícia. Não foi à toa que, no último Festival de Cannes, o novo longa de Corneliu Porumboiu (A leste de Bucareste) ganhou o prêmio do júri na mostra Un Certain Regard e foi eleito o melhor pela crítica. Sua investigação de costumes se dá principalmente na estética, o que impõe ao filme um ritmo lento, burocrático e repetitivo a ponto de mexer com os brios do mais paciente dos espectadores. O filme estreia no Recife hoje, no Cinema da Fundação (Derby).

Eis a missão de Cristi (Dragos Bucur), homem da lei jovem o suficiente para questionar se precisa dar voz de prisão para um estudante que repassa haxixe para os colegas. Eles fumam impunes, num terreno baldio nos fundos da escola, sem saber que são vigiados. A prova do crime? Uma bituca recolhida do chão. Após um sem número de relatórios e carimbos de funcionários do departamento onde Cristi trabalha, seu chefe não tem dúvida e manda prender os delinquentes. Cristi resiste e argumenta que em breve a lei que manda punir a atividade vai cair, como tem sido em toda a Europa.

Polícia, adjetivo funciona como ante-sala. Cruzamos corredores, escadarias, e calçadas inteiras em tempo real. Se algo está prestes a acontecer, o corte nos leva para a próxima cena longa e chata, como a que Cristi aguarda a vez de falar com o chefe enquanto a secretária aperta teclas do computador, infinitamente.

A elipse, recurso utilizado para dar agilidade, aqui recorta a ação cinematográficapelo avesso, um claro desafio à perspicácia de quem assiste e elemento máximo da ironia de um drama que se resolve na base da dicionário. Irredutível no cumprimento da lei, o chefe não se deixa convencer e busca o significado de palavras como “consciência”, “moral”, “lei” e, naturalmente, “polícia”. O plano fixo de quase 20 minutos é o ápice da forma adotada pelo filme, que deixa de fora qualquer cena de ação típica, assim como a montagem frenética dos policiais norte-americanos.

(Diario de Pernambuco, 19/03/2010)

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