sábado, 13 de março de 2010
Brasil perde violentamente o humor de Glauco
O Brasil acordou ontem de mau humor. Na madrugada, o pai de Geraldão, Dona Marta, Doy Jorge, Zé do Apocalipse, Casal Neuras e muitos outros personagens, o cartunista Glauco Villas Boas, foi assassinado a tiros em sua casa, na zona rural de Osasco (Grande São Paulo).
A tragédia - que também vitimou seu filho, Raoni, de 25 anos - deixou artistas, colegas e admiradores consternados. "Perdi boa parte da minha história com a morte do Glauco", disse Angeli, à Folha. "O dia fechou com o desaparecimento do Glauco. Não há palavras para justificar, explicar, entender...", escreveu Maurício de Souza no Twitter.
Segundo a polícia, dez tiros foram disparados por volta da meia-noite de ontem. Glauco foi baleado quatro vezes. Um tiro acertou seu rosto. Os outros atingiram o abdome e o tórax. Seu filho Raoni, que também seguia carreira de cartunista, foi baleado quatro vezes, no tórax e abdome. Ironia do destino, sua última tira, publicada ontem pela Folha de São Paulo, mostra Dona Marta e seu chefe apontando armas de fogo na cabeça um do outro. Em charge do mesmo dia, Angeli desenha um fuzilamento no paredão em Cuba. Já o cartunista Pelicano, seu irmão, desenhou um anônimo que morre e vai para o céu.
Não há consenso para explicar as circunstâncias do crime. A mais provável indica que não se tratou nem de assalto, nem de vingança. Um dos suspeitos foi identificado como Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, universitário conhecido da família, que até seis meses atrás frequentava a Igreja Céu de Maria, fundada há 15 anos pelo cartunista, dentro da doutrina do Santo Daime. No fim da tarde de ontem, a família Villas Boas disse à imprensa que Sundfeld queria que Glauco o acompanhasse até a casa de sua mãe, para dizer a ela que ele era Jesus Cristo.
Transtornado e armado com pistola, ele primeiro rendeu a filha do cartunista. Quando Glauco tentou negociar com o agressor, recebeu uma coronhada no nariz, que o deixou ensanguentado. Na sequência, o rapaz ameaçou se matar e Glauco o aconselhou a não fazê-lo. Quando Raoni chegou e viu a cena, Sundfeld deu os disparos.Os corpos foram velados na igreja onde Glauco era líder espiritual de cerca de 300 pessoas.
Trajetória - Nascido em Jandaia do Sul, no Paraná, Glauco tinha 53 anos e era um dos maiores nomes de sua geração. É filho do sertanista Orlando Villas Boas e irmão de Pelicano, também cartunista. Sua carreira começou nos anos 1970, quando publicou as primeiras tirinhas no Diário da Manhã, de Ribeirão Preto, onde foi prestar vestibular para engenharia. O reconhecimento veio cedo, premiado por dois anos consecutivos pelo Salão Internacional de Humor de Piracicaba. Em 1978 passou a colaborar para a Folha de São Paulo.
O sucesso editorial foi obtido nos anos 1980, quando passou a publicar seus personagens em revistas da Circo Editorial, entre elas Chiclete com Banana, Piratas do Tietê e seu próprio título, Geraldão. A parceria com os colegas Angeli e Laerte rendeu momentos antológicos, sendo o maior deles a criação de Los 3 Amigos, que, anos depois, se tornaram quatro, com a entrada de Adão Iturrusgarai. Glauco também trabalhou para a televisão, onde fez parte da equipe de criação dos programas TV Pirata e TV Colosso, da Rede Globo.
"Em plena era digital Glauco continuava fiel à prancheta, desenhando à mão com nanquim. Usava o computador apenas para colorir os trabalhos, depois de escanear cada um deles. Glauco registrou, a cada momento, as transformações pelas quais passou o mundo, o Brasil. Era um profundo conhecedor e crítico da alma humana, mas sempre de maneira bem humorada, provocando reflexões", destaca Ricardo Viveiros, presidente do Salão de Piracicaba.
Amigos se mobilizam
Assim como Henfil - sua principal influência-, Glauco se foi. Sua obra, descrita por Bob Fernandes como dedicada a mostrar políticos no "exercício infantil do poder", deixou uma legião de seguidores e admiradores que cresceram rindo com suas tirinhas e HQs. Querido pelos colegas, sua morte atingiu em cheio a comunidade artística que imediatamente se mobilizou em homenagens. O presidente Lula, que teve sua imagem desenhada por Glauco incontáveis vezes, emitiu nota oficial prestando solidariedade à família, na qual diz que o desenhista paranaense foi "um grande cronista da sociedade brasileira".
Como reação às circunstâncias absurdas da morte de Glauco e Raoni, há uma mobilização nacional para que todas as charges do país tematizem o caso com foco no problema da violência social. "(Glauco) Usava o humor como arma de anteparo à violência. Fica a lembrança de um amigo que fez de sua vida uma história de sucesso no humor gráfico do país. E o compromisso de continuarmos na batalha de enfrentar a violência de nossos dias, com o que melhor sabemos fazer- o humor", diz nota oficial emitida pela Associação Brasileira de Cartunistas.
Na internet, usuários do Twitter se desdobraram em mensagens e lamentos. O site da revista Mad nacional e o Blog da publicação especializada Universo HQ organizaram a reunião que, até o fechamento desta edição, contava com mais de cem cartuns em homenagem ao artista.
"Glauco era a alegria em pessoa. Seu bom humor contagiava todos. Hoje, o cartum ficou sem graça.", diz Samuca, chargista do Diario de Pernambuco e presidente da Associação dos Cartunistas de Pernambuco - Acape, E acrescentou: "Glauco Villas Boas, levaram você, como a tantos outros, de forma estúpida. Deixamos aqui nosso respeito e reconhecimento pelo seu talento, pelo seu humor e pelos personagens e situações que criou. Estas, sim, imortalizadas pelo seu traço".
Amigo de longa data, o cartunista Spacca disse ao Diario que percebe certa lógica na tragédia. "A vida do Glauco sempre foi cheia de acontecimentos insólitos, coisas que só aconteciam com ele. Fica a lembrança de um cara muito gozador, sensível, destrambelhado, que encontrou o eixo e saiu de uma vida junkie para o consumo ritual do Santo Daime. Aprendi muita coisa com ele, desde imitar seu traço, no início de carreira, até a não me levar muito a sério".
Em seu blog, Spacca publicou uma bela homenagem com desenhos e textos. "Ele conservava a irreverência e a rapidez do traço do Henfil, mas a genialidade era dele. Tinha um humor maroto, meio caipira, que era dele mesmo, da família e da cidade dele". Spacca destaca o "absoluto 2D" como a característica marcante de seu traço. "É um desenho egípcio, chapado, bidimensional. Nestes tempos de louvação do 3D, isto merece ser resgatado". E certa vez Glauco disse a ele que o nome "Geraldão" vem da ideia de que o personagem é um homem comum, "geral".
Depoimentos
"O fato é tão chocante que nossa reação não pode ser medida em palavras, mas em um sentimento de dor, luto e desesperança. Apesar disso, nós sairemos do choque. E vamos encontrar caminhos, mesmo que sejam longos, demorados, para contermos essa onda de irracionalidade e desumanidade. Vamos lutar para isso"
Maurício de Souza, criador da Turma da Mônica
"Glauco era o melhor chargista do Brasil. Ele tinha um raro senso de síntese e simplicidade que geram identificação rápida com o leitor. Ele usava isso para colocar o dedo na ferida da política brasileira, sem rancor e com senso de humor"
Álvaro de Moya, jornalista e pesquisador
"Não sei o que dizer. É tudo muito cruel e sem sentido. Glauco, assim como Angeli e Laerte,são muito importantes para mim, que sou da geração seguinte. Glauco tem um trabalho único, original, que divertia as pessoas. E morre dessa forma. Muito ruim"
Lourenço Mutarelli, escritor e desenhista
"Glauco é um dos maiores cartunistas do mundo. Sua produção não mente: para mim, é o rei da composição e da síntese. É quase impossível encontrar uma linha sobrando"
Antônio Clériston, cartunista
(Diario de Pernambuco, 13/03/2010)
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2 comentários:
fiquei chocada com a violencia do caso e pai e filho logo é cruel!
Amado amigo,
eu nunca tinha chorado com a morte de artista nenhum.
E só pensei em ti quando ouvi a notícia.
Doy Jorge, Geraldão, Dona Marta, ..., fazem parte de mim, do meu repertório.
Tua matéria faz justiça a Glauco.
Beijo imenso!
eva
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