segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Hora infeliz



Comédias são ótimas formas de falar sério. As melhores nos convidam a questionar maus costumes, a quebrar preconceitos. Não é o caso de Happy hour, que simplesmente os reforçaram. O Teatro de Santa Isabel não chegou a ficar lotado e mesmo assim demorou a fazer silêncio após a peça começar. Nos primeiros minutos, portas batendo, gente atrasada falando alto e celulares ligados provam que falta educação entre aqueles que podem pagar R$ 60 por uma hora de entretenimento.

É para essa faixa de público – a que pode e gosta de tomar um black label num barzinho da moda e tem urticária quando ouve em reforma agrária ou distribuição de renda - que a peça dirigida por Jô Soares serve de espelho. Pode-se rir da caricatura que o ator Juca de Oliveira (autor do texto) faz da classe média e suas opiniões pré-fabricadas pela revista Veja. Mas na maior parte do tempo, prevalece a identificação ideológica.

As luzes iluminam um balcão com garrafas. No banco redondo, de copo na mão, Oliveira brinda a platéia. “O público é a vida do artista. Nos últimos 50 anos, passei mais tempo com vocês do que com a família”. Por isso, explica, resolveu externar suas opiniões com a sinceridade de quem está numa roda de amigos, tomando uísque.

A peça pode ser descrita como uma crítica à corrupção na política brasileira, mas não é o caso. O que começa como um desabafo generalizado se torna um ataque sistemático contra o presidente Lula e a esquerda no poder. Fala-se em Sarney para atingir Lula. O recente escândalo com o governador Arruda? Lula. Engarrafamento? Lula. Impotência sexual? A culpa é de Lula. Após um pudor inicial, o público do Santa Isabel se abriu em risadas e aplausos. Nada como destilar ódio de classe na intimidade dos iguais.

Em certos momentos, houve o mal estar de olhar para o próprio reflexo. A sala ficou em silêncio quando Oliveira chamou militantes do MST e beneficiários do Bolsa Família de desocupados. Em São Paulo, reduto político de Serra, Alkmin e Maluf, a recepção deve ter sido mais calorosa - a montagem permaneceu em cartaz por sete meses. Chama a atenção as logomarcas impressas no material de divulgação de Happy hour. Não pela do Governo de São Paulo, mas pela do Governo Federal. É como se o MinC patrocinasse a coluna do Diogo Mainardi.

(Diario de Pernambuco, 14/12/2009)

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