domingo, 29 de novembro de 2009
Um mutante em DVD
A história de Arnaldo Baptista é tão incrível que parece ter sido inventada.
Para contá-la no documentário Loki, Paulo Henrique Fontenelle (diretor) e André Sady (produtor) propuseram ao artista que pintasse uma tela para buscar as mais remotas lembranças. A ideia rendeu momentos preciosos e reveladores.
Produzido e distribuído em cerca de 20 salas de forma independente pelo Canal Brasil, o filme teve carreira positiva em festivais e foi lançado ontem em formato DVD. Vale visitar o hotsite.
Leia aqui matéria publicada em maio no Diario de Pernambuco e no Quadro Mágico.
No filme a história dos Mutantes é mostrada como fosse o DNA de Baptista. A inocência perdida com a separação de Rita Lee e consequente fim da banda gerou Lóki?, álbum que dá nome ao filme, prenúncio do processo de negação (que rendeu duas outras bandas - Uns e outros em 1976 e Patrulha do Espaço em 1978) e loucura (quis contratar um amigo para ser o capitão da nave espacial que ele estaria construindo) que estaria por vir. Os amigos concordam que o ex-mutante não conseguiu superar a perda de Lee e o fim da banda, tornando-se cada vez mais obscuro e triste. Seriam exageradas as comparações com Syd Barret, criador do Pink Floyd - seu disco solo, Madcap laughs, foi produzido pelo pupilo David Gilmour e lançado uns cinco anos antes de Lóki??
O filme de Fontenelle traz depoimentos de todos os envolvidos, direta ou indiretamente nessa trajetória. Menos Rita Lee, figura envolvida até o pescoço em seu passado (literalmente, pois a garota loira figura no meio da tela), que se recusou a falar, mas liberou o uso de imagens de arquivo.
Parece que nunca teremos a versão de Lee para o notório episódio do suicídio de Baptista, que em 31 de dezembro de 1980 se jogou da janela do manicômio onde estava contra a vontade. "Disse para mim mesmo: vou comemorar o aniversário de quem me colocou aqui pela primeira vez. Me joguei, e parece um milagre, acordei na cama com minha menina”.
A "minha menina" é Lucinha, a fã que com paciência e amor trouxe Baptista de volta à criação artística, num sítio no interior de Minas, onde vive entre guitarras e tintas coloridas, e finalmente o mito encontrou a redenção.
Dos amigos, Lobão (que lançou seu último disco, Let it bed) e Tom Zé são destaques. Ex-companheiros como o irmão Sérgio e Liminha também estão lá.
Fã confesso, Sean Lennon conta como foi descobrir Os Mutantes: "Não sabia que havia uma banda como essa no mundo. Foi uma das melhores gravações que ouvi na vida. Parecia que eles notaram a psicodelia britânica, mas tinham uma sonoridade compeltamente particular. Mas ainda assim, psicodélica. Os arranjos de metal são mais particulares nos mutantes do que numa gravaçao dos Beatles ou dos Rolling Stones. Estes são mais orquestrados, mas os arranjos dos mutantes são muito misteriosos, interessantes e muito sofisticados. Toquei com Arnaldo Baptista no Rock in Rio e achei inacreditável pois foi um dos primeiros shows dele em muitos anos. Foi uma honra para mim facilitar a volta dele. Parece que ele tem alma de criança".
No Barbican Theatre (Londres), eleito para ser palco do retorno da banda, um dos entrevistados fala o que Sean Lennon não teve coragem: "Os Mutantes são melhores do que os Beatles".
No sítio onde vive com a companheira Lucinha, entre plantas e bichos, a imagem de Lennon sobre Baptista se confirma. Através do filme, temos a certeza de que somente se entregando plenamente à sua originalidade, Baptista encontrou a realização da profecia cantada há quase 40 anos em Balada do louco - e deve ser mais feliz do que a maioria de nós, loucos que fingem ser normais.
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