quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Filme sobre retirante que virou presidente é testado no Recife



Brasília (DF) - Somente para convidados, Lula, o filho do Brasil teve sua primeira exibição pública durante a abertura do 42º. Festival de Brasília. Com inegáveis qualidades técnicas e recursos narrativos direcionados a grandes audiências, o longa-metragem dirigido por Fábio Barreto "nasceu" em sessão hour concours, na noite de anteontem, no Teatro Nacional. No Recife, o filme que dramatiza a biografia do presidente em exercício Luiz Inácio Lula da Silva tem pré-estreia marcada para hoje, às 20h, no Teatro Guararapes, com a presença do elenco principal. Até janeiro, quando estreia em pelo menos 500 salas do circuito nacional, haverá sessões especiais em São Bernardo do Campo, João Pessoa (durante o Fest Aruanda) e no Rio de Janeiro.

Desde o ano passado, quando anunciaram o início das filmagens, os Barreto e demais membros da equipe (inclusive atores) reiteram o mantra de que não há intenção política em dramatizar a história do retirante pernambucano que chegou à presidência. Não por acaso, a estrutura é similar à de Dois filhos de Francisco. Só que em vez do show triunfante no final da história, há imagens de arquivo da posse presidencial de 2003. "Este não é um filme político, mas um melodrama épico. Antes de tudo, é a história de uma mãe e seu filho. Em segundo lugar, está o drama das milhares de famílias que migraram do nordeste em busca de melhores condições", disse Fábio Barreto, em coletiva de imprensa promovida na manhã de ontem.

Mesmo com todas as negativas, não há dúvida de que o filme se tornará um poderoso agente mitificador da figura do presidente - e claro que isso tem sua função política. Por sua vez, a ascendente popularidade e prestígio de Lula alimenta o interesse pela película. Os produtores agradecem: de que outra forma empreiteiras, fabricantes de automóveis e de bebidas e outros representantes da iniciativa privada bancariam uma produção com orçamento de R$ 16 milhões, o maior do cinema nacional?

A presença da GloboFilmes como co-produtora é no mínimo curiosa. Afinal, em 1989, a TV Globo, foi acusada de manipular a edição do último debate entre Lula e Collor, o que teria sido decisivo na derrota do petista. Vinte anos depois, uma das empresas do grupo - responsável pela estratégia de Os normais e Se eu fosse você - pretende tornar a cinebiografia do atual presidente, além de possível candidata ao Oscar de melhor filme estrangeiro, na maior bilheteria do cinema nacional.

Para tanto, apelo popular não falta à produção. De forma direta, a vida pregressa de Lula (Rui Ricardo Dias, longe da caricatura fácil) é contada cronologicamente, de 1945, quando nasceu nas mãos da parteira em Caetés, agreste pernambucano, a 1980 quando morre a mãe, Dona Lindu (Glória Pires). Entre a bondade do irmão Jaime (Maicon Gouveia), decisiva para a migração da família, e a violência do pai Aristides (Milhem Cortaz), surge o operário prestes a ser mutilado, no corpo pelo acidente na fábrica, e na alma, pela perda de Lurdes (Cléo Pires), a primeira esposa, no momento do parto.

Combalido, no colo da mãe, o heroi retoma o poder ao lado da nova companheira, Marisa (Juliana Baroni), cujo primeiro encontro tem um viés engraçado e gerou o momento mais descontraído na plateia. Ao que Lula ascende enquanto liderança sindical, a reconstituição do discurso para 80 mil trabalhadores no Estádio da Vila Euclides, feito com 600 figurantes multiplicados digitalmente, se torna um dos momentos mais vibrantes dos 125 minutos de projeção.

Apelo popular de Lula não contagia Brasília
Nunca antes na história do Festival de Brasília uma cerimônia de abertura foi tão tumultuada. Do lado de dentro da sala Villa Lobos do Teatro Nacional, pelo menos 200 pessoas, entre ministros, congressistas e até parte do elenco principal ficaram sem ter onde sentar.

Do lado de fora, foi grande o empurra-empurra para conferir o mais polêmico filme brasileiro dos últimos tempos. Muita gente ficou pra fora. Outros conseguiram entrar na base da "carteirada". Sintomas de um evento disputado em Brasília.

Ao mesmo tempo, nada poderia ser mais simbólico para o festival, famoso por acolher filmes polêmicos e de inclinação política, do que começar as atividades recebendo uma plateia em grande parte formada por políticos e funcionários públicos de diferentes escalões. Lula, personagem principal da produção, não compareceu. Esteve representado pela primeira-dama Marisa Letícia, que no final da sessão abraçou emocionada Glória Pires, disse que se viu na interpretação de Juliana Baroni e as convidou para, junto com os Barreto, tomar um drinque com o presidente no Palácio do Planalto.

A mesma elegância não ocorreu antes da projeção, quando quase rolou um barraco. Dispensando qualquer formalidade, o clã Barreto criticou a falta de cadeiras para o elenco. Irritado com a organização, Fábio praticamente arrancou o microfone da mão da irmã e ameaçou não começar a sessão enquanto o problema não fosse resolvido. Chegou a sugerir que uma fileira de 30 pessoas se levantasse para acomodar o grupo. Como resposta, ouviu vaias e brincadeiras de mau gosto. A situação inclusive ofuscou uma tentativa de protesto a favor da extradição de Cesare Battisti, promovido pelo grupo cearense Crítica Radical.

A confusão certamente não se repetirá hoje à noite, no Recife, já que o Teatro Guararapes comporta 3 mil pessoas. De acordo com a assessoria de imprensa da Bertini Produções, responsável pelo evento, 1.500 convites duplos foram distribuídos a autoridades, formadores de opinião, empresários, profissionais liberais, estudantes e cineastas. Entre osconvidados especiais estão o governador Eduardo Campos e a família de Lula (uma parte vem de São Paulo e outra de Caetés e Garanhuns). O presidente, que originalmente estaria na sessão cancelou a viagem porque quer evitar conotação política. Assistirá o filme com os sindicalistas, no próximo dia 28, em São Bernardo do Campo. De qualquer forma, por precaução, uma dica para possíveis coquetéis que antecedam ou encerrem tais eventos: evitem a gafe do buffet de Brasília, que serviu, entre outros quitutes, picadinho de lula no casquinho.

Barretão pendura chuteiras
Aos 81 anos, Luiz Carlos Barreto encerrou a coletiva de ontem com a inesperada declaração de que Lula, o filho do Brasil foi a última produção de sua longa trajetória no cinema.

"Depois de 46 anos de militância cinematográfica, estou entregando o leme a Paula, Fábio, Bruno e Júlia", disse Barretão, ao lado de sua esposa Lucy. "Esse filme, que tive a felicidade de estar vivo para fazer, completou minha carreira", garantiu o veterano produtor de Dona Flor e seus dois maridos (1978), a maior bilheteria da história do cinema nacional.

Cearense de Sobral, Barreto começou a carreira como fotógrafo da revista Cruzeiro, ofício que transpôs para o cinema em pelo menos dois clássicos: Vidas secas, de Nelson Pereira dos Santos, e Terra em transe, de Glauber Rocha. Em 1961 fundou a LC Barreto, cuja primeira produção foi Assalto ao trem pagador, de Roberto Farias. De lá para cá, mais de 80 filmes foram lançados sob a marca da produtora.

Sobre o derradeiro trabalho, que nasceu sob sua iniciativa com base no livro homônimo de Denise Paraná, Barreto afirmou com veemência que nele não há qualquer sentido eleitoreiro. "É um filme didático. Para mostrar aos brasileiros ricos e pobres que as relações familiares devem ser reforçadas. Pois é assim que se transforma uma nação", disse, enquanto a filha Paula contia as lágrimas.

(Diario de Pernambuco, 20/11/2009)

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