quinta-feira, 26 de novembro de 2009
Entrevista // Camilo Cavalcante: "O sertão tem mil vieses a serem descobertos"
Ave Maria... foi premiado em três pontos fortes do filme. Qual é sua avaliação?
A alma desse filme é muito simples, acho que o mais simples que já fiz. Ele tem a poesia da simplicidade que não se forja, mas a que simplesmetne existe e nós conseguimos captar. Sem dúvida o trabalho de Nicolas Hallet e Beto Martins foram essenciais. Eles tiveram não só técnica, mas muita sensibilidade e generosidade a partir do momento em que fizeram oficinas e treinaram assistentes. Eles mergulharam no sertão e compartilharam a experiência com quem não tinha experiência alguma. Creio que o filme foi premiado porque a honestidade do processo está na tela. O sertão é mostrado de maneira íntima e o júri reconheceu essa verdade no projeto.
Você sempre defendeu o cinema enquanto arte coletiva. Desta vez, abriu mão do crédito de diretor para assinar com toda a equipe, da qual participaram moradores de Serrita. Como isso funcionou na prática?
Antes fizemos uma parte teórica, hisória e linguagem do cinema, depois introduzimos noções de roteiros e pedimos que trouxemos ideias em torno da Ave Maria. Depois de tudo selecionado, escrevemos o roteiro. Paralelamente havia a pesquisa de locação, com todo mundo numa kombi e discutimos em sala os lugares mais interessantes. Filmamos somente as tardes, o que dava tempo para fazer um set tranquilo e participativo. Os sets estão cada vez mais estressados, todos ficam nervosos e a magia se perde no ritmo de trabalho. Não existiu hierarquia. Eu estava como a pessoa que propôs o exercício, o desafio. De certa forma, era o pilar de referência, sem impor nada. Quando via algo que do meu ponto de vista era muito importante, colocava para discutir com eles. Por exemplo, na edição, os alunos julgaram o primeiro plano muito longo e ele foi diminuido até surgir o consenso.
O que te levou a adotar esse método?
Para fazer um filme sobre uma realidade que não é a minha, achei interessante esse tipo de mergulho. Foi uma grande experiência. Cheguei com informações e as pessoas me deram sua forma de enxergar o mundo. Quem vai para Lisboa de avião, gasta sete horas. Para Serrita, de ônibus gasta o mesmo, mas não tem o abismo geográfico do oceano, mas do contato, da percepção. Sou uma pessoa urbana e pensei que esse contato poderia dar alma a um filme que a gente não vê muito por aí. Na maioria dos filmes, o sertão acaba sendo estereotipado por quem se apropria dele para construir uma obra. Quis o contrário, um filme onde as pessoas pudessem se expressar, que não entra como um colonizador, que passa como um trator em cima dos outros, coisa que transparece num filme. O sertão é muito mais do que um território geográfico, mas da alma humana. Apesar de muitos críticos dizerem que o tema está desgastado, acho que ele ainda tem mil vieses a serem descobertos.
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