sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Utopia anárquica no Recife



Sexta à noite, 1º de outubro de 2010. Cláudio Assis e equipe rodavam a sequência final de Febre do rato na beira do Rio Capibaribe, lado oposto ao Cinema São Luiz. À época, o cinema serviu de base de produção de figurino e camarim. Cláudio disse que passava por trás da tela. Do lado oposto, o cinema exibia o clássico Belíssima, de Luchino Visconti. Na plateia - e logo depois da sessão, em vista ao set - estava Kleber Mendonça Filho, que pouco mais de um ano depois inicia o Janela Internacional de Cinema do Recife com o novo longa de Assis.

O ciclo se fecha. O próprio São Luiz está no filme, em belo travelling feito do leito do Capibaribe, evocando a New Orleans de Down by Law (1986), de Jim Jarmusch. “Febre do rato é um retrato artístico do Recife. Como este ano a Janela volta-se para a cidade e para o mundo, não deu muito trabalho encontrar o filme de abertura”, diz Kleber. De volta ao São Luiz, desta vez do lado de cá da tela, Febre do Rato deve causar reações parecidas com outros filmes do diretor de Amarelo manga e Baixio das bestas. Ou adorado, ou de rejeitado.

Difícil é permanecer indiferente à utopia que Cláudio Assis imprime ao roteiro e poesia de Hilton Lacerda. Além da dupla, a exibição de hoje terá presença maciça de equipe e elenco: Julia Moraes, Walter Carvalho, Renata Pinheiro, Karen Harley e os atores Irandhir Santos, Matheus Nachtergaele, Juliano Cazarré, Mariana Nunes e Tânia Moreno. Nanda Costa ainda não sabe se virá, está gravando série da Globo em Santa Catarina.

No filme, Irandhir é Zizo, poeta de rua, anarquista convicto, vetor que movimenta o filme. Em ascensão meteórica, o ator oferece o que pode ser a sua melhor performance, até o momento. Já a global Nanda Costa é Eneida, musa inspiradora de Zizo, com quem protagoniza a famosa cena de nudez, que no Sete de setembro de 2010 culminou em ação policial na Rua da Aurora, notícia dada com exclusividade pelo Diario.

Matheus Nachtergaele é o coveiro Pazinho, que com o travesti Vanessa, faz o casal mais conservador da turma, com direito a traição, crises de ciúme e DR em público, com choro e reconciliações. Cazarré e Mariana, ao lado dos músicos Vitor Araújo e Hugo Gila, formam a ala radical do amor livre. Delírio, prazeres e celebração são o combustível para Zizo / Cláudio convocar a população contra as dores de se morar no Recife. É o cinema como poesia, calcado em um olhar crítico e sem concessões sobre uma cidade em tons de cinza. E contrastes preto e branco.

Uma cidade feita de sonhos - Hoje o Recife assistirá a primeira exibição de Febre do Rato depois da consagração no Festival de Paulínia - nada menos do que oito prêmios. Depois, garante Cláudio, só quando o filme estrear, em março do ano que vem. Ou então, talvez, em grande festival internacional. “Embora não faça filmes para ganhar prêmio, ter sido reconhecido faz bem pois a mídia espontânea pode atrair mais público”, conta o diretor, na ladeira de São Francisco, Olinda, pouco antes de visitar o set onde Hilton Lacerda roda seu primeiro longa, Tatuagem.

Hilton é parceiro de primeira hora de Febre do rato, que surgiu em 2003, nos Quatro Cantos de Olinda, durante as filmagens de Amarelo manga. Não deve ser coincidência que o mesmo local é ponto de encontro da poesia marginal, principal inspiração para o filme. Agora, é a vez de Cláudio contribuir na produção do amigo, onde faz participação especial. Matheus Nachtergaele, que veio prestigiar o lançamento de Febre, também visitou o set e acabou entrando nas cenas.

Febre do rato é amor, de acordo com Cláudio. Mas também é revolta, rebeldia, indignação com um Recife de fortes diferenças. Daí a fotografia em preto-e-branco. Se a poesia do corpo é de Irandhir, a declamada é escrita por Hilton. No entanto, Cláudio cita Carlos Pena Filho para explicar a relação de amor e dor com a cidade.

“Cheguei ao Recife pelo movimento estudantil e sei que essa cidade é boa e ruim, o quanto ela pode ser cruel, maltratar principalmente quem mora nas favelas. Por um lado é bela, Veneza Americana, porta de entrada da Europa, mas os verdadeiros moradores da cidade, como os dos Coelhos, no centro da cidade, vivem em condições vergonhosas. O cinema tem que denunciar isso. Sem ser panfletário, pois não sou político, sou cineasta”.

Na apresentação do filme, Cláudio disse que quer mostrar ao público a quantidade de profissionais pernambucanos que fazem parte da equipe. E continua a tecer duras críticas à prefeitura do Recife, que prometeu, mas não investiu dinheiro no filme. “A prefeitura não tem política cultural. A não ser aquela virada eleitoral, aquela enganação”.

Quanto ao governo do estado, principal patrocinador do filme ao lado da Petrobras, só elogios. “Fui contemporâneo de Eduardo Campos na faculdade de Economia da UFPE. Sempre foi acessível. O Baile perfumado só existe por causa dele, que liberou o dinheiro que faltava para o filme terminar”.

E agora, que se transbordou de tanto amor e poesia, que fará Cláudio Assis? Planos não faltam. “Tenho três projetos, um deles para fazer um filme infantil com Paulo Lins (escritor de Cidade de Deus). Os outros dois é adaptar um livro inédito de Xico Sá, já aprovado pelo fundo setorial do audiovisual e outro com Anna Muylaert, chamado Piedade, que é sobre homens, tubarões e extração petróleo”.

Saiba mais

Depois da sessão de Febre do rato, tem festa de abertura do Janela de Cinema. A discotecagem com DJ Tutu Moraes (Festa Santo Forte / SP), Jr. Black e Claudio N. (Chambaril), em novo espaço para eventos no centro do Recife: o terraço do Edifício Tebas (Av. Nossa Senhora do Carmo, 60 - Santo Antônio). Ingressos à venda no Castigliani Cafés Especiais (Cinema da Fundação - Derby) e no local, a R$ 20.

Durante todo o festival (de hoje a 13 de novembro), haverá um espaço de convivência no primeiro andar do Cinema São Luiz. Segundo a organizadora, Cris Gouveia, a ideia é criar um "espaço de remanso", com opções culturais e gastronômicas.

Serviço
Cerimônia de abertura da 4ª Janela Internacional de Cinema do Recife
Onde: Cinema São Luiz
(Rua da Aurora, 184 - Boa Vista)
Quando: Hoje, 20h30
Quanto: R$ 4 e R$ 2 (meia)
Informações: 3184-3157

(Diario de Pernambuco, 04/11/2011)

Um comentário:

et-nita disse...

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