sexta-feira, 28 de maio de 2010

Paisagem do abandono



Após estreia no Festival de Veneza, prêmios em Havana, Toulouse, Paris e no Festival do Rio, Viajo porque preciso, volto porque te amo chega ao circuito comercial. O novo filme de Karim Aïnouz (O céu de Suely) e Marcelo Gomes (Cinema, Aspirinas e urubus) é joia rara da contemplação cinematográfica.

Temos aqui não mais uma história, mas "A" história de amor, a que se joga de cabeça, como bem sugere a imagem final. O ponto de vista do filme é 100% subjetivo e emana de um único personagem, o geólogo José Renato (Irandhir Santos). Para quem assiste, o sentimento é o de incorporar sua identidade. Sem nunca aparecer em cena, ouvimos seus pensamentos, olhamos pelos seus olhos.

José Renato está em viagem de trabalho pelo interior nordestino, com a missão de encontrar o melhor caminho para a transposição do Rio São Francisco. Aos poucos, a tarefa cai para o segundo plano. Ele revive seu amor por Joana, que ficou em Fortaleza. Aparentemente à deriva, paisagens, cidadese personagens do Sertão são costuradas pela dor da separação.

As imagens de Aïnouz e Gomes têm forte teor afetivo e documental e ganham sentido ficcional com o roteiro escrito depois da captação, feita em vários suportes (35mm, 16mm, super 8, digital). O resultado tem densidade poética e busca pontes com a cultura popular - há passagens pela feira de Caruaru, Juazeiro do Norte, bares e cabarés de beira de estrada. O próprio nome do filme brinca com a cultura romântica das boleias de caminhões, que transitam neste road-movie existencial para ser assistido sem pressa.

(Diario de Pernambuco, 28/05/2010)

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